Acórdão nº 3877/21.2T8LRS.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 14-09-2023

Data de Julgamento14 Setembro 2023
Ano2023
Número Acordão3877/21.2T8LRS.L1-2
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
ACORDAM os JUÍZES DESEMBARGADORES da 2ª SECÇÃO da RELAÇÃO de LISBOA o seguinte [1]:

I – RELATÓRIO
1O…………, LDA., com sede na Rua ……………….., intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra:
- CAIXA ……….., S.A., com sede na Rua ……………..,
deduzindo o seguinte petitório:
ser a Ré condenada a pagar à Autora a quantia de 91.969,50 € (noventa e um mil euros, novecentos e sessenta e nove euros e cinquenta cêntimos), respeitantes a rendas vencidas e vincendas, até ao final da vigência dos contratos, pois que a duração e denúncia foram livremente estipuladas pelas partes nos termos do artigo 1110.º do Código Civil;
Quando assim não se entenda,
deverá então ser considerado que o prazo de denúncia dos contratos de arrendamento a respeitar e cumprir por parte da ré, é de um ano, e não 120 dias, devendo por isso ser condenada a pagar a diferença em falta para cada um dos contratos no valor de 37.102,50 € (Trinta e sete mil, cento e dois euros e cinquenta cêntimos), tudo acrescidos de juros legais, custas e demais despesas”.
Para tanto, alegou, em resumo, o seguinte:
- celebrou com o F………….. dois contratos de arrendamento não habitacional, com prazo certo de 15 anos ;
- um em 07-02-2007, referente a uma loja sita em BBB..., e outro em 22-01-2008, referente a uma loja em MMM... ;
- em 01 de Abril de 2011 a marca F……….. extinguiu-se, tendo sido totalmente integrada no M…………….. ;
- através de cartas de 15 de Maio de 2020 a Ré denunciou os referidos contratos de arrendamento, invocando o disposto nas als. a) do n.º 3 do art. 1098.º e o n.º 1 do art. 1110.º, ambos do CC ;
- a tais denúncias respondeu-lhe mediante o envio das missivas de 29-05- 2020 onde explanou o seu entendimento quanto à abrangência das rendas como sendo devidas até ao termino do contrato.
2 – Devidamente citada, veio a Ré apresentar contestação, alegando, em súmula, o seguinte:
- excepciona a incompetência territorial do Tribunal ;
- impugna o efeito jurídico extraído pela Autora do prazo de pré-aviso na denúncia do contrato ;
- ainda que assim não se entendesse, a pretensão da Autora relativamente ao pagamento das rendas vencidas e vincendas, referentes aos contratos de arrendamento denunciados, nunca poderia proceder, face ao instituto do abuso de direito.
Conclui, no sentido de procedência da excepção de incompetência relativa, com a sua consequente absolvição da instância, ou, caso assim não se entenda, deverá a acção ser julgada improcedente, por não provada, com a sua consequente absolvição do pedido.
3 – Tendo-se a Autora pronunciado acerca da excepção deduzida, por despacho de 18-02-2022 o Juízo Central Cível de Loures – Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, veio a declarar-se incompetente, ordenando a remessa dos autos ao Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste.
4 – Conforme despacho datado de 16/06/2022, foram as partes notificadas para se pronunciarem sobre a possibilidade do Tribunal conhecer do mérito da acção em sede de despacho saneador, alegando o que tivessem por conveniente acerca de tal questão.
Em resposta, vieram ambas manifestar expressa concordância quanto a tal conhecimento – cf., fls. 49 e 50.
5 – A fls. 52 a 57:
- dispensou-se a realização de audiência prévia ;
- foi proferido saneador stricto sensu ;
- conheceu-se acerca do mérito da causa, proferindo-se saneador sentença, constando da DECISÃO o seguinte:
Face ao exposto, julgo a presente acção improcedente, por não provada, e, em consequência absolvo a Ré Caixa ………………. S.A. do pedido contra ela formulado pela Autora O……………… Lda.
Custas pela Autora
Notifique e registe”.
6 – Inconformada com o decidido, a Autora interpôs recurso de apelação, em 21/02/2023, por referência ao saneador sentença prolatado.
Apresentou, em conformidade, a Recorrente as seguintes CONCLUSÕES (existem dois pontos identificados como VII):
“I
Autora e Ré estipularam na cláusula segunda de cada um dos contratos de arrendamento, que a denúncia dos aludidos contratos, só poderia ser efetuada no fim do prazo da sua vigência, ou numa das suas renovações.
II
Autora e Ré, não estipularam por isso, a possibilidade de a denúncia dos arrendamentos, poder ser feita durante o prazo de vigência inicial do contrato.
III
Não é nenhuma violência impor-se a uma das partes o cumprimento do contrato de arrendamento por 15 anos, se esta não quis manifestar outra vontade.
IV
O Tribunal a quo interpretou e decidiu erradamente a tutela para o prazo de denúncia dos contratos de arrendamento sob sua apreciação.
V
Com efeito, tendo as partes fixado taxativamente que o prazo para denunciar os contratos de arrendamento para fins não habitacionais só poderia ocorrer no fim do prazo inicial de 15 anos, e/ou nas renovações subsequentes, não se poderia aceitar que a tutela a aplicar para a denúncia destes contratos fosse a do artigo 1098.º do Código Civil.
VI
O Tribunal a quo deveria decidir que as partes fixaram livremente a possibilidade de denunciar os contratos de arrendamento apenas após o término da vigência inicial do contrato, nos termos e ao abrigo do artigo 1110.º n.º 1, parte inicial.
VII
E concomitantemente, seria obrigação da Ré, cumprir com o pagamento das rendas, até ao final de cada um dos contratos.
VII
E mesmo que se o entendimento do direito a aplicar in casu, fosse aquele que não acolhesse o referido em VII, o prazo de denuncia nunca poderia ser de 120 dias, nos termos do artigo 1098.º do Código Civil, mas sim o prazo de um ano por força do n.º 2 do artigo 1110º do Código Civil”.
Conclui, no sentido de “ser revogada a decisão do Tribunal de primeira instância, que determinou a absolvição da Ré do pedido contra ela formulado, e ser proferida em sua substituição, decisão que condene a Ré a pagar à Autora as rendas vencidas até ao final da vigência dos contratos, no valor de 91.969,50 € (noventa e um mil euros, novecentos e sessenta e nove euros e cinquenta cêntimos), acrescido da penalização legal pela moratória.
Quando assim não se entenda, deverá então ser considerado que o prazo de denúncia dos contratos de arrendamento a respeitar e cumprir por parte da Ré, deveria ser de um ano, e não 120 dias, devendo por isso ser condenada a pagar a diferença em falta para cada um dos contratos no valor total de 37.102,50 € (Trinta e sete mil, cento e dois euros, e cinquenta cêntimos), tudo acrescidos de juros legais, custas e demais despesas, seguindo-se os demais termos até final.
Pois só assim se fará a Costuma Justiça”.
7 – A Recorrida apresentou contra-alegações, nas quais formulou as seguintes CONCLUSÕES (ignoram-se as notas de rodapé):
“1.ª Recorrente e recorrida estabeleceram nos contratos de arrendamento em apreço:
(i) a respectiva duração, pelo prazo certo inicial, de 15 anos (cf. cláusula 2ª, n.º 1);
(ii) a respectiva renovação automática no fim do prazo convencionado por períodos sucessivos de um ano e as regras de denúncia durante qualquer uma das cinco primeiras renovações anuais, (cf. cláusula 2ª, n.º 2);
(iii) as respectivas regras de denúncia após o decurso das cinco primeiras renovações anuais (cf. cláusula 2ª, n.º 3).
2.ª Não se pode dizer que (sic) “(...) as partes tenham fixado taxativamente que o prazo para denunciar os contratos de arrendamento para fins não habitacionais só poderia ocorrer no fim do prazo inicial de 15 anos (...)” ou que “(...) é assim inequívoco e por demais cristalino que a denúncia só poderia ocorrer por parte da arrendatária, passados quinze anos de vigência dos contratos, e não antes (...)”, porquanto o clausulado contratual não contém qualquer evidência, nem é expresso – e teria que sê-lo – quanto ao sentido sustentado pela recorrente;
3.ª O Código Civil, relativamente à interpretação e integração da declaração negocial, faz apelo franco a critérios de carácter objetivo, como são os que constam do n.º 1, do Art.º 236.º e do n.º 1, do Art.º 238.
4.ª Assim, as partes, só poderiam razoavelmente contar com a impossibilidade de denúncia durante o prazo inicial, se o contrato a proibisse expressamente, o que não é o caso. Não se pode, pois, extrair do clausulado dos contratos em apreço, interpretação contrária;
5.ª Se atentarmos que a existência de um prazo alongado (15 anos) de duração do contrato é estabelecida no interesse presumível do inquilino, visto tendencialmente com parte mais débil na relação contratual do arrendamento, a interpretação que melhor se adequa ao caso concreto, é a de que as partes não afastaram toda e qualquer possibilidade de a recorrida se poder desvincular dos contratos em apreço, denunciando-os, anteriormente ao decurso dos respectivos prazos de 15 anos, por ser a interpretação que conduz ao maior equilíbrio das prestações, constituindo inequivocamente uma violência impor ao arrendatário a manutenção do arrendamento durante um prazo de duração tão alongado contra a sua vontade e interesse;
6.ª Este sentido, é o que melhor e mais razoavelmente se adequa ao sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, pode deduzir do comportamento dos declarantes ante a declaração negocial expressa nos contratos em apreço, tal como se dispõe no Art.º 236º do Código Civil;
7.ª Face à ausência de estipulação expressa das partes de regras relativas à denúncia do contrato durante o prazo certo de 15 anos de duração que se iniciou em 01 de Fevereiro de 2007, referente a uma loja sita em BBB... e em 01 de Janeiro de 2008, este referente a uma loja sita em MMM..., é aplicável à respectiva denúncia efetuada pela recorrida Caixa ………………. (como sucessora da primitiva arrendatária F………………, S.A.), o disposto no n.º 3, do Art.º 1.098º do Código Civil, por remissão do n.º 1, do Art.º 1.110º também do Código Civil;
8.ª Mercê da remissão expressa operada por aquela norma e uma vez que se encontra decorrido um terço (5 anos) do prazo de duração inicial dos referidos
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