Acórdão nº 4006/20.5T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 25-05-2023

Data de Julgamento25 Maio 2023
Ano2023
Número Acordão4006/20.5T8GMR.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

I. Relatório

Em 1.9.2020, AA e mulher BB requereram a sua declaração de insolvência, alegando, em suma, que se encontram impossibilitados de cumprir as respectivas obrigações vencidas e vincendas na sequência do encerramento e insolvência em fevereiro de 2020 da sociedade S..., Lda, de que o primeiro era gerente e a segunda trabalhadora, tendo como único rendimento o subsídio de desemprego desta última, pois em virtude da pandemia de Covid 19 e da declaração do Estado de Emergência não conseguir começar a trabalhar para outra empresa, não possuindo quaisquer bens além dos móveis existentes no interior da sua residência.
Mais requereram a exoneração do passivo restante, declarando que preenchiam os respectivos requisitos e estavam dispostos a observar as condições legalmente estabelecidas.
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Por sentença proferida em 3.9.2020, transitada em julgado, foi declarada a insolvência dos requerentes.
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Em 12.10.2020, o Sr. Administrador da Insolvência juntou aos autos o relatório a que alude o art. 155º do CIRE , no qual, quanto à exoneração do passivo refere que «No presente momento não existem elementos que justifiquem o indeferimento liminar do pedido, pelo que nada temos a opor a que seja proferido despacho de início do período de cessação de rendimentos.»

Mais informou que pelas pesquisas efectuadas verificou que o insolvente transmitira as seguintes viaturas:
- O veículo automóvel com a matrícula XN-..-.., marca ... , modelo ..., com registo e propriedade a favor do insolvente em 30.3.2015, foi registado a favor de CC( filho dos insolventes) em 14.1.2020.
-O veículo automóvel com a matrícula ..-OM- .., marca ... , modelo ..., com registo de propriedade a favor do insolvente em 21.5.2014, registado a favor de DD em 24.8.2020.
Acrescentando: “Visto que os insolventes nada referiram na petição inicial sobre estas vendas recentes, deverão explicar aos autos quais os motivos que os levaram a efectuar a liquidação deste património antes da apresentação à insolvência.”
E apresentou a relação provisória de créditos, cujo valor global ascende a € 58.681,32.
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Em 26.10.2020, o credor Banco 1..., S.A., pronunciou-se desfavoravelmente à admissão liminar do pedido de exoneração do passivo restante deduzido pelos insolventes, aduzindo que este violaram, com dolo ou culpa grave, os deveres de informação, apresentação e colaboração que para eles resultam do art. 238º,nº1, al.g) do CIRE.
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Em 30.10.2010, o credor A..., E... em Portugal, também veio dizer que que o insolvente não cumpre os requisitos para beneficiar da exoneração do passivo, porquanto:” há muito que sabia não conseguir cumprir as suas obrigações e nem por isso se apresentou antes à insolvência, como era seu dever, antes pelo contrário, continuou a contrair novas dívidas, em prejuízo de todos os credores e ainda delapidou património antes de se apresentar à insolvência.
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Em 11.11.2020, os insolventes, responderam aos requerimentos dos credores, alegando, em síntese, que :
- A sua situação de insolvência foi consequência do encerramento e insolvência em fevereiro de 2020 da sociedade S..., Lda, e da pandemia de Covid 19 e da declaração do Estado de Emergência que os impediu de, contra as suas expectativas, começarem a trabalhar para outra empresa, sendo totalmente falso que tenham continuado a contrair dívidas, tendo tentado negociar as suas dívidas.
- A venda do veículo com a matrícula ..-OM-.., ocorreu logo no início do período do confinamento, tendo sido liquidado junto do Banco 2... o crédito contraído para a sua aquisição, reduzindo, assim as dívidas.
- A viatura XN-..-.., não obstante estar registada em nome do insolvente, foi adquirida no estado de usada e acidentada em 2015 pelo seu filho, a um comerciante de nome EE, pelo preço de €2.700,00, quantia que este pagou em 3 prestações de € 900,00, cada uma, tendo o registo sido efectuado em nome do insolvente de modo a permitir a realização do respestivo seguro a um preço mais barato, dado que a carta de condução do filho era recente.
E afirmando terem prestado todos os esclarecimentos solicitados ao Sr. Administrador Judicial negam terem violado os deveres de informação apresentação e colaboração, bem como a delapidação de património e terminam requerendo que lhes seja concedido o benefício da exoneração do passivo restante, por se encontrarem preenchidos todos os respectivos requisitos para tal e por ser sua firme intenção observar todas as condições que lhe forem impostas e destinadas a minimizar os prejuízos dos seus credores.
Juntaram cópia da carta de condução do filho emitida em 20/09/2014, não requerendo qualquer outra prova.
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Em 15 de Fevereiro de 2021, o Administrador Judicial da Insolvência (doravante AJI ) procedeu à resolução incondicional em benefício da massa insolvente, nos termos dos arts 120º, 121º, e 123º do CIRE, do ato de alienação da viatura, com a matrícula XN-O4-.., mediante comunicação, ao actual titular do registo de propriedade, FF, filho dos insolventes, e a estes, cujas cópias se mostram insertas de fls 29 a 40 dos autos, onde, além do mais, consta que de acordo com as informações recolhidas a propriedade do veículo foi transmitida de forma gratuita facto do qual resultou prejuízo para os credores que viram diminuídas as garantias de pagamento dos seus créditos pela massa insolvente e, termina declarando incondicionalmente resolvido a favor da massa insolvente o ato de venda da viatura com a matrícula XN-..-.., nos termos da alínea b) do nº1 do art. 121º do CIRE, notificando ainda os destinatários de que podiam impugnar tal resolução, nos termos do art. 125º do CIRE.
- Igualmente em 15 de Fevereiro de 2021, o Administrador da Insolvência procedeu à resolução incondicional em benefício da massa insolvente, ao abrigo dos arts 120º, 121º, e 123º do CIRE, do ato de alienação da viatura, com a matrícula ..-OM-.., mediante comunicação, ao titular do registo de propriedade desde 24.8.2020, DD, e a estes, cujas cópias se mostram insertas de fls 41 a 51 dos autos, onde, além do mais, consta que, não obstante o contrato promessa de compra e venda invocado, não foi apresentado qualquer documento comprovativo do pagamento do preço aí referido € 9.000,00, pelo que tendo a propriedade do veículo sido transmitida sem o pagamento do preço, resultou em prejuízo para os credores que viram diminuídas as garantias de pagamento dos seus créditos pela massa insolvente e, termina declarando incondicionalmente resolvido a favor da massa insolvente o ato de venda da viatura com a matrícula ..-OM-.., nos termos da alínea b) do nº1 do art. 121º do CIRE, notificando ainda os destinatários de que podiam impugnar tal resolução, nos termos do art. 125º do CIRE.
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Tais resoluções não foram objecto de impugnação e os veículos em causa foram posteriormente apreendidos para a massa insolvente, tendo já sido vendidos pelo AJI, o de matrícula XN-..-.., pelo preço de € 10.902,90, e o de matrícula ..-M-.. pelo preço de € 6.250,00,
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Em 18.11.2022, foi proferido o seguinte Despacho:
“ AA, insolvente nos presentes autos, requereu a exoneração do passivo restante:
Manifestaram-se contra os credores A..., E..., S.A. e Banco 1..., S.A..
Mais resulta dos autos e de requerimento do Sr. AI que cobfroem consta do seu requerimento de 17/2/2021, procedeu-se à resolução incondicional, em beenefício da massa insolvente dos actos de compra relativo aos veículos com as matrículas XN-..-.. e ..-OM-..”, nos termos da al,b) do nº1 do artigo 121º do CIRE
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De acordo com os ensinamentos de ASSUNÇÃO CRISTAS, o propósito do despacho inicial é tão-somente “aferir da existência de condições mínimas para aceitar o requerimento contendo o pedido de exoneração. Sem a existência dessas condições mínimas, no fundo as previstas no artigo 238.º, há indeferimento liminar do pedido de exoneração. Se essas condições estiverem preenchidas e não tiver sido aprovado e homologado um plano de insolvência (art.º 237.º), então o juiz profere o despacho inicial.
Relativamente a esta questão, refere LUÍS M. MARTINS, Recuperação da Pessoas Singulares, em obra citada, em comentário ao art.º 238.º, pág. 104 , “em regra, as pessoas singulares, micro-empresas e empresários em nome individual, carecem de falta de informação contratual ao que acresce um país dado a irrealismos e enfermo de iliteracia financeira. Tudo apimentado por uma política de crédito predatório e tentacular praticada pelas instituições financeiras. Nos contratos entre as instituições financeiras e os clientes, a posição daquelas é sempre mais forte e preponderante prevalecendo sempre o seu interesse. Ao que não pode ser alheio o facto de a legislação relativa ao consumidor proteger o consumidor e não a entidade fornecedora do bem.” E acrescenta “os tribunais deviam conhecer e predispor-se a analisar a concessão de empréstimos de forma predatória e que esta postura sempre importará para os credores a assunção dos riscos da atividade que eles próprios fomentam. Nomeadamente, nos casos e que o devedor está em incumprimento há mais de seis meses com as suas obrigações e os devedores alegam tal argumento como fundamento para o indeferimento da exoneração do passivo. Argumento que cai quando, apesar da verificação do incumprimento, este continuou a merecer o apoio dos credores, através da concessão de crédito a taxas de juro elevadíssimas(...).” Não concordamos pois, com o Acórdão do Tribunal de Lisboa, de 12.12.2013 (Desembargadora Maria Manuela Gomes) quando diminui a importância do despacho inicial: “Em sede de despacho “liminar” do pedido de exoneração do passivo restante não se justifica, por isso, grande rigor probatório relativamente aos requisitos legalmente enunciados, com excepção do relativo ao prazo.”- disponível em www.dgsi.pt e ASSUNÇÃO CRISTAS, A Exoneração do Passivo Restante, em obra citada pág....

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