Acórdão nº 403/23.2YHLSB.L1-PICRS de Tribunal da Relação de Lisboa, 2024-04-10

Data de Julgamento10 Abril 2024
Ano2024
Número Acordão403/23.2YHLSB.L1-PICRS
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na Secção da Propriedade Intelectual, Concorrência, Regulação e Supervisão do Tribunal da Relação de Lisboa:

I. Relatório
A GEDIP - Associação para a Gestão de Direitos de Autor, Produtores e Editores intentou um procedimento cautelar contra a PeC, Lda requerendo que seja decretado o encerramento do estabelecimento por esta explorado, ou, subsidiaria e cumulativamente, a proibição da continuação da execução pública não autorizada de videogramas pela Requerida, a apreensão dos bens que se suspeite violarem os direitos conexos e dos instrumentos que sirvam para a prática do ilícito, nomeadamente aparelhos de televisão, aparelhos de reprodução de DVDs, cassetes ou aparelhos retransmissores de conteúdos videográficos, bem como suportes informáticos que contenham ficheiros audiovisuais e, caso se verifique a sua utilização para a execução pública de videogramas, computadores, notebooks, tablets ou ainda qualquer outro meio utilizado para esse fim; a obrigação de concessão de livre acesso ao estabelecimento explorado pela sociedade requerida, com o objectivo de visualizar e registar, através de meios de gravação para tanto aptos, os videogramas que aí são executados publicamente, com a possibilidade de recurso aos meios policiais para garantir tal acesso e a condenação no pagamento de sanção pecuniária compulsória por cada dia que decorra entre a data do trânsito do trânsito em julgado e a obtenção de licença.
Alegou em síntese, de acordo com o Relatório da sentença que veio a ser proferida, que é uma associação de gestão coletiva sem fins lucrativos que se encontra devidamente constituída, registada (na IGAC) e mandatada para representar os produtores de videogramas em matérias relacionadas com a cobrança de direitos de autor e direitos conexos. Por outro lado, fruto da lei e de acordos firmados com a GDA - Cooperativa de Gestão dos Direitos dos Artistas, Intérpretes ou Executantes, CRL, entidade de gestão coletiva dos direitos dos artistas, a requerente está também mandatada para promover o licenciamento e cobrança aos artistas, intérpretes e executantes.
A atividade de licenciamento e cobrança das remunerações é desenvolvida pela requerente GEDIPE, em parceria com a referida GDA, procedendo assim ao licenciamento conjunto de direitos conexos dos artistas, intérpretes, executantes e produtores de videogramas. A execução pública de videogramas editados comercialmente, além de carecer de autorização dos respetivos produtores, confere a estes e aos artistas, intérpretes e executantes, o direito a receber uma remuneração equitativa. A remuneração cobrada pela GEDIPE é dividida entre produtores e artistas, sendo a parcela destinada a estes últimos entregue à parceira GDA.
No âmbito da referida atividade de licenciamento e cobrança de direitos conexos de produtores e artistas, seus associados, a Requerente representa o repertório nacional e estrangeiro.
A sociedade requerida explora o apartamento turístico “Hotel Anjos” registado sob o n.º 687 no Registo Nacional de Turismo (doravante “RNET”), sito em Vila Real de Santo António, que tem a classificação de 3 (três) estrelas, aberto ao público e a funcionar diariamente.
A Requerente tomou conhecimento que no referido estabelecimento, explorado pela Requerida, existem televisores nas unidades de alojamento e em espaços comuns, sendo publicitada no website Booking.com que a existência de televisores é uma das comodidades que oferecem aos seus hóspedes.
Alega ainda, a título exemplificativo, que no dia 13/08/2022 foram transmitidos pelos quatro principais canais generalistas portugueses os seguintes programas constantes do documento 9, para o qual se remete para os devidos efeitos, cujos produtores são representados pela ora Requerente.
A Requerida não procedeu ao licenciamento ou ao pagamento da remuneração devida pela exibição ou comunicação de videogramas, pese embora o ter efeito relativamente a outros estabelecimentos que explora.
A Requerida foi interpelada por carta de 22/11/2021 enviada pela Requerente, no sentido desta proceder ao licenciamento e pagar os montantes devidos pela utilização de videogramas.
Apesar de instada para o efeito, através de correspondência trocada, a requerida não fez à requerente qualquer pedido ou solicitação de licenciamento ou autorização e jamais pagou a remuneração equitativa devida, sendo que continua a exibir publicamente na referida unidade hoteleira videogramas explorados comercialmente ou reproduções dos mesmos.
Não foi deduzida oposição.
Foi proferida sentença julgando improcedente o procedimento cautelar e absolvendo a Requerida dos pedidos formulados.
Inconformada com a sentença dela veio apelar a GEDIP - Associação para a Gestão de Direitos de Autor, Produtores e Editores, formulando as seguintes conclusões:
A. Por sentença proferida em 11/01/2024, veio a Mma. Juiz a quo julgar improcedente o procedimento cautelar e, em consequência, absolveu a Recorrida dos pedidos formulados pela Recorrente;
B. A Recorrida não deduziu oposição ao procedimento cautelar.
C. Nos termos do disposto nos artigos 366.º, n.º 5 e 567, n.º 1, ambos do CPC, veio a Mmª. Juiz a quo determinar que a falta de oposição da requerida importa a confissão dos factos alegados pela requerente.
D. Consequentemente, não houve lugar à marcação da audiência de discussão e julgamento em que é produzida prova.
E. Porém, apesar de determinar que se consideram confessados os factos alegados pela Recorrente, no requerimento inicial, a Mma. Juiz a quo decidiu no sentido de considerar improcedente o procedimento cautelar instaurado pela Recorrente.
F. Para tanto, invocou que «a alegação genérica de que naquele hotel se procede de forma habitual, continuada e reiterada, à execução pública de videogramas e que, em qualquer desses dias constantes da referida grelha de programação, procede à execução pública de videogramas do repertório entregue à gestão da ora Requerente, não é suficiente para concluir pela violação do seu direito, pela Requerida, pois não se mostra concretizada essa violação, assentando a mesma numa mera presunção com base no anúncio da existência de televisores no site booking e na listagem dos programas que naqueles dias foram transmitidos pelos canais da televisão. Assim, fundamentando-se a presente providência na violação efetiva do seu direito, não se mostrando alegados factos concretos dessa violação, não pode o Tribunal considerar confessados factos que não foram alegados.».
G. Ora, em resultado da falta de oposição da Requerida e do disposto nos artigos 366.º, 5 e 567.º, n.º 1, ambos do CPC, em suma, foram dados como provados os seguintes factos alegados pela Requerente:
a) a Requerente é uma associação de gestão colectiva sem fins lucrativos que se encontra devidamente constituída, registada (no IGAC) e mandatada para representar os produtores de videogramas em matérias relacionadas com a cobrança de direitos de autor e direitos conexos, encontrando-se igualmente mandatada para promover o licenciamento e cobrança aos artistas, intérpretes e executantes;
b) A Recorrida explora o empreendimento turístico “Hotel Anjos” registado sob o n.º 687 no Registo Nacional de Turismo, que tem a classificação de 3 (três) estrelas, aberto ao público e a funcionar diariamente, existem televisores, nas unidades de alojamento e em espaços comuns, que coloca à disposição dos seus hóspedes.
c) A Recorrida não procedeu ao licenciamento ou ao pagamento da remuneração devida pela exibição ou comunicação de videogramas, pelo que, tem vindo a executar comunicação pública de videogramas não autorizada.
H. Por sua vez, tem sido entendimento unânime da nossa jurisprudência que a comunicação pública de videogramas através das televisões existentes nos quartos de um estabelecimento turístico tem natureza pública, para efeitos do artigo 178º, n.º 1, alínea a) e 184º, n.º 1, alínea c) e n.º 3 do C.D.A.D.C, em conformidade com a legislação e jurisprudência europeias.
I. É entendimento consolidado na jurisprudência comunitária que, embora a mera disponibilização de meios materiais não constitua, por si só, uma comunicação na acepção da Directiva 2011/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspectos do direito de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação, a distribuição de um sinal através de aparelhos de televisão por um hotel aos clientes instalados nos quartos deste estabelecimento, qualquer que seja a técnica de transmissão do sinal utilizado, constitui um acto de comunicação ao público na acepção do artigo 3.º n.º 1, da Directiva 2011/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de Maio de 2001, nos termos do qual, os Estados-Membros devem prever a favor dos autores o direito exclusivo de autorizar ou proibir qualquer comunicação ao público das suas obras, por fio ou sem fio, incluindo a sua colocação à disposição do público por forma a torná-las acessíveis a qualquer pessoa a partir do local e no momento por ela escolhido, existindo a mesma previsão no n.º 2, aplicável aos produtores de videogramas.
J. Posteriormente, reproduzindo esta orientação, o Despacho do Tribunal de Justiça (Sétima Secção) de 18-03-2010, proferido no processo C-136/09 (pedido de decisão prejudicial do órgão jurisdicional de reenvio grego, Areios Pagos), que tinha por objecto o conceito de «comunicação ao público» e as obras difundidas através de aparelhos de televisão instalados nos quartos de hotel e ligados a uma antena central do hotel sem outra intervenção da parte do proprietário para a recepção do sinal pelos clientes, formulou o seguinte dispositivo: «Ao instalar aparelhos de televisão nos quartos de hotel do seu estabelecimento e ao ligá-los à antena central do referido estabelecimento, o proprietário pratica, por esse simples facto, um acto de comunicação ao público na acepção do artigo
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