Acórdão nº 408/21.8T8VRL.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2022-05-19

Ano2022
Número Acordão408/21.8T8VRL.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

ACÓRDÃO (1)

ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES,
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1. RELATÓRIO
1.1. Da Decisão Impugnada

O Requerente J. S. intentou a presente acção especial de acompanhamento de maior contra M. G., pedindo que se «I - Dispense o Requerente do consentimento da Beneficiária; II - Declare a Beneficiária necessitada de acompanhamento para todos os atos de administração dos seus bens», fundamentando a sua pretensão, essencialmente, no seguinte: «o Requerente é filho da Beneficiária, a qual tem 87 anos de idade, não sabe ler, nem escrever e não conhece o dinheiro, vê muito mal ou quase não vê e ouve muito mal ou quase não ouve, pelo que não consegue perceber o que lhe é dito ou reconhecer as pessoas que a ela se dirigem, estando totalmente incapaz de reger a sua pessoa e de administrar os seus bens».
Por decisão de 17/03/2021, determinou-se o suprimento da autorização.
Citado, o Ministério Público contestou, terminando nos seguintes termos: «a concluir-se a final, pela necessidade de se aplicarem à requerida medidas de acompanhamento, sejam as mesmas as mais adequadas, a definir após audição pessoal e direta da mesma, ponderadas as diligências de prova a ordenar pelo Tribunal e bem assim em consonância com o exame pericial médico a realizar».
Citada, a Requerida contestou, pugnando para «a presente ação ser julgada improcedente por não provada, com as legais consequências, e subsidiariamente, se assim não se entender, seja designado como acompanhante o filho da Requerida, A. G., com quem reside na rua …, n.º …, Mondim de Basto e, bem assim, para integrar o Conselho de Família a sua filha M. C. e genro M. R., residentes na rua do …, …, Santo Tirso», fundado a sua defesa, essencialmente, no seguinte: «tem noção do valor do dinheiro e dos bens, bem sabendo gerir o seu património; encontra-se lucida e tem capacidade suficiente de memorização, percebendo perfeitamente o que lhe é dito; tem, há mais de 15 anos, um tumor cerebral, benigno, “shwannoma vestibular direito”, que sempre se manteve inalterado, não tendo afetado de todo as suas capacidades físicas e psíquicas; com a idade de 87 anos, carece de auxilio, colaboração, proteção e acompanhamento comuns, sendo certo que tal é assegurado de forma cabal por parte do seu filho A. G. e da sua companheira M. N., com quem a Requerida vive, e de uma outra filha e genro, respetivamente, M. C. e M. R., residentes em Santo Tirso mas que a visitam praticamente todos os fins de semana; e não deve ser sujeita a quaisquer limitações judiciais à sua capacidade.
Procedeu-se à audição da requerida, à realização de exame pericial e à produção das demais provas consideradas necessárias pelo Tribunal a quo.
Foi proferida sentença com o seguinte decisório: “Em face do exposto, nos presentes autos decide-se: a) Determinar a protecção de M. G., mediante a aplicação de medida de acompanhamento, sujeita ao regime de representação especial relativa aos actos supra indicados; b) Declarar que as medidas de acompanhamento se tornaram convenientes pelo menos desde 07/07/2021; c) Nomear para o exercício das funções de acompanhante A. G.; d) Para exercerem as funções de protutor e de vogal do conselho de família, designam-se J. S. e o Sr. Presidente da Junta de Freguesia de ..., respectivamente; e) Determinar que a presente sentença seja revista no prazo de 5 (cinco) anos, a contar da data da sua prolação; f) Determinar que, caso a beneficiária M. G. não venha a residir com o acompanhante A. G., deverá este manter com a beneficiária um contacto permanente, devendo as visitas ocorrer com uma periodicidade não inferior a três meses, salvo se a acompanhante se encontrar emigrada, caso em que deverão as visitas ocorrer uma periodicidade não inferior a um ano; g) Não autorizar a intervenção do acompanhante A. G. nos termos preceituados no artigo 2082.º, n.º 2, do Código Civil…”.
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1.2. Do Recurso da Requerida

Inconformada com a sentença, a Requerida interpôs recurso de apelação, pedindo que a sentença recorrida seja “revogada e substituída por outra nos exatos termos peticionados” e formulando as seguintes conclusões no final das respectivas alegações:
“A- O actual regime jurídico do maior acompanhado, aprovado pela Lei n.º 49/2018, de 14 de Agosto, “ veio introduzir um regime monista e flexível, norteado pelos princípios da “ primazia da autonomia da vontade da pessoa, cuja vontade deve ser respeitada e aproveitada até ao limite possível e da subsidariedade de quaisquer limitações à sua capacidade, só admissíveis quando o problema não possa ser ultrapassado com recurso aos deveres de proteção e de acompanhamento comuns”, citando Ac. Do TRG de 12.11.2020.
B- E, conforme discorre o Ac. Do TRL de 04.02.2020, “A medida de acompanhamento de maior só é decretada se estiverem previstas duas condições: - uma positiva (princípio da necessidade): tem de haver justificação para decretar o acompanhamento do maior e uma das medidas enumeradas no Art.º 145.º, n.º2, do C.C.), sendo que na dúvida, não é decretada nenhuma medida de acompanhamento; - uma negativa (princípio da subsidariedade): a medida de acompanhamento é subsidiária perante deveres gerais de cooperação e assistência, nomeadamente de âmbito familiar (Art.140.º n.º2 , C.C.), não devendo o tribunal decretar essa medida se estes deveres forem suficientes para acautelar as necessidades do maior.
C- A regra geral é de reconhecer a capacidade da pessoa humana para exercer de forma livre os seus direitos pessoais (Art. 147.º n.º2 do C.C.), sendo as restrições ou limitações ao seu exercício a exceção, que sempre deverá ser bem fundamentada.”
D- Isto também, na senda dos princípios essenciais consagrados na Convenção de Nova Iorque sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, e que foram acolhidos na ordem jurídica portuguesa, designadamente, entre outros, o princípio da necessidade.
E- Com efeito, “o n.º2 do Art. 140.º do Código Civil prevê a inaplicabilidade de qualquer medida, caso a mesma se revele desnecessária, concretizando um princípio essencial consagrado no Artigo 12.º da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência – o princípio da necessidade -, do qual decorre imperativamente que as medidas de apoio apenas devem ser tomadas se forem absolutamente necessárias e proporcionais. “ In Ac. do TRP de 13.01.2020)
F- Da matéria de facto provada nos autos, designadamente dos factos vertidos em 13, 18, 22, 24, 27, 31 e 33, resulta que embora a Requerida necessite de auxílio para gerir os seus bens patrimoniais e assistência nas “tarefas do dia-a-dia, como vestir, asseio, higiene e idas à casa de banho”, tais limitações são supridas pelos deveres de assistência e cooperação, prestados pelos seus filhos A. G. e M. C., e pela companheira do primeiro, M. N..
G- Ora, face aos factos provados, resulta que a recorrente se encontra com capacidade crítica, tem vontade própria, tem uma apreciação racional sobre o comportamento dos filhos, tem noção do mundo que a rodeia teve um diálogo normal com o Sr. Juiz, tem consciência dos seus direitos pessoais, sabe quem são os filhos e os conflitos que os envolvem e manifesta pesar por esse conflito, não apresenta sintomatologia psicótica, tal como se encontra provado de 13º a 18º, ambos incluídos, além disso identifica o valor facial do dinheiro (facto provado sob nº 10) e sabe que está em pandemia (facto nº 6).
H- Destarte, deverá ser revogada a aplicação da medida de acompanhamento de M. G., porquanto, a sua protecção é assegurada pelos deveres de assistência e cooperação, prestados em contexto familiar, preservando-se desta forma, a autonomia da sua vontade. Caso assim não se entenda, o que por mera hipótese se admite.
I- A douta sentença proferida pelo Tribunal a quo sobre o regime de representação especial relativa aos atos supra indicados designadamente, “Em decorrência, revela-se proporcional e adequado autorizar o acompanhante a movimentar a conta bancária de que é titular a requerida (identificada nos factos provados n.º26, 28 e 29), até ao montante mensal correspondente ao salário mínimo nacional aplicável ao ano respetivo, ficando sujeita a autorização específica do Tribunal a movimentação de montantes que mensalmente excedam essa ordem de grandeza (cfr. Artigos 150.º, n.º3, do Código Civil, 891.º, n.º1, 987.º e 988.º do C. P.C.), não se concebe a razão de fixação de tal limite, tão baixo, quando a Requerida possuía, no início do ano de 2021, uma aplicação financeira no Banco …, no valor de €388.000,00, a que acrescem pensões/prestações mensais, no valor global de €504,04 (factos provados 26 e 29).
J- A recorrente realiza, mensalmente, despesas normais que ascendam a um total, mínimo, de 950 euros.
K- Acresce que tem o direito de presentear os seus netos, ir ao restaurante com filhos e netos uma vez por semana pagando a despesa, e não deve pedir autorização ao Tribunal para o fazer.
L- Tendo em conta que, conforme é referido no Ac. Do TRP de 29.04.2021 “o regime do maior acompanhado introduziu no sistema jurídico português uma mudança de paradigma e uma nova filosofia no estatuto das pessoas até então tidas como portadoras de incapacidade, o qual passou a centrar-se exclusivamente na defesa dos interesses das mesmas, quer ao nível pessoal, quer ao nível patrimonial, reduzindo a intervenção ao mínimo possível, isto é, ao necessário e suficiente a garantir, sempre que possível, a autodeterminação e a capacidade da pessoa maior com limitações relevantes.”, não se compreende porque se limita a autorização do acompanhante, para movimentar mensalmente a conta bancária da requerida, ao valor do salário mínimo nacional, para com tão frugal e espartano montante, suprir todas as despesas desta última.
M- Ora atendendo aos valores de 388 mil euros que tem depositados, bem como ao que recebe mensalmente, 504 euros, o Tribunal parece ter atendido aos interesses...

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