Acórdão nº 3867/19.5T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-06-28

Ano2023
Número Acordão3867/19.5T8FAR.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Processo n.º 3867/19.5T8FAR.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Central de Competência Cível de Faro – J2
*
Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório:
Na presente acção declarativa com processo comum proposta por (…) contra “(…) Seguros, SA” e (…), a seguradora e a herdeira habilitada da primitiva segunda Ré vieram interpor recurso da sentença proferida.
*
Após convite ao aperfeiçoamento, o Autor pediu que as Rés fossem condenadas a pagarem-lhe:
A) € 16.252,66, a título de danos patrimoniais por perdas salariais, a que serão deduzidos os montantes recebidos pelo Autor da segurança social a título de subsídio de desemprego ou outro no período compreendido entre 03/10/2016 e 16/07/2019 (artigos 41º a 42º da petição inicial);
B) € 96.812,00, a título de danos patrimoniais pela incapacidade permanente parcial de 33% (artigos 43º a 45º da petição inicial);
C) € 32.500,00, a título de danos não patrimoniais (artigos 48º a 77º da petição inicial);
D) Tudo no montante global de € 145.564,00, a que acrescem juros de mora à taxa legal desde a citação até integral e efectivo pagamento;
E) Relegar para liquidação em execução de sentença o peticionado no artigo 46º da petição inicial quanto à necessidade de realização de fisioterapia para o resto da vida, número de sessões anuais e respectivo custo.
*
Em benefício da sua pretensão, o Autor invocou que foi vítima de um acidente de viação enquanto conduzia um motociclo, ao ser surpreendido por um canídeo pertencente à 2ª Ré na via pública, que provocou um despiste e, nessa sequência, sofreu danos patrimoniais e morais.
A responsabilidade civil foi transferida para a 1ª Ré.
*
Devidamente citada, a Ré “(…) Seguros, SA” apresentou contestação, em que aceitou a responsabilidade do canídeo por si seguro na produção do acidente em causa, mas impugnou os danos invocados e o montante do pedido.
*
A Ré (…) também contestou, invocando a sua ilegitimidade passiva por ter celebrado seguro de responsabilidade civil relativo ao seu canídeo que fugiu para a via pública e impugnando os danos invocados e o montante do pedido.
*
Por óbito da Ré (…), foi habilitada nos autos (…), em sua representação.
*
Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a excepção dilatória da ilegitimidade passiva, identificou o objecto do litígio e indicou os temas da prova.
*
Realizada a audiência final, o Tribunal a quo decidiu condenar, solidariamente, as Rés “(…) Seguros, SA” e (…), esta última representada por (…) atento o seu óbito, a pagarem ao Autor (…) a quantia de total de € 145.564,00, já lhe tendo sido adiantada a quantia de € 7.200,00, pelo que deverão entregar-lhe a quanta de € 138.364,00, a título de danos não patrimoniais (incluindo o dano biológico), acrescida de juros de mora desde o dia seguinte à data da prolação da douta sentença até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para os juros civis.
*
A Ré seguradora não se conformou com a referida decisão e o articulado de recurso continha as seguintes conclusões:
«Nulidade da sentença
1. O valor do pedido líquido é de € 129.312,00 (€ 96.812,00 + € 32.500,00).
2. O pedido a título de perdas salariais não é líquido, pois o A. pediu a condenação das rés na diferença entre € 16.252,66 e os valores que recebera da Segurança Social a título de subsídio de desemprego ou outro entre 3.10.2016 e 16.7.2019, os quais não quantificou, nem foram apurados nos autos.
3. Ao ter considerado como valor total do pedido e limite à condenação a quantia de € 145.564,00 (que inclui os referidos € 16.252,66, não peticionados pelo A.), o tribunal a quo violou os limites da condenação previstos no artigo 609.º/1, do CPC.
4. Ascendendo o valor do pedido líquido a € 129.312,00 e o valor da condenação (antes de descontada a antecipada quantia de € 7.200,00) a € 145.564,00, a sentença recorrida é nula, nos termos do artigo 615.º/1, e), do CPC.
• Medida da compensação dos danos não patrimoniais
5. A fixada medida da compensação dos danos não patrimoniais, no valor de € 145.564,00 (ou, após descontada a adiantada quantia de € 7.200,00, de € 138.364,00) peca, manifestamente, por excesso, à luz dos valores compensatórios que têm vindo a ser arbitrados pelas instâncias superiores noutros casos idênticos ou mais graves do que o do A..
6. Na definição da medida de compensação dos danos não patrimoniais do A., o tribunal a quo não teve em consideração o disposto no artigo 8.º/3, do CC, que é uma decorrência do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP, que impede que sinistrados em situação idêntica sejam compensados distintamente pelos tribunais, sem prejuízo, naturalmente, da ponderação das especificidades dos casos concretos.
7. Uma análise da jurisprudência produzida pelas instâncias superiores em matéria de compensação de danos não patrimoniais permite extrair as seguintes ilações: a) os valores superiores a € 150.000,00 têm sido reservados para situações de incapacidade permanente entre os 90 e os 100 pontos; b) os valores entre os € 100.000,00 e os € 150.000,00 têm sido concedidos em situações de incapacidade permanente de 50 ou mais pontos, ou de lesados muito jovens, envolvendo amputação ou disfuncionalidade grave de membros, elevados graus de dependência de terceira pessoa ou sequelas incompatíveis com o exercício de qualquer actividade profissional ou, pelo menos, da profissão habitual; c) para situações como a dos autos (em que se destaca, entre os danos temporários, 5 fracturas, 4 cirurgias, défices funcionais temporários total e parcial de 100 dias e 918 dias, respectivamente, uma repercussão na actividade profissional total de 1018 dias e um quantum doloris de grau 5/7 e, entre os danos permanentes, um dano biológico de 27 pontos, um dano estético de grau 4/7, uma repercussão nas actividades desportivas e de lazer de grau 3/7 e a necessidade de dispêndio de esforços adicionais no exercício da profissão habitual), têm sido fixados valores, predominantemente, entre os € 50.000,00 e € 60.000,00.
8. A compensação dos danos não patrimoniais deve ser fixada de acordo com a equidade, nos termos do artigo 496.º/4, do CC, que manda atender às circunstâncias referidas no artigo 494.º, entre as quais o grau de culpabilidade do agente.
9. A condenação das rés resultou da presunção de culpa prevista no artigo 493.º/1, do CC (o que, em abstracto, permite a fixação equitativa da indemnização em valor inferior ao dos danos causados, no termos do artigo 494.º do CC), pelo que a indemnização deve ser despojada da sua função punitiva; dizendo de outro modo, assentando a responsabilidade das rés em culpa presumida, o grau de culpabilidade da 2ª R. não pode ser invocado para justificar um especial agravamento da indemnização, por referência aos padrões indemnizatórios adoptados pela jurisprudência.
10. A fixação equitativa da compensação, nos termos do artigo 496.º/4, do CC, não é incompatível com a ponderação dos critérios e valores orientadores da Portaria n.º 377/2008, de 26.5, alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25.6, sendo que estes diplomas reflectem um esforço legislativo de uniformização dos valores indemnizatórios do dano corporal dos lesados por acidente de viação (e, deste modo, assegurar uma maior igualdade de tratamento dos sinistrados em matéria indemnizatória) e podem representar uma ferramenta útil para o julgador, que sempre decidirá em conformidade com o seu juízo equitativo.
11. Para os intervalos em que se enquadra a idade do A. à data do acidente (37 anos) e o seu dano biológico (27 pontos), o Anexo IV da referida Portaria prevê um valor máximo por ponto de incapacidade de € 1.692,80 (já actualizado nos termos do artigo 13.º da Portaria), do que resulta uma compensação, para um dano biológico de 27 pontos, de € 45.705,60 (€ 1.692,80 x 27 pontos).
12. Considerando: a) os padrões indemnizatórios adoptados em casos análogos; b) a compensação prevista na Portaria para um sinistrado da idade e com o dano biológico do A.; c) que, para além das consequências não patrimoniais do dano biológico, há que compensar outros danos morais complementares (nomeadamente advindos dos danos temporários); d) que a responsabilidade da 1ª R. assenta num mera presunção de culpa da sua segurada; parece à 1ª R. equitativa a atribuição ao A. de uma compensação de € 75.000,00, a título de danos não patrimoniais (incluindo o dano biológico), à qual haverá que descontar a adiantada quantia de € 7.200,00.
13. A sentença recorrida violou ou desconsiderou os artigos 8.º/3 (reflexo do princípio da igualdade, acolhido no artigo 13.º da CRP), 496.º/3 e 494.º do CC.
Termos em que devem V. Exas. conceder provimento à apelação e, em consequência, revogar, parcialmente, a sentença condenatória recorrida, reduzindo o valor da condenação de € 145.564,00 para € 75.000,00, com o que fareis a costumada Justiça!».
*
A habilitada (…) não se conformou com a referida decisão e o articulado de recurso continha as seguintes conclusões:
«1 – O A. deduziu pedido de indemnização no valor global de € 145.564,00, a pagar subsidiariamente por ambas as RR, o qual incluía perdas salariais (€ 23.452,66), danos não patrimoniais por incapacidade de 33% (€ 98.812,00), e € 32.500,00 por danos não patrimoniais.
2 – A 1ª R. já havia pago ao A. a quantia de € 7.200,00 a título de pensão que abrangeu 12 meses, pelo que o pedido a titulo de perdas salariais ficou reduzido a € 16.253,66 e o montante global da indemnização pedida passou a ser de € 138.364,66.
3 – Não se provou a existência de perdas salariais nem de lucros cessantes, pois a incapacidade de 27% não causa ao A. impossibilidade de exercer a profissão de técnico informático, mas sim esforços acrescidos na sua actividade, pelo que deduzindo aos € 138.364,66 os € 16.253,66 de perdas salariais, o valor do pedido ficou reduzido a € 129.312,66.
4 – A sentença
...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT