Acórdão nº 393/21.6BEBJA de Tribunal Central Administrativo Sul, 2022-06-23

Ano2022
Número Acordão393/21.6BEBJA
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
ACORDAM NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO
1.V…, Ldª” e “M…, Ldª”, com os sinais dos autos, intentaram no TAF de Beja contra a “Associação de Desenvolvimento Regional Portas do Território – APT” uma acção administrativa urgente de contencioso pré-contratual, indicando ainda como contra-interessadas “J…, Ldª”, “H…, Ldª”, “L…, Ldª”, “N…, SA”, e “O…, SA”, na qual impugnam o acto administrativo de adjudicação e relatório final, praticados no âmbito do Concurso Público para Adjudicação da Empreitada de Obras Públicas de “Valorização e Conservação do Convento de Nossa Senhora da Conceição – Museu Rainha Dona Leonor, em Beja”.
2. O TAF de Beja, por saneador-sentença proferido em 7-3-2022, julgou a acção procedente, e em consequência:
a) Anulou a decisão de exclusão da proposta das autoras;
b) Anulou a decisão de adjudicação à contra-interessada “J…, Ldª”;
c) Anulou o contrato de empreitada outorgado entre a ré e a contra-interessada “J…, Ldª”;
d) Condenou a ré a admitir, classificar e graduar a proposta das autoras ao procedimento concursal em causa.
3. Inconformada com tal decisão, a “Associação de Desenvolvimento Regional Portas do Território – APT” interpôs recurso de apelação para este TCA Sul, no qual formulou as seguintes conclusões:
1º - No procedimento objecto dos presentes autos, a proposta apresentada pelas autoras foi excluída porque a autora “V…, Ldª” não detinha habilitação suficiente para realização dos trabalhos aquando da sua apresentação.
2º - Com efeito, embora o programa de concurso apenas exigisse a apresentação de documentos de habilitação em fase posterior, o que é certo é que as autoras os juntaram com as suas propostas.
3º - Tendo designadamente juntado declaração, datada de 30 de Abril de 2021 e subscrita por J…, gerente da autora “V…, Ldª”, nos termos da qual, para a 10ª subcategoria da 1ª categoria – Edifícios e património construído, esta autora seria detentora apenas da classe 3.
4º - E junto a esta declaração seguia o alvará nº …… do IMPIC, cuja titular é esta autora “V…, Ldª”, o qual confirmava o teor da declaração, referindo expressamente, na subcategoria em causa, a classe 3.
5º - Classe que, efectivamente, apenas permite a realização de obras até ao limite de € 664.000,00.
6º - Ora, o valor global da proposta das autoras na referida subcategoria era de € 1.183.096,09, pelo que, não se propondo a realização pela outra autora de quaisquer trabalhos, aquele alvará não a cobria.
7º - Como é sabido, nos termos do disposto na alínea f) do nº 2 do artigo 70º CCP, “são excluídas as propostas cuja análise revele: (…) f) Que o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis;”.
8º - E segundo o artigo 8º do Regime Jurídico Aplicável ao Exercício da Actividade da Construção (Lei nº 41/2015), “… nos procedimentos de formação de contratos de empreitadas de obras públicas, a empresa de construção responsável pela obra deve ser detentora de habilitação contendo subcategoria em classe que cubra o valor global daquela, respeitante aos trabalhos mais expressivos da mesma, sem prejuízo da exigência de habilitação noutras classes e subcategorias relativas às restantes obras e trabalhos a executar”.
9º - Atenta a realidade dos factos e o teor destas normas legais, salvo melhor opinião, o Júri não tinha mais remédio se não propor a imediata exclusão da proposta das autoras, isto como a ré não tinha se não de sufragá-la, o que efectivamente ocorreu, determinando a ré a exclusão da proposta das autoras.
10º - Embora em momento algum ponha em causa a insuficiência do alvará da autora “V…, Ldª”, a sentença recorrida decidiu anular a referida decisão de exclusão (bem como as subsequentes adjudicação e contrato).
11º - Isto por considerar que o momento decisivo para avaliação das habilitações dos concorrentes é o da fase de habilitação e não o da apresentação das propostas.
12º - Sendo que, aquando da fase de habilitação, a autora em causa já deteria o necessário alvará.
13º - Segundo a sentença recorrida, não exigindo as peças processuais do procedimento dos autos ab initio documentos relativos às habilitações dos concorrentes, não caberia ao júri do procedimento, e à ré, entidade adjudicante, analisar tais habilitações, e excluir os concorrentes que não as cumprissem no momento da apresentação das propostas.
14º - Sucede que, salvo melhor opinião, este entendimento viola flagrantemente as normas legais transcritas.
15º - Contrariando frontalmente a jurisprudência maioritária (se não unânime), quer desse Tribunal Central Administrativo Sul, quer do Tribunal Central Administrativo Norte, quer mesmo do Supremo Tribunal Administrativo (cfr jurisprudência acima citada).
16º - Com efeito, parece ser hoje pacífico que os concorrentes devem cumprir todos os requisitos legais – entre eles os de habilitação – logo no preciso momento em que apresentam as suas propostas.
17º - E isto pois que é neste momento que se propõem a contratar, declarando os termos em que se disponibilizam a fazê-lo.
18º - Outro entendimento, como o vertido na sentença recorrida, violaria o princípio da intangibilidade das propostas.
19º - Isto independentemente de ser ou não exigida a apresentação dos documentos de habilitação com as propostas.
20º - Pois, como é por demais evidente, estamos perante uma exigência legal e não contratual.
21º - Ainda que os concorrentes não tivessem que, nas suas propostas, comprovar as suas habilitações para executar a empreitada, claro é que deviam deter tais habilitações aquando da respectiva apresentação.
22º - Não as detendo, deviam ser excluídos, como foi o caso das autoras.
23º - Ao anular a decisão de exclusão, a sentença recorrida violou os acima citados artigos 8º do Regime Jurídico Aplicável ao Exercício da Actividade da Construção (Lei nº 41/2015) e alínea f) do nº 2 do artigo 70º do CCP.
24º - Razão pela qual deve ser revogada e substituída por outra que, cumprindo estas normas legais, mantenha a decisão de exclusão, a decisão de adjudicação e o contrato entretanto outorgado com a concorrente a quem foi adjudicado o procedimento”.
4. As autoras contra-alegaram, tendo concluído nos seguintes termos:
1. Processualmente, os presentes autos não se incluem no conteúdo de qualquer uma das alíneas do nº 3 do artigo 142º do CPTA e desse modo não estamos perante um caso em que o recurso seja sempre admissível, independentemente do valor da causa.
2. Desse modo, importa aferir se estão, ou não, preenchidos os dois pressupostos cumulativos do nº 1 do artigo 142º do CPTA, a saber: “...processos de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre, quando a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal”.
3. A decisão sob recurso conheceu do mérito da causa e o processo possui valor (previamente fixado) superior à alçada do tribunal de primeira instância, contudo e salvo melhor opinião a decisão impugnada nem é sequer desfavorável à recorrente, quanto mais em valor superior a metade da alçada desse tribunal.
4. O valor da decisão impugnada é significativamente favorável à recorrente porquanto a procedência da acção, nos termos decididos, tem como consequência a classificação e graduação da proposta das recorridas no procedimento concursal.
5. As recorridas apresentaram uma proposta no valor de 1.183.096,09€, enquanto que a concorrente, contra-interessada e “J…, Ldª”, apresentou uma proposta no valor (superior) de 1.418.193,06€.
6. Independentemente de ainda assim a recorrente ter de vir a concluir a demais tramitação administrativa concursal, o certo é que da comparação entre aquelas duas propostas resulta para a mesma uma directa e potencial poupança/decréscimo de preço de 235.096,97€ (duzentos e trinta e cinco mil e noventa e seis euros e noventa e sete cêntimos).
7. Assim sendo, não só não se descortina o modo pelo qual a decisão possa ser desfavorável à recorrente, mas mais do que isso a sentença não lhe é prejudicial, sendo ao invés, favorável curiosamente em valor superior a metade da alçada desse tribunal.
8. A admissibilidade do recurso aqui em crise seria até flagrantemente contraditória com o necessário preenchimento cumulativo dos pressupostos do nº 1 do artigo 142º do CPTA.
9. A sucumbência visa descongestionar os tribunais e desencorajar as tentativas da parte vencida de prolongar a duração do processo, através da interposição de sucessivos recursos, sendo que a recorrente já vai no 2º, relativamente aos presentes autos.
10. O legislador preconizou a compatibilização entre a segurança jurídica (potenciando múltiplos graus de jurisdição) com a celeridade processual, racionalização de meios e dignificação da intervenção dos Tribunais Superiores.
11. A premência da erradicação de instrumentos potenciadores da morosidade da resposta judiciária ou o interesse em dignificar a actividade dos Tribunais Superiores convergem no sentido de fazer depender a recorribilidade da proporção do decaimento, devendo este ser superior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão impugnada, sendo certo que neste caso inexiste decaimento, antes pelo contrário, conforme já salientado.
12. Só se for difícil quantificar a sucumbência (vide última parte do nº 1 do artigo 142º do CPTA) valerá a solução “pragmática que privilegia o critério principal assente no valor do processo em que foi proferida a decisão”.
13. Efectivamente e sem prejuízo do exposto, nem sempre é possível – com facilidade – quantificar a sucumbência, mas esse não é o caso dos presentes autos, pois tal como supra referido a sentença em causa faculta uma directa e potencial poupança/decréscimo de preço de 235.096,97€ (duzentos e trinta e cinco mil e noventa e seis euros e noventa e sete cêntimos)] a pagar, i.e., uma vantagem patrimonial para a recorrente...

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