Acórdão nº 401/22.3T8AVR-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-11-13

Ano2023
Número Acordão401/22.3T8AVR-A.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo número 401/22.3T8AVR-A.P1
Relatora: Ana Olívia Loureiro
Primeiro adjunto: Jorge Martins Ribeiro
Segunda adjunta: Anabela Morais

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório
1. AA (na qualidade de locador) propôs em 31-01-2022 ação a seguir a forma de processo comum contra BB (na qualidade de locatária), CC e DD (ambas na qualidade de fiadoras) pedindo o reconhecimento da resolução do contrato de arrendamento entre eles vigente e a consequente condenação da primeira Ré na entrega do imóvel locado e de todas no pagamento das rendas vencidas e vincendas.
Como causa de pedir alega que a primeira Ré deixou de pagar a renda desde maio de 2021, estando em dívida à data da petição inicial nove meses de renda. Alega ter interpelado todas as Rés ao pagamento bem como ter remetido à primeira carta a manifestar a sua oposição à renovação do contrato de arrendamento para o termo do prazo, ou seja, para o dia 31 de março de 2022.
2. Depois de várias vicissitudes na citação das Rés, à concessão de benefício do apoio judiciário e à nomeação de patrono, a ação foi contestada pela Ré BB pela alegação de que não recebeu a comunicação de oposição à renovação do contrato de arrendamento e de que nunca lhe foi comunicada a resolução do mesmo por falta de pagamento de rendas. Excecionou a caducidade do direito à resolução do contrato de arrendamento por o autor não ter exercido esse direito após três meses de atraso no pagamento nem após ter ocorrido mora superior a oito dias no pagamento da renda por mais de quatro vezes.
Excecionou, ainda, que suspendeu o pagamento de rendas no mês de dezembro de 2020 como forma de pressionar o senhorio, aqui Autor, a realizar as obras de conservação necessárias no locado, cuja omissão estão a causar inúmeros danos de elevada monta no agregado familiar da Ré. Alega que o locado tem graves problemas de humidade e infiltrações que danificaram o seu interior e recheio, a obrigam a limpar a casa pelo menos duas vezes por semana e demandam obras que disse ter solicitado por várias vezes ao senhorio. Alega ainda que a garagem do imóvel não é por si ocupada, tendo sido ilegalmente arrendada a outro arrendatário para fim habitacional. Afirma que em julho e novembro de 2021 pagou ao Autor a quantia total de 1600 € com vista ao pagamento das rendas em dívida até novembro de 2021. Finalmente invocou graves dificuldades económicas e impossibilidade de sair do locado e responsabilizou o senhorio pela ausência de condições de habitabilidade. Deduziu reconvenção em que pediu a condenação do autor na realização de obras no locado.
3. O Autor replicou impugnando os factos alegados como fundamento da reconvenção e respondendo à matéria de exceção, pela sua improcedência. Alegou que as obras que lhe foram solicitadas não foram feitas porque, participada a sua necessidade a seguradora com quem celebrara contrato de seguro multirriscos, a mesma efetuou peritagem em que concluiu que os danos participados decorriam de imprudente utilização do imóvel, da falta de arejamento da fração, que permanece de portas e janelas fechadas, mesmo em dias de sol, e a condensação de vapores provenientes do seu interior.
4. Na mesma data juntou requerimento de ampliação do pedido em que, alegando lapso de redação da petição inicial disse pretender que a Ré seja condenada a reconhecer o direito de propriedade do Autor sobre o prédio locado e que contrato de arrendamento caducou no termo do prazo 31/03/2022.
5. Foi designada tentativa de conciliação após o que o Autor pediu o despejo imediato do locado, por requerimento de 04-05-2023, em que alegou a falta de pagamento das rendas vencidas durante a pendência da ação durante período superior a dois meses.
6. A 09-05-2023 foi proferido despacho em que se ordenou às Rés que, em 10 dias, comprovassem o pagamento das rendas vencidas na pendência da ação ou deduzissem oposição ao pedido de despejo imediato.
7. A tal respondeu a Ré locatária, BB, alegando de novo que o locado não tem condições de salubridade para a sua habitação e dos seus dois filhos menores o que lhe causa danos patrimoniais e não patrimoniais, reiterando que já comunicou ao Autor a necessidade e realização de obras.
8. Após a frustração da tentativa de conciliação e decorrido o prazo de 10 dias nela requerido pelas partes com vista a alcançarem acordo, foi proferido despacho que determinou o despejo imediato do locado bem como despacho saneador em que se admitiu a reconvenção, se fixaram o valor da ação, o objeto do litígio e os temas de prova. Foram admitidos os requerimentos de prova e foi designada data para audiência de julgamento.

II - O recurso
É do despacho que julgou procedente o incidente de despejo imediato que recorre a Ré arrendatária, BB.
Fá-lo com base nos fundamentos expressos nas seguintes conclusões de recurso:
“I - À aqui Ré, para evitar o despejo imediato, incumbe provar o pagamento ou depósito de rendas vencidas ou alegar e provar que as rendas não são exigíveis;
A inexigibilidade das rendas pode decorrer de diversas circunstâncias – estar em causa título de ocupação diverso do arrendamento, acordo de não pagamento de rendas, etc.
In caso, a falta de realização de obras pelo A., o que consequentemente provocou a impossibilidade de gozo do locado pela não realização daquelas, é uma válida exceção de não cumprimento invocada pela arrendatária.
II- O locado em discussão nos presentes autos não tens condições de salubridade para a sua habitação e dos seus dois filhos menores, desde pelo menos Dezembro de 2021; cfr docs juntos com a Contestação;
III- Nesse sentido, comunicou ao Autor, à data, que este deveria realizar as obras de conservação necessárias no locado, cuja omissão estavam e estão a causar inúmeros danos de elevada monta no agregado familiar da Ré;
IV- Danos patrimoniais, mas essencialmente não patrimoniais relacionados com o estado de saúde dos filhos menores, que atualmente apresentam problemas respiratórios.
V- o “locado tem graves problemas de humidade e infiltrações no interior e exterior, designadamente: o mobiliário da cozinha está integralmente podre, com bolor, deteriorando ainda o mobiliário da Ré, as paredes da casa estão todas escuras e a água escorre pelas mesmas em tempo de chuva, sendo necessário colocar baldes a amparar a água que cai”;
VI- Este estado do locado fez com que fosse impossível habitá-lo na totalidade e os menores atualmente dormem com a mãe no quarto virado para as traseiras;
VII- Atualmente a Ré apenas usa a cozinha, para fazer e tomar as refeições, e o quarto virado para as traseiras, para dormir com os menores;
VIII- A Ré e a sua família não “vivem” no locado, eles usam o locado como abrigo, pois este não reúne as mínimas condições para ser chamado de “lar”.
IX- Até aos dias de hoje o Autor não executou quaisquer obras necessárias a dotar o locado de todas as condições para o fim a que se destinava – e que são por demais evidentes pela fotografias juntas com a contestação - incumprindo assim a sua obrigação de assegurar o gozo pleno do imóvel.
X- Neste sentido a Ré, não estando em pleno gozo da coisa locada desde Dezembro de 2021, não tendo outra forma legal de reagir aos sucessivos incumprimentos por parte do Autor, nesta data, – Dezembro de 2021- deixou de cumprir a sua obrigação de pagamento da renda, tomando mão do art. 428.º CC
XI- A atuação do Autor, incumprindo a sua obrigação, e não permitindo que a Ré habitasse na totalidade do locado, este abriu caminho à Ré para que esta tomasse mão da exceção do não cumprimento previsto no art. 428.º CC, legitimando a sua falta de pagamento da renda, o que fez.
XII- Note-se que a exceção de não cumprimento invocada pela arrendatária não reside exclusivamente na falta de realização de obras pelo A. – circunstância esta que isoladamente considerada configuraria obrigação sem vínculo correspetivo na obrigação de pagamento de rendas -,
XIII- A exceção invocada reside essencialmente na impossibilidade de gozo do locado pela não realização daquelas.
XIV- Razões pelas quais a arguida exceção deve ser aceite e somos de entender não ter aplicabilidade in caso do artigo 14.º, n.º 4, do NRAU.
XV- Diz-nos o Sr.
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