Acórdão nº 40/21.6T8TBU.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 12-07-2022
Judgment Date | 12 July 2022 |
Year | 2022 |
Acordao Number | 40/21.6T8TBU.C1 |
Court | Court of Appeal of Coimbra (Portugal) |
Apelação n.º 40/21.6T8TBU.C1
Juízo de Competência Genérica de Tábua
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Acordam os juízes que integram este coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]:
I-Relatório
A massa insolvente de AA (doravante a designar, em termos simplificados, por massa insolvente)
veio requerer a abertura de processo de inventário para partilha da herança aberta por óbito de BB, mãe da insolvente AA.
Após ter assegurado o contraditório, a Sra. Juiz, por despacho de ?????, cujo teor aqui se dá por reproduzido, julgou verificada a exceção dilatória da ilegitimidade ativa e, em consequência, indeferiu liminarmente o requerimento inicial apresentado.
Inconformada, a massa insolvente interpôs recurso, fazendo constar nas alegações apresentadas as conclusões que se passam a transcrever (retirados os sublinhados e acentuados a negrito):
A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou verificada a exceção dilatória de ilegitimidade ativa da Requerente Massa Insolvente, uma vez que, salvo melhor entendimento em sentido contrário, a mesma não está a aplicar corretamente a Lei em vigor.
B. Para a Recorrente Massa Insolvente foi apreendido o quinhão hereditário que cabe à insolvente, na herança deixada por óbito de sua mãe, que havia falecido em .../.../2013.
C. Veio a Recorrente, e de harmonia com o disposto nos arts. 1099º do Cód. Proc. Civil, requerer a instauração do respetivo processo de inventário, para partilha da herança aberta por óbito da inventariada.
D. O princípio aferidor do conceito de legitimidade no âmbito do inventário tem consagração no artº 1085º, nº1, al. a) do Código de Processo Civil, que estipula que têm legitimidade: “Os interessados diretos na partilha e o cônjuge meeiro ou, no caso da alínea b) do artigo 1082.º, os interessados na elaboração da relação dos bens;”.
E. O ter ou não ter interesse direto na partilha é que comanda a legitimidade para requerer ou intervir no inventário e não a qualidade de herdeiro, sendo que o conceito de interessado direto é bastante mais abrangente do que o de herdeiro.
F. Faz errada interpretação da Lei o Tribunal a quo quando considera que não assiste legitimidade ativa à Massa Insolvente para requerer a partilha da herança, porquanto não adquiriu o estatuto de herdeira, nem se tornou interessada direta.
G. O processo de insolvência é um processo de execução universal, que tem como finalidade a satisfação de todos os credores de um devedor através da liquidação do património do devedor insolvente e a repartição do respetivo produto pelos credores.
H. A massa insolvente é integrada por “todo o património do devedor à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo” – Art.46º do CIRE.
I. O quinhão hereditário tem determinada utilidade económica (em função dos bens, direitos e obrigações que compõem a herança) e é alienável (cfr. art. 2124º, C.C.) e partilhável (cfr. Art.2101º. do Código Civil).
J. O intuito da apreensão do quinhão hereditário para a Massa Insolvente é a sua liquidação e repartição do produto pelos credores do insolvente, em linha com a finalidade do próprio processo de insolvência. Esta liquidação tanto pode ocorrer por meioda venda do quinhão hereditário, como por meio da venda dos bens que vierem a preencher a sua quota, ou eventualmente, pelo recebimento de tornas.
K. Nessa medida, não pode deixar de ser reconhecido à massa insolvente um interesse direto e legitimo na partilha da herança.
L. A apreensão do quinhão hereditário, excluídos os poderes estritamente pessoais do herdeiro insolvente, transfere para a Massa Insolvente todos os seus direitos ou toda a sua posição relativamente ao bem, e entre estes está o direito de exigir a divisão nos termos do Art. 2101º do Código Civil.
M. Além disso, prescreve o artº 81º, nº 1, do CIRE, que a “declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência, e o n.º 4 estabelece que “O Administrador da Insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de caráter patrimonial que interessam à insolvência.
N. Deste normativo não resulta apenas a subtração dos poderes de disposição e administração dos bens ao Insolvente, com a consequente impossibilidade de ser Requerente do processo de inventário.
O. Resulta do espírito das normas que compõem o CIRE que a declaração de insolvência é de natureza patrimonial, que se reflete nos poderes de atuação do insolvente nesse domínio da esfera jurídica, e que os poderes de que o devedor fica privado são atribuídos ao administrador da insolvência.
P. Assim, não é de acolher a posição tomada quer pelo Tribunal a quo, no sentido de tolher ao herdeiro declarado insolvente, o direito de requerer o inventário para partilha do acervo hereditário, quer por si, quer enquanto massa insolvente, quer através do administrador de insolvência, constrangendo-o com a sua tese a permanecer na indivisão.
Q. Por conseguinte, e salvo melhor opinião em sentido contrário, verifica-se que o Tribunal a quo incorreu numa aplicação e interpretação errada da lei substantiva e da lei processual.
R. Afigura-se imperativo que à Massa Insolvente seja reconhecida legitimidade para intentar e fazer seguir processo de inventário tendo em vista a...
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