Acórdão nº 4070/23.5T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 29-02-2024

Data de Julgamento29 Fevereiro 2024
Ano2024
Número Acordão4070/23.5T8VNF.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

1. Relatório

AA intentou procedimento cautelar de suspensão de deliberação social contra EMP01.... Lda, pedindo que, com dispensa da audiência prévia da requerida, fossem suspensas todas as deliberações sociais tomadas na assembleia geral da requerida de 12/06/2023.

Em síntese, alegou que é sócia da requerida, sendo também sócias a mãe e três irmãs; as deliberações naquela assembleia geral são nulas por não ter sido convocada com a antecedência mínima de 15 dias.

Mais alegou, também em síntese, que o pai, BB, padece de doença que limita a sua capacidade para gerir a sua pessoa e bens; em virtude disso, a requerente intentou acção especial de acompanhamento de maior em relação ao pai; a 26/07/2022 o pai divorciou-se da mãe, representado por procurador, não tendo capacidade para tomar essa decisão, nem perceber o alcance das suas consequências legais; a 02/08/2022 o pai foi conduzido ao ..., a um Cartório Notarial, onde assinou uma escritura de partilha, tendo sido adjudicado todo o património à ex-esposa, sem que aquele recebesse qualquer prestação; o pai não tinha capacidade para entender a referida escritura; a 06/04/2023 foi proferida sentença, no processo de maior acompanhado, que declarou que BB beneficiará da medida de acompanhamento de representação geral com administração total de bens e fixou em 11/04/2022 o momento a partir do qual tal medida se tornou conveniente; da referida sentença foi interposto recurso; é intenção da requerente intentar todas as acções necessárias à anulação do divórcio e da partilha, acções essas que podem implicar a nulidade de todos os actos praticados posteriormente, mormente as deliberações tomadas na assembleia geral de 12/06/2023.

Foi ordenada a citação da requerida, que deduziu oposição, por excepção e por impugnação, e requereu até ../../.... para renovar as deliberações tomadas no dia 12 de Junho de 2023, nos termos do art.º 62º do CSC.

Foi proferido despacho a determinar que a requerente se pronunciasse sobre as excepções.

A requerente veio pronunciar-se quanto à questão da renovação da deliberação nula dizendo, em síntese, que, se o CSC permite a renovação de deliberação nula, no caso de violação de regra procedimental, tal não abrange decisões material e substancialmente nulas, tomadas por quem ilegalmente passou a figurar como sócio da sociedade e por quem passou a ter a maioria do capital, naquilo que vulgarmente se denomina por “teoria do fruto da árvore envenenada”, mormente das decisões de vontade, deliberações, negócios ou actos, como seja de divórcio e partilha realizado em momento em que BB já não se encontrava capaz de o fazer; ao contrário do alegado pela requerida, a nulidade de que padece a deliberação de 12/06/2023 não resulta apenas do incumprimento do prazo de antecedência para a convocatória da Assembleia, mas também dos actos anteriores de disposição das quotas através de acto de partilha, nulo por força da incapacidade de que padecia e padece BB e que inquina os actos praticados posteriormente; não existe motivo para ser concedido prazo nos termos do art.º 62º, n.º 3 do CSC.

A 04/08/2023 a requerida requereu a junção aos autos da Acta da Assembleia de renovação das deliberações sociais, Acta essa onde consta que no dia 28/07/2023 reuniu a Assembleia Geral Extraordinária da sociedade EMP01..., Ldª, não foi admitida a presença do Ilustre mandatário da aqui requerente por aplicação do disposto no n.º 5 do art.º 249º do CSC e ainda o seguinte:
“Verificou-se estarem reunidas todas as condições para que a Assembleia reúna e delibere validamente sobre todas as matérias constantes da Ordem do dia para que foi convocada, a saber:
“1. Deliberar a renovação das deliberações constantes dos pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8 da Assembleia Geral da sociedade de Junho de 2023, em virtude do procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais que corre termos sob o n.º 4070/23...., junto do Juízo do Comércio ... – J ..., por forma a renovar e conferir efeito retroativo às deliberações tomadas, com o propósito de:
(…)
Dando-se entrada no Ponto um da Ordem de trabalhos foi pelas sócias declarado nada terem a referir quanto ao ponto pelo que foi o mesmo colocado à votação e aprovado por unanimidade das sócias presentes, sendo assim aprovada a renovação das deliberações constantes dos pontos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7 e 8 da Assembleia Geral da sociedade de 12 de Junho de 2023, em virtude do procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais que corre termos sob o n.º 4070/23...., junto do Juízo do Comércio ... – J ..., por forma a renovar e conferir efeito retroativo às deliberações tomadas
(…)”

Foi designada data para inquirição de testemunhas.

A requerente veio pronunciar-se quanto à junção da Acta da Assembleia Geral de 28/07/2023,dizendo, em síntese e no que releva à economia do recurso, que tal assembleia manteve intocados os vícios, de ordem material e substancial, que enfermavam a deliberação originária; tais nulidades não ficam sanadas com a renovação da deliberação tomada a 28/07/2023; a renovação das deliberações sociais não retira o efeito útil ao procedimento cautelar, por se manterem os vícios constantes da deliberação de 12/06/2023, à excepção do vício procedimental respeitante à convocatória; é sua intenção impugnar a deliberação de 28/07/2023, devendo sobrestar-se na prolação de uma decisão de extinção da instância nestes autos, procedendo-se antes à suspensão da instância, até que seja proferida decisão na acção em que será impugnada a deliberação renovadora.

Pronunciou-se a requerida dizendo que as deliberações tomadas na Assembleia geral de 28 de Julho de 2023 revogaram os efeitos das deliberações tomadas na Assembleia de 12 de Junho de 2023; uma vez que não foi requerida a sua suspensão ou anulação, nos prazos legais, tais deliberações são válidas e insusceptíveis de impugnação; a presente lide é agora inútil; a discussão sobre a validade das deliberações tomadas a 28 de Julho de 2023 já não é possível noutro processo, por ter caducado o direito da requerente para esse efeito, e não é possível nestes autos por consubstanciar uma alteração do pedido e causa de pedir, inadmissível em procedimento cautelar e a que a requerida se opõe expressamente.

Teve lugar a diligência designada na qual foi proferida a seguinte decisão:
“Nos presentes autos de providência cautelar de suspensão de deliberações sociais, em que é Rqt.e AA e R.da EMP01... - Investimentos Imobiliários, Lda., uma vez que, conforme alegado na oposição, as deliberações postas em crise foram já renovadas, por AG de 28-7, cuja acta foi já junta aos autos, considerando que é jurisprudência unânime que a deliberação renovadora, na pendência duma instância processual cujo objeto consista na apreciação da validade da deliberação original, produz efeitos processuais sobre a instância pendente, tendo por consequência a renovação da deliberação, forçoso é declarar a extinção da instância, com fundamento em inutilidade (ou impossibilidade) superveniente da lide (cfr. art. 277.º, al. e), do CPC).
Custas pela Requerente.”

A requerente interpôs recurso, pedindo a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que ordene o prosseguimento dos autos para produção de prova e demais termos até decisão final quanto à suspensão das deliberações sociais de 12/06/2023 e, caso a decisão recorrida seja mantida, seja a Requerida condenada nas custas, uma vez que a extinção da instância ocorreu por facto que lhe é imputável, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:
A. A sentença recorrida viola, por erro de interpretação, as normas dos artigos 277.º, alínea e) do CPC e 62.º do CSC.
B. A declaração de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide teve como fundamento a deliberação renovadora, datada de 28/07/2023, que apenas
sanou o vício procedimental pelo facto de não ter sido cumprido o prazo de antecedência mínimo da convocatória, confirmando as demais deliberações e atribuindo efeito retroactivo a 12/06/2023.
C. A deliberação renovadora não sanou, nem podia, os vícios materiais e substanciais de que padeciam as deliberações de 12/06/2023, nomeadamente o facto de terem sido tomadas decisões por quem passou a figurar ilegalmente como sócio da sociedade e por quem passou a ter a maioria do capital.
D. Ilegalidade resultante do divórcio e partilha, respectivamente, em ../../2022 e ../../2022, entre BB, sócio maioritário da Requerida, e CC, efectuada quando BB já não dominava a sua vontade.
E. BB é requerido em processo especial de acompanhamento de maior no âmbito do processo n.º 626/22...., onde se apurou que desde o dia 11/04/2022 foi sujeito a internamento e em que a doença Alzheimer atingiu um pico crítico e que o funcionamento neurológico daquele encontrava-se prejudicado, devido à existência de défices significativos em áreas que limitam a sua capacidade para poder gerir a sua pessoa e bens, que a sua deficiência é de natureza psicológica, sendo que tais deficiências limitam o desempenho em termos volitivos e cognitivos e traduz-se em quadro irreversível...

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