Acórdão nº 410/20.7T8CNT.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-02-07

Ano2023
Número Acordão410/20.7T8CNT.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO LOCAL CÍVEL DE CANTANHEDE)

Proc. n.º 410/20.7T8CNT.C1– Juízo Local Cível ...

Relatora: Sílvia Pires

Adjuntos: Henrique Antunes

Mário Rodrigues da Silva


Autores: AA
BB

Réus: CC
Herança aberta, ilíquida e indivisa por óbito de DD, representada pelos seus únicos herdeiros
EE,
FF
GG,
HH
II

*

Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra
Os Autores intentaram a presente ação contra os Réus, pedindo:
i) serem os Réus condenados a reconhecerem que aos Autores lhes assiste o direito de preferência na venda titulada pela escritura pública que os 2ºs Réus fizeram ao 1º Réu, que teve por objecto o prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...71 e descrito na Conservatória dos Registos Predial, Comercial e Automóveis ... sob o nº ...29 e, assim, o direito dos Autores haverem para si o referido prédio, substituindo-se ao comprador no negócio titulado por aquela escritura, mediante o preço aí declarado;
ii) Ser o 1º Réu condenado a reconhecer esse direito aos AA e a entregar a estes, livre de quaisquer ónus, coisas, edificações ou encargos, o mencionado prédio rústico inscrito na matriz sob o artigo ...71 e descrito na Conservatória dos Registos Predial, Comercial e Automóveis ... sob o nº ...29;
iii) Ordenar-se o cancelamento das inscrições de registos de aquisição, matriciais e registrais efectuadas sobre o prédio em causa em nome do 1º Réu com base na referida Escritura Pública, bem como, porventura, quaisquer inscrições e registos que tenham sido efetuados sobre o prédio em questão com base em qualquer outro negócio ulterior.
Recuperando-se o relatório da sentença proferida na 1ª instância:
Alegam, em síntese, que são proprietários do prédio rústico descrito Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis ..., sob o n.º ...77 da Freguesia ..., inscrito na matriz predial rústica n.º ...70; que, em 05.04.2019, foi outorgada escritura pública de compra e venda em que a 2.ª Ré, através dos respectivos herdeiros, declararam vender ao 1.º Réu, pelo preço de € 8.000,00, o prédio rústico, composto de terra e pinhal, sito no ..., ..., freguesia ..., inscrito na respectiva matriz rústica sob o artigo ...71 e descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis ...; que ambos os referidos prédios sempre foi afecto a cultura, sendo que o prédio dos autores confronta do lado Nascente com o referido prédio com o artigo ...71 em três pontos, não confrontando em nenhum ponto com nenhum prédio propriedade do 2.º Réu; que, não obstante terem o direito legal de preferência, o mesmo não foi cumprido, não tendo existido qualquer comunicação aos autores da sua intenção de venda do prédio rústico e sem efectuar aos mesmos qualquer comunicação prévia para preferir, com o que não se procedeu à comunicação do projecto de venda e das respectivas cláusulas negociais; que tiveram conhecimento do mencionado negócio em 14 de Janeiro de 2020.

Regularmente citados, os Réus apresentaram contestação conjunta.
Em sede de contestação, invocaram a excepção peremptória da caducidade do direito de acção. Nesta senda, referem que os AA, em momento anterior à venda, comunicaram que apenas pretendiam adquirir parte do prédio, e não a sua totalidade, pelo que renunciaram ao seu direito de preferir. Mais acrescentam que os AA tomaram conhecimento do negócio em Abril de 2019. Invocam ainda o abuso do direito por parte dos AA, porquanto a finalidade da aquisição do prédio é para alinhamento das estremas e construção, face à actividade comercial que desenvolvem no prédio urbano confinante com o prédio rústico propriedade dos AA e que confina com o prédio vendido e em apreço, diferentemente do 1.º Réu que pretende manter a utilização agrícola de tal prédio. Alegam ainda que o 2.º Réu tem um prédio encravado, sendo que para aceder ao seu prédio utiliza a serventia que atravessa o prédio objecto da acção, sendo igualmente de lhe reconhecer o direito de preferência. Por fim, deduziram incidente de intervenção principal provocada de terceiro.
Pugnam, assim, pela improcedência da presente acção, com a consequente absolvição dos réus dos pedidos.

Veio a ser proferida sentença que julgou a ação pela seguinte forma:
Face a todo o exposto, decide-se julgar a acção totalmente procedente e, em consequência:
a) Condena-se os Réus a reconhecer aos Autores BB e AA o direito de preferência na alienação do prédio descrito na Conservatória dos Registos Civil, Predial, Comercial e Automóveis ..., sob o n.º ...29, da freguesia ..., rústico, sito em ..., ..., com a área total de 4210 m2, composto por terra de cultura, pinhal e mato, inscrito na matriz sob o artigo ...71, a confrontar de Norte com Herdeiros de JJ e Serventia, de Sul com KK, de Nascente com Serventia, e de Poente com LL, ocupando, assim, o lugar do Réu adquirente, CC, na escritura de compra e venda outorgada em 05 de Abril de 2019, no Cartório Notarial sito na Rua ..., em ..., a cargo da Notária MM, quanto à aquisição do aludido prédio;
b) Em consequência, condena-se o 1.º Réu CC a entregar o aludido prédio rústico aos Autores, livre de quaisquer ónus, coisas, edificações ou encargos que tenham sobrevindo a 05 de Abril de 2019;
c) Concomitantemente, ordena-se o cancelamento do registo de transmissão a favor do 1.º Réu.

*

O Réu CC interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
1) O prédio constante do ponto 1) dos factos provados devia ter sido considerado da mesma natureza do prédio urbano (artigo ... da freguesia ... afecto a comércio e serviços em construção tipo industrial e habitação) a que está ligado, e onde os Recorridos tem edificada a oficina e casa de habitação, porquanto serve de logradouro/estacionamento para este comércio, com entrada directa deste e para este prédio conforme fotografias 9 e 11 do auto de inspecção ao local constante da ata de audiência final referência 87523047 de 02/02/2022.
2) A definição de um concreto espaço como prédio urbano ou prédio rústico não depende de critérios matriciais ou registrais, mas sim da atividade desenvolvida pelos Recorridos no prédio em conjugação com o artigo 204º n.º 2 do CC.
3) O prédio dos Recorridos, constante do ponto 1) dos factos provados serve de logradouro e tem a mesma autonomia económica visada pela oficina dos AA, conforme definição do artigo 204º n.º 2 C.Civil, pelo que não pode ser utilizado para o exercício do direito de preferência previsto no artigo 1380º do C.Civil. É fruído pelos Recorridos como quintal, estacionamento e deposito de veículos servindo de suporte as necessidades comerciais dos AA. Não existe direito de preferência nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 1381º do Código Civil.
4) Devia constar dos factos provados: Os AA não fazem um uso agrícola do prédio identificado em 1) este constitui parte integrante do prédio urbano dos AA e, como tal não gozam os AA, proprietários confinantes, de direito de preferência sobre o prédio ...71 identificado em 7) dos factos provados.
5) Destarte, deve o tribunal ad quem alterar, igualmente, a matéria de facto dada como provada para constar desta as alíneas d), e), f), g), h), i), j) dos factos não provados, o que se requer respeitosamente a V. Ex.ª, e que são os seguintes:
d) Os Autores não pretendem agricultar o prédio identificado em 7);
e) Os Autores não têm interesse em cultivar a terra;
f) A finalidade dos Autores com a preferência é alinhamento de estremas e construção;
g) O Réu CC exerce actividade agrícola no prédio identificado em 7), tirando do prédio os frutos agricultados, como as couves, alfaces e beterrabas, num sistema de agricultura biológica, rotativa e anual;
h) O 1.º Réu CC é proprietário do prédio rústico composto de pinhal e mato, inscrito na matriz predial respectiva sob o artigo ...55 da freguesia ..., com a área de 320 m2, a confrontar do Norte com NN, do Sul e Poente com OO e do Nascente com PP;
i) Para aceder a este seu prédio (rústico ...55 da freguesia ...), o 1.º Réu tem obrigatoriamente de calcar a serventia existente que atravessa o prédio identificado em 7);
j) O prédio rústico identificado em 7) encontra-se onerado com servidão de passagem a favor do prédio do 1.º Réu CC.
6) Os factos indicados em h), i) e j) dos factos não provados deviam ser dados como provado por acordo das partes, uma vez que são os próprios AA que os aceitam e os confirmam no seu requerimento referência citius 6062765 datado de 29/10/2020.
7) Facto é que não obstante tais factos terem sido invocados pelos Réus na sua contestação, confessados, resultado de acordo das partes e resultarem da prova produzida em sede de audiência de julgamento, a verdade é que o “tribunal a quo” os deu como não provados ou se demitiu de se pronunciar sobre essas questões que lhe foram suscitadas pelos Réus, alheando-se por completo.
8) O tribunal “a quo” não se pronunciou relativamente ao alegado e provado como supra se refere, direito de preferência por parte do R CC, porquanto para aceder ao seu prédio rústico ...55, (conforme fotografia 17 e 18 da Inspeção ao local constante da acta 02/02/2022 referência 87523047), tem de passar na “…serventia existente no prédio rústico inscrito sob o artigo ...71º encontra-se aberta, permitindo a passagem do aqui Réu para o seu referido prédio ...55…” artigo 66º do articulado dos AA.
9) A testemunha QQ, cujo testemunho foi assertivo, circunstanciado e seguro referiu que o Recorrente CC para aceder ao seu prédio de choupos (identificado em h) dos factos não provados) tem obrigatoriamente de calcar a serventia existente no prédio identificado em 7), encontrando-se este prédio onerado com servidão de passagem. Os AA não têm interesse em cultivar a terra, nunca agricultaram a terra. Desde pelo menos julho que os AA sabiam da venda da terra e era comentado na aldeia que os AA iam tirar a terra ao Réu CC. Os AA usam o seu prédio para deposito de veículos.
10) As...

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