Acórdão nº 3907/23.3T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2024-04-11

Data de Julgamento11 Abril 2024
Ano2024
Número Acordão3907/23.3T8BRG.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. RELATÓRIO

A) EMP01... - Construção, Compra e Venda de Propriedades, Lda, veio intentar ação declarativa com processo comum de condenação contra a Câmara Municipal ..., certamente pretendendo referir-se ao Município ..., onde conclui entendendo que a presente ação deverá ser julgada procedente, por provada e, em consequência:

(I) Ser declarada a resolução do Contrato, em virtude do incumprimento definitivo da ré e da impossibilidade de verificação da condição resolutiva a que o Contrato estava sujeito, com as respetivas consequências legais, designadamente com a restituição do Terreno à autora, o que deverá ser decretado em sede de Despacho Saneador, nos termos do disposto no artigo 595º, nº 1, alínea b) do CPC, atenta a desnecessidade de produção de prova adicional;
(II) Subsidiariamente, deverá ser declarada a resolução do Contrato em virtude da alteração anormal das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar;
(III) Em qualquer caso, e em consequência da resolução operada, deve ser declarado o cancelamento do registo da parcela cedida a favor da ré e ser esta condenada na entrega do Terreno à autora;
(IV) E, também em qualquer caso, deve a ré ser condenada no pagamento de, pelo menos, €473.400,00, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pela autora, deduzido do valor que deverá restituir à ré a título de taxas urbanísticas e da execução de infraestruturas (cfr. artigo 273º supra).
(V) Caso por algum motivo não equacionável pela autora, mas que por extrema cautela de patrocínio se equaciona, não seja possível a restituição do Terreno, deve, subsidiariamente ao pedido de condenação na sua entrega e de cancelamento do registo de aquisição a favor da ré (identificado em (III)), ser a autora indemnizada pelos danos emergentes e lucros cessantes que, de forma ilícita e culposa, lhe foram causados pela ré, no montante global de €1.805.025,00 (cfr. artigo 275º supra).
Para tanto alega, em síntese, a autora, que se dedica à construção e à compra e venda de imóveis e, em 1986 cedeu uma parcela de terreno com 1.500m2 à ré, para a construção de uma escola pré-primária, como contrapartida da isenção de pagamento de taxas urbanísticas e da execução de infraestruturas, relativas a um loteamento cujo deferimento ficaria, igualmente, condicionado à identificada cedência.
Sucede, porém, que não obstante a condição estipulada pelas partes no contrato, a ré nunca logrou construir a referida escola pré-primária, tendo a autora apresentado, em 14.9.2021, um requerimento de licenciamento com obras de urbanização para a parcela cedida, iniciando, assim, um processo para aprovação de um novo projeto de loteamento com vista à construção de moradias unifamiliares na parcela de terreno que a autora lhe cedeu, tornando o comportamento da ré evidente que a escola pré-primária nunca será construída e, consequentemente, inviabilizou o cumprimento da obrigação a que a esta se vinculou, motivo pelo qual a autora não pode aceitar manter o contrato celebrado, e vem, através da presente ação, declarar a respetiva resolução, que é legalmente fundamentada e encontra como causa o incumprimento definitivo das obrigações assumidas pela ré, devendo esta indemnizar a autora dos prejuízos sofridos, que indica.
*
Pelo réu Município ... foi apresentada contestação onde conclui entendendo que deve ser julgada procedente a alegada exceção de incompetência material, o que conduz à absolvição da instância do ora réu (ponto A da matéria de exceção da presente contestação).
Deve ainda ser julgada procedente a alegada exceção de caducidade do direito de reversão da autora, o que conduz à absolvição da instância (ponto B da matéria de exceção da presente contestação).
Caso assim não se entenda, deve ainda ser julgada procedente a alegada exceção de prescrição do direito de reversão da autora (ponto C da matéria de exceção).
Caso ainda assim não se entenda, o que por mera cautela se coloca, deve ainda ser julgada procedente a alegada exceção de caducidade do direito de ação da autora, o que conduz à absolvição da instância (ponto D da matéria de exceção).
Caso ainda assim não se entenda, o que por mera cautela se coloca, deve ainda ser julgada procedente a alegada exceção de prescrição do direito da autora, o que conduz à absolvição da instância (ponto E da matéria de exceção).
Caso se entenda julgar improcedentes todas as alegadas exceções, o que por mera hipótese se coloca, deve a presente ação ser julgada totalmente improcedente, com as legais consequências.
Caso se entenda ser de conceder provimento à ação da autora, o que por mera hipótese e cautela de patrocínio se coloca, deve ainda o pedido reconvencional do réu deduzido na presente ação ser julgado procedente, e por via dele, ser a autora condenada a pagar ao réu as quantias que este despendeu nas obras de urbanização, os valores das taxas de urbanização que suportou e ainda dos valores correspondentes ao lucro que a autora obteve com a venda dos lotes.
Para tanto alega o réu, em síntese, no que aqui respeita ao objeto do recurso, que:
- No dia 13 de novembro de 1986, perante a Exma. Notária Privativa do Município, compareceram como outorgantes a Exma. Presidente da Câmara Municipal ..., representante do ora réu, e os Exmos. Senhores AA e mulher BB, representantes da autora, para celebração de escritura de cedência de terreno para concessão de alvará de loteamento, em cumprimento da deliberação da Câmara Municipal de 7 de agosto de 1986.
Nesta escritura, os Senhores AA e mulher BB declararam, em representação da autora “… que o referido terreno, foi loteado na sua totalidade e o respetivo estudo de loteamento aprovado por deliberação da Câmara Municipal de sete de agosto do ano em curso, condicionado à cedência gratuita de mil e quinhentos metros quadrados de terreno, para construção da escola pré-primária prevista no Plano de Pormenor da Zona Norte.
Assim os segundos outorgantes cedem à Câmara Municipal, representada pelo primeiro outorgante, a título gratuito e nos termos da deliberação atrás citada, mil e quinhentos metros quadrados de terreno a destacar do prédio já citado” e, em contrapartida, a Presidente da Câmara Municipal ..., representante à data do ora réu, disse “serem verídicas as afirmações prestadas pelos segundos outorgantes e aceitar a cedência da referida parcela, cujo valor, nos termos da deliberação da Câmara Municipal de sete de Agosto do ano em curso é de quatro milhões oitenta mil cento e dezoito escudos. Disse ainda o primeiro outorgante que em face da presente cedência será emitido o alvará de loteamento número vinte e nove barra oitenta e seis, datado de hoje, do qual faz parte a parcela de terreno objeto da presente cedência e ficarão os segundos outorgantes, nos termos da deliberação atrás citada, isentos do pagamento da taxa de urbanização, cabendo à Câmara Municipal a realização das infraestruturas”.
Nessa sequência, no mesmo dia, a Exma. Presidente da Câmara Municipal ... emitiu o Alvará de Loteamento nº 29/86 a favor da autora e conforme consta do mesmo, a Câmara Municipal ... autorizou a constituição de 5 (cinco) lotes de terreno e, em contrapartida, a autora cedeu ao ora réu a área de 1.661 m2 para passeios e arruamentos; a área de 1.500m2 de terreno para construção da escola pré-primária, conforme escritura de cedência lavrada a folhas 16V e seguintes do livro de notas n.º ...4 da Notária Privativa da Câmara.
A 23 de abril de 1993, o réu doou duas parcelas de terreno, incluindo a parcela em causa, ao Estado para construção de Escola Pré-primária e a 2 de novembro de 1993, pela Assembleia Municipal ... foi aprovado o Plano Diretor Municipal ..., o qual foi ratificado por Resolução do Conselho de Ministros nº 31/94, publicado no Diário da República, 1ª Série, nº 111, a 13 de maio de 1994, Plano Diretor Municipal esse que passou a classificar a zona da parcela cedida, aqui em causa, como zona residencial, nomeadamente, como zona de “Espaços Urbanos e Urbanizáveis” “Aglomerado de 1ª Ordem”, não prevendo a edificação ou localização de quaisquer equipamentos públicos, designadamente, uma escola.
No dia 20 de julho de 2005, foi celebrada escritura de retificação do contrato de doação celebrada entre o réu e o Estado, no sentido de introduzir na escritura a seguinte cláusula de reversão: “Caso o donatário destine as parcelas de terreno objeto da presente escritura a fim diverso daquele consignado neste contrato, ou caso haja desinteresse na efetiva construção da mesma escola, desde que tal seja formalmente comunicado pelo segundo ao primeiro outorgante, resolver-se-á o presente contrato, revertendo, de imediato e sem direito a qualquer indemnização, a propriedade dos prédios para o primeiro outorgante”
Em data que não é possível precisar, o Estado demonstrou desinteresse na efetiva construção da Escola pré-primária, tendo devolvido os terrenos doados ao réu, onde se incluía a parcela em causa nos presentes autos.
Por outro lado, o réu veio invocar a exceção de incompetência em razão da matéria, referindo que se discute nos presentes autos a interpretação, validade, execução e qualificação jurídica do contrato de cedência de terreno celebrado entre a autora, entidade privada, e o réu, pessoa coletiva de direito público e a existência ou não de um direito indemnizatório na esfera jurídica da autora, por força da existência do referido contrato, que foi celebrado para concessão de alvará de loteamento à autora.
Refere consagrar a Constituição da República Portuguesa, no seu artigo 212º nº 3 que "Compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais".
Por sua vez, estatui o artigo 1º do Estatuto dos Tribunais...

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