Acórdão nº 392/23.3T8MFR-A.L1-8 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2024-02-08

Data de Julgamento08 Fevereiro 2024
Ano2024
Número Acordão392/23.3T8MFR-A.L1-8
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam, no Tribunal da Relação de Lisboa:

Relatório
J.S.C., casado com L(…), residente na Praceta (…), veio intentar procedimento cautelar comum não especificado contra A.C.R.M. residente na Rua (…); P.M.C.S.M., residente na Rua(…); e contra E.S.B.C., residente na Rua (…), naquela mesma localidade, pedindo seja decretada providência cautelar de imediata cessação pelos requeridos de quaisquer condutas que dificultem o acesso ao seu prédio, quer de pessoas e veículos, quer da água da rede pública, ordenando-se também que estes procedam ao registo da servidão que onera os prédios de que são proprietários, e, ainda, que seja removido pela 1.ª requerida o portão manual que colocou no logradouro do seu prédio ou que seja por esta substituído por um automático.
Dispensado o exercício do contraditório e produzida a prova oferecida pelo requerente, foi proferida a seguinte decisão:
“(…) julgo parcialmente procedente, porque provado, o presente procedimento cautelar inominado e, consequentemente:
a) absolvo os requeridos da instância no que respeita ao pedido de condenação de inscrição no registo predial da servidão de passagem;
b) determino a imediata cessação, por parte dos requeridos, de quaisquer condutas ou omissões que dificultem ou impossibilitem o requerente de usar a servidão de passagem que beneficia o prédio de que é proprietário e melhor descrita a 4.º de fls. 24 dos autos, nomeadamente procedendo a requerida A.C.R.M. à imediata retirada do portão de madeira que colocou no seu prédio;
c) determino que os requeridos P.M.C.S.M. e E.S.B.C. reponham de imediato o tubo de condução da rede pública de abastecimento de água ao prédio do requerente e se abstenham de quaisquer condutas ou omissões que dificultem ou impossibilitem a fruição de servidão de passagem para aproveitamento de águas que beneficia o prédio em referência.
(…)
Custas a cargo do requerente – cfr. artigos 539.º, n.º 1 e 527.º, ambos do Cód. Proc. Civil.
*
Notificados da decisão, vieram os requeridos apresentar oposição, tendo pedido (na parte admitida por despacho proferido em 19 de junho de 2023) seja verificada a exceção de ilegitimidade ativa do requerente, e, para o caso de assim não se entender, seja julgada procedente por provada a oposição em ordem a serem levantadas as providências decretadas.
Convidado a pronunciar-se sobre a exceção de ilegitimidade, o requerente pugnou pela sua improcedência, a qual foi julgada improcedente, por não provada, por despacho proferido em 11 de julho de 2023.
*
Produzida a prova indicada pelos requeridos, foi proferida a seguinte decisão:
“Em face do acima exposto, julgo procedente a oposição oferecida pelos requeridos e, consequentemente, determino o levantamento das providências oportunamente decretadas nos autos, com as correspondentes consequências.
(…)
Custas a cargo do requerente – cfr. artigos 539.º, n.º 1 e 527.º, ambos do Cód. Proc. Civil.”
*
O requerente, inconformado com a decisão, dela veio apelar, concluindo nos seguintes termos:
“1. Verifica-se uma insuficiência da matéria de facto dada como provada, face aos meios de prova carreados para o processo, quer no que diz respeito à prova documental, quer do que resulta da prova produzida em audiência de julgamento.
2. Deste modo, os pontos 17 a 21, dos factos não provados descritos na Fundamentação de Facto (V), encontram-se incorretamente julgados, devendo ter sido outra a apreciação dos mesmos, bem como a orientação seguida pelo Tribunal Recorrido.
3. Assim, deveria ter sido considerada julgada como provado, seguindo a numeração da Sentença, que:
22. O acesso ao prédio do requerente é feito, exclusivamente, pelos logradouros dos prédios dos requeridos nos termos retratados a fls. 24, há mais de 20 anos e sem oposição de ninguém;
23. Foi colocado um portão na estrema do logradouro do prédio do Requerente com o dos 2.º e 3.ª requeridos, nos termos melhor retratados a fls. 4. dos autos, que se estende por toda a sua largura, impedindo o acesso por este ao mesmo;
24. O prédio do requerente não tem acesso autónomo à rede pública de fornecimento de água, fazendo-se, o referido abastecimento, através de tubo soterrado que atravessa o prédio do 2.º e 3.ª requeridos e que se inicia junto à via pública identificada na fotografia de fls. 4, designada por Rua Principal;
25. No dia 13.03.2023 o 2.º requerido arrancou o tubo referido em 10., estando desde então o prédio do requerente sem fornecimento de água;
26. Desde 21.03.2023 o requerente não consegue aceder ao seu prédio através dos logradouros identificados em 17., em consequência direta e exclusiva da colocação, pela 1.ª requerida, da rede melhor identificada nas fotografias de fls. 30 dos autos.
4. Deveria, ainda, ter sido considerada julgada como provada, a seguinte factualidade constante dos autos, ampliando-se a matéria de facto apurada com bom interessa para a causa:
10. Que as frações A e B, que compõem a totalidade do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o número (…), propriedade dos Requeridos, bem como o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Mafra sob o número (…) já pertenceram, no passado, a um mesmo proprietário, a saber a Sra. A.C. D. R., NIF (…), cfr. se poderá verificar no histórico predial dos dois imóveis;
11. Que, já anteriormente à propriedade da Sra. A.C.D.R., existia uma relação estável de serventia de um prédio ao outro, in casu, entre o prédio dos Requeridos e o do Requerente, correspondente a uma servidão aparente revelada por sinais visíveis e permanentes, pese embora, entretanto, tenha ocorrido a separação jurídica entre o prédio serviente (e respetivas frações autónomas) em relação ao prédio dominante, inexistindo qualquer declaração contrária à destinação;
12. Que é por demais evidente que sobre as frações autónomas do prédio urbano número (…), propriedade dos Requeridos, incide uma servidão de passagem existente no espaço comum aos prédios e respetivos logradouros, a qual foi validamente constituída por destinação do pai de família nos termos do artigo 1549.º do Código Civil, conforme supra demonstrado pelo preenchimento de todos os requisitos legais para a sua constituição;
13. Que em meados do ano de 2022, quando o Requerente iniciou um processo de remodelação do imóvel e correspondente licenciamento para alteração da afetação, com vista à sua residência, a conduta dos Requeridos alterou-se substancialmente;
14. Consta na Caderneta Predial Urbana do imóvel propriedade do Requerente a sua afetação para habitação;
15. Que, ainda que o imóvel estivesse a ser utilizado para a finalidade para o qual estava licenciado (vacaria e casa de ordenha), tal significaria que o Requerente ficaria sem água para alimento dos animais, e sem possibilidade de exercer a atividade industrial diária por não ter o acesso para as viaturas.
16. O imóvel propriedade do Requerente já se encontra remodelado e com licenciamento em curso para habitação;
17. Que o tubo de água já atravessa o prédio serviente há mais de trinta anos, e cuja passagem pelo referido prédio se encontra legitimada pela referida servidão de passagem validamente constituída por destinação do pai de família nos termos do já indicado artigo 1549.º do Código Civil.
18. Que os requerentes peticionaram ao tribunal a quo que fosse decretada providência cautelar de imediata cessação pelos requeridos de quaisquer condutas que dificultassem o acesso ao seu prédio, quer de pessoas e veículos, quer da água de rede pública (entre outros), tendo sido proferida em 18.04.2023 sentença favorável aos requerentes, a qual nunca foi cumprida pelos requeridos.
5. Em sentido oposto, deveria ter sido considerado julgado como não provado, que:
2. O prédio identificado em 1. com outro, proveniente da divisão predial referida em 8., que por sua vez tem acesso direto à via pública e no qual não se encontra edificada qualquer construção para habitação, não sendo para este efeito utilizado;
6. Concomitantemente, deverá ser alterada a redação constante dos pontos 16 e 17 da douta Sentença Recorrida, nos seguintes moldes:
16. No prédio em apreço, o requerente reconverteu o imóvel aí existente para uma moradia para habitar.
17. No dia 13.03.2023, o 2.º requerido retirou um tubo que fornecia água ao prédio do requerente e desde então o imóvel encontra-se sem fornecimento de água.;
7. Assim, deveria ter sido o seguinte acervo factual dado como provado, na sua totalidade, assim constando da douta sentença recorrida:
26. Encontra-se descrito sob o n.º (…) da Conservatória do Registo Predial de Mafra, (…), o prédio urbano sito na Rua (…), Montemuro, com área de total de 170,80 m2, inscrito na respetiva matriz predial sob o artigo (…), constituído por casa de um piso destinado a vacaria e casa de ordenha;
27. Pela Ap. 738 de 2020/08/19, encontra-se inscrita na descrição referida em 1. a aquisição a favor do requerente, por compra à 1.ª requerida;
28. Encontra-se descrito sob o n.º (…) da Conservatória do Registo Predial de Mafra, freguesia de (…), o prédio urbano composto por rés do chão, primeiro andar no lado poente e logradouro;
29. Pela Ap. 3665 de 2019/07/28, encontra-se inscrita na descrição referida em 3. a aquisição a favor da 1.ª requerida, por compra a A.C.D.R. e outra;
30. Encontra-se descrito sob o n.º (…) da Conservatória do Registo Predial de Mafra, freguesia de (…), o prédio urbano composto por rés do chão, primeiro andar no lado nascente e logradouro;
31. Pela Ap. 1703 de 2020/04/30, encontra-se inscrita na descrição referida em 5. a aquisição a favor dos 2.º e 3.ª requerida, por compra a C. M. R.C.;
32. O prédio descrito em 1. confina com os prédios descritos em 3. e 5. nos termos consignados na fotografia de fls. 24;
33. Os prédios em apreço provieram da divisão de mesma unidade predial;
34. Que as frações A e B, que compõem a totalidade do prédio descrito na
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