Acórdão nº 392/21.8T8GDM-A.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 27-01-2022

Data de Julgamento27 Janeiro 2022
Ano2022
Número Acordão392/21.8T8GDM-A.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. n.º 392/21.8 T8GDM-A.P1

(Recurso)

Acordam, em audiência de julgamento, na 3ª Secção (2ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto:

I – RELATÓRIO

AA, BB, CC e DD, mãe e tias paternas do menor EE, nascido a .../.../2015, inconformadas com o despacho proferido pelo Tribunal Judicial da Comarca ... - Juiz 4, em 2 de Novembro de 2021, que indeferiu o pedido de promoção e protecção por si formulado com fundamento em incompetência em razão do território, vieram interpor o presente recurso de Apelação para este Tribunal e, em sede de alegações, formularam as seguintes conclusões:

“1. Vem o presente recurso interposto do despacho, proferido em 2 de Novembro de 2021, que indeferiu o requerido pela progenitora/apelante no seu requerimento apresentado em 25 de Outubro de 2021, fundamentando o assim decidido na afirmação de que a partir do dia 9/8/2021 a criança foi residir para Espanha, com a anuência da progenitora, e que, por isso, no âmbito deste processo competia apenas comunicar a informação trazida pela progenitora à Autoridade Central, tendo em vista que a entidade competente em Espanha apure o alegado perigo e tome as medidas necessárias para a sua protecção, como resulta do Regulamento (CE) n. 2201/2003 do Conselho, de 27/11, artºs 1º, 2º e 8º, já que, não fora a alegada situação de perigo, este tribunal já se havia declarado incompetente, em razão do território, decisão essa da qual as recorrentes discordam em absoluto, por entenderem que a mesma partiu de um pressuposto errado e indemonstrado, quanto ao local da residência da criança, e fez incorrecta interpretação e aplicação de todo o quadro legislativo, interno e comunitário, que conforma a situação concreta sub judice.
2. Pelos motivos explanados na alegação, o Tribunal não dispunha de elementos probatórios susceptíveis de permitir que desse como assente que a partir de 9 de Agosto de 2021 a criança foi residir para Espanha, sendo por isso desde logo inexacto e indemonstrado o pressuposto em que assentou a sua decisão.
3. Por outro lado, seja para efeito de determinação da competência internacional dos tribunais portugueses, seja para a determinação da competência interna ou territorial, o critério, consagrado tanto no artigo 8.º, n.º 1, do Regulamento (CE) n.º 2201/2003, de 27 de Novembro de 2003, como no artigo 79.º, n.º 1, da Lei de Promoção e Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, será sempre o da residência habitual da criança no momento em que o processo é instaurado, entendendo-se como tal o país e o local onde essa criança estava então integrada e radicada, com cariz de estabilidade e no qual se encontrava organizada a sua vida.
4. Resulta suficientemente indiciado nos autos, quer através das declarações prestadas, quer da prova documental a eles junta, que o EE nasceu a .../.../2015, tendo actualmente 6 anos de idade; que é português de nacionalidade, assim como os seus pais; que, pelo menos, até Setembro de 2021, residiu sempre, ininterruptamente, em Portugal, desde os 4 meses de idade com as tias paternas, residentes em ..., tendo sido estas quem, efectivamente, dele cuidaram e o acompanharam em todas as vertentes da sua vida; que tanto a mãe como as referidas tias paternas continuam a residir em Portugal; que sempre estudou neste país – onde também lhe eram prestados, entre o mais, os necessários cuidados de saúde -, estando inclusivamente matriculado, no corrente ano lectivo de 2021/2022, para frequentar uma escola portuguesa, na Escola Básica ..., com uma das referidas tias como sua encarregada de educação, escola essa que, inclusivamente, o sinalizou também, em 22 de Setembro de 2021, à CPCJ, por absentismo escolar.
5. Por conseguinte, dúvidas não se podem suscitar que, antes de ser deslocalizada pelo progenitor – seja em Setembro de 2021, seja em Agosto desse ano, nos termos que vêm afirmados no despacho sub judice -, esta criança viveu sempre em Portugal e em ..., onde estava radicada e integrada, quer em termos familiares, quer ao nível escolar, social e cultural, e onde tinha assim instalado o seu centro de vida e organizado o seu quotidiano e o seu dia-a-dia de forma estável e com cariz de permanência, tendo ali os seus laços familiares mais próximos e profundos e sendo, pois, a este país e àquela cidade que tem uma ligação forte, estreita, estável e efectiva, e não a Espanha, onde nunca antes viveu e a que não tem ligação alguma.
6. Dos elementos existentes nos autos forçoso é, pois, que se conclua que, quando este processo judicial foi instaurado, o EE tinha a sua residência habitual em Portugal, nomeadamente em ..., sendo por isso o Estado Português o de maior proximidade relativamente ao ambiente familiar, social e cultural da criança e, nessa medida, aquele que melhores condições reúne para apreciar o contexto socio/familiar onde o menino está inserido e para conhecer dos factos que fundamentam a aplicação de uma medida de promoção e protecção – v.g., ouvindo testemunhas que conhecem a criança e a sua realidade, realizando inquéritos sociais, colhendo informações de diversas fontes (como a escola), etc..
7. Por conseguinte, o Estado Português é, nos termos do artigo 8.º, n.º 1, do Regulamento (CE) 2201/2003, de 27 de Novembro, o Estado-Membro internacionalmente competente para aplicar as medidas necessárias a afastar o perigo em que o EE se encontra e que fundamentou a propositura do presente processo de promoção e protecção, sendo territorialmente competente para tanto o Juízo de Família e Menores ..., por corresponder ao da área de residência habitual da criança no momento em que esse processo foi instaurado, em conformidade com o estabelecido no artigo 79.º, n.º 1, da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo.
8. Todavia, ainda que assim não fosse – no que não se concede – e mesmo que, por hipótese que não se aceita, se considere que, quando foi instaurado o processo judicial de promoção e protecção, o EE tinha a sua residência habitual em Espanha, tal não afasta a competência internacional do Estado Português, pois essa competência sempre poderá, e deverá, então ser reclamada pela aplicação do artigo 15.º do referido Regulamento Comunitário, visto que os tribunais portugueses serão sempre os que se encontram melhor colocados para recolher, com a urgência e a celeridade que a situação relatada demanda, as informações e elementos necessários a aplicar a esta criança a medida de promoção e protecção adequada à defesa do seu superior interesse, designadamente ouvindo testemunhas e
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