Acórdão nº 386/20.0T8SCR.L1-7 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-01-10

Ano2023
Número Acordão386/20.0T8SCR.L1-7
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa:

I – RELATÓRIO:
Z – Sucursal em Portugal, instaurou, em 15 de julho de 2020, a presente ação declarativa de condenação contra SF, alegando, em suma, que por contrato de seguro com início em 28 de março de 2015, titulado pela apólice n.º ____, celebrado com RF, mãe foi transferida para si a responsabilidade civil decorrente da circulação do veículo de marca ____, modelo ____, com a matrícula __-__-XF[1].
No dia 12 de outubro de 2016, pelas 2 h e 52 m, quando circulava na Rua Eng.º SC, na freguesia e município de ____, Madeira, o XF, conduzido pelo réu, filho da autora, foi interveniente num acidente de viação.
O sinistro ocorreu porque o réu, que então conduzia o XF com uma taxa de álcool no sangue de 1,04 g/l, perdeu o controlo da viatura, despistando-se.
Em consequência do acidente decorreram vários danos para terceiros, que a autora suportou, e pelo quais, através desta ação, em sede de direito de regresso, pretende ser ressarcida pelo réu, único responsável pela produção do acidente.
Conclui pedindo que o réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de €48.379,66, acrescida dos respetivos juros legais que se vencerem desde a citação até integral e efetivo pagamento.
*
O réu contestou, alegando, também em síntese, que em 4 de agosto de 2020, data em que foi citado para os termos da ação, já estava prescrito o direito de regresso da autora sobre o montante de €47.742,63.
No mais, defende-se por impugnação.
Conclui assim a contestação:
«Nestes termos e nos mais de direito, (...), deve:
a) A exceção de prescrição deduzida ser julgada procedente por provada, e, em consequência ser o R. absolvido do pedido de pagamento respeitante ao direito de regresso sobre o montante de €47.742,63, que se deve declarar prescrito;
Caso assim se não entenda,
b) Ser a ação julgada improcedente por não provada, absolvendo-se o R. do pedido.»
*
A autora respondeu à matéria de exceção, pugnando pela sua improcedência.
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Não obstante o reconhecimento de que caberia «designar audiência prévia, tendo em vista, para além do mais, outros fins que não apenas os previstos no artigo 593.º, n.º 1 do CPC», com fundamento na imprevisibilidade da conciliação das partes e ainda na circunstância:
- de a causa se revestir de simplicidade[2], e;
- de as partes já terem debatido as matérias de exceção por escrito,
ao abrigo do «princípio da simplificação processual»[3], o senhor juiz a quo entendeu aconselhável a dispensa da realização de tal audiência prévia, o que fez, importa dizê-lo, com o assentimento das partes.
No saneador, o senhor juiz a quo proferiu, o despacho a que alude o art.º 596.º, n.º 1:
- identificando o objeto do litígio;
- enunciando os temas da prova.
Como adiante melhor se verá:
- nem o objeto do litígio foi devidamente identificado;
- nem os temas da prova foram corretamente enunciados.
*
Na subsequente tramitação dos autos realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença, de cuja parte dispositiva consta o seguinte:
«Pelo exposto, julgo a ação parcialmente procedente, por provada, e, em consequência, condeno o réu a pagar à autora os montantes que esta despendeu - para além do pagamento de €18.000,00 (dezoito mil euros) a HH, por este recebido em 3 de março de 2017 - em pagamentos a ARC, Lda., Município de ____, AZ, HH, CCRA, Lda., MAC, Lda., Farmácia P e SSR, E.P.E., para ressarcimento dos danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do sinistro ajuizado, causado pelo réu – sem prejuízo de os respetivos créditos estarem prescritos, no todo ou em parte – até ao montante, peticionado, de €48.379,66 (quarenta e oito mil trezentos e setenta nove euros e sessenta e seis cêntimos), a apurar em liquidação de sentença.»
*
Inconformado, o réu interpôs o presente recurso de apelação, concluindo assim as respetivas alegações:
«I. O Rte. não se conforma com a Sentença recorrida, pelas seguintes ordens de razão:
a) A ação foi julgada parcialmente procedente, mas não indica qual a absolvição do Rte. face à defesa por si apresentada, designadamente, pela procedência das exceções ou impugnações por si deduzidas;
b) Cumpre à Rda. na qualidade de autora o ónus de provar os factos constitutivos do seu direito, contudo, no âmbito dos presentes autos a A. não demonstrou o exercício tempestivo do seu direito;
c) O Rte. demonstrou cronologicamente a extinção do direito da A. por prescrição;
d) Não cabe a um incidente de liquidação de sentença, o apuramento ou não da prescrição de um crédito, que deve ser decidido na fase declarativa do processo, onde os direitos são ou não reconhecidos - o instituto da liquidação de sentença tem como fim, na letra da lei, “tornar líquido o pedido genérico, quando este se refira a uma universalidade ou às consequências de um facto ilícito”.
II. O pedido deduzido na causa é, ab initio, líquido - pontos 31 e 36, da Fundamentação de Facto:
“(...)”[4];
III. A Rda. produziu prova documental, que no seu entender demonstrava o pagamento, ónus que lhe compete, e que exerce como entende na defesa da constituição do seu direito;
IV. A procedência da impugnação do valor probatório dos meios de pagamento apresentados pela A., não pode conduzir à concessão de nova oportunidade para demonstrar a constituição do seu crédito - designadamente, em sede de liquidação de sentença.
“(...)”[5];
V. À A. cabia, e não invocou justo impedimento para não o fazer, produzir prova dos pagamentos – prova que no entender do Rte. só pode ser documental, e ter força bastante para demonstrar o pagamento;
VI. A falta de prova da Rda. não respeita ao montante líquido do seu crédito, pois esse é peticionado de forma líquida, e com alegação de data;
VII. Respeita à demonstração do meio pelo qual foi feito, na data em que a Rda. o alega ter feito;
VIII. A omissão do cumprimento do ónus de demonstração dos factos constitutivos do direito deveria ter conduzido à absolvição do R.;
“Surpreendentemente – dada a maneira caótica como a autora apresentou prova documental de que tinha efetuado os pagamentos reclamados – a principal dificuldade encontrada disse respeito aos montantes dos mesmos e datas em que foram efetuados. Na verdade, e como bem apontou o réu na contestação, a autora não fez – e podia-o ter feito facilmente – prova documental cabal e indisputada de quais foram os montantes necessários à reparação e compensação dos danos.”
IX. Ónus que é condição sine qua non da eventual procedência da causa, o que impunha absolvência do Rte. do pedido.
X. “(...)”[6];
XI. Existindo, forçosamente, os documentos em causa ao tempo de interposição da instância, a sua junção num incidente de liquidação estará precludida.
XII. Pois aquele incidente não tem a finalidade de demonstrar a constituição de direitos, mas meramente o apuramento do seu quantum.
XIII. A liquidação de sentença Instituto tem o seu campo de aplicação apenas e só quando, nos termos do art.º 609.º/2, do CPC:
“(...)”[7];
Por outro lado,
XIV. O Rte. logrou demonstrar a existência de núcleos indemnizatórios autónomos, individualizados por:
a) Critérios funcionais - ligados à natureza da indemnização e ao tipo de bens jurídicos lesados;
b) Critérios temporais - que diferenciam os momentos em que, no seio de cada núcleo foram realizados os pagamentos, bem como ao tempo em que cada um desses danos foi ressarcido;
c) Critérios subjetivos - no que respeita aos lesados, a quem o dano é ressarcido;
XV. Os núcleos e as respetivas datas em que a A. alegou ter realizado o último pagamento em cada um deles, foram demonstrados pelo R., tendo o Tribunal de 1.ª Instância deixado na Sentença a seguinte interrogação:
“...a pergunta que se coloca, para apreciação da questão suscitada pelo réu é a de saber se, no caso vertente se verifica a autonomia dos danos, que tem como consequência a autonomização de alguns dos pagamentos efetuados pela autora para efeitos de diversa contagem do prazo de prescrição?”;
XVI. O Rte. respondeu a esta interrogação, com a prova por si produzida, e com a prova documental junta pela A;
XVII. Estando o Tribunal de 1.ª Instância em condições de apreciar a invocação da prescrição que apenas pode ser realizada na fase declarativa do processo;
XVIII. A Rda. teve oportunidade de exercer o contraditório quanto às exceções deduzidas, não tendo junto prova documental adicional que fizesse improceder a impugnação feita à prova documental que apresentou junto com a petição inicial;
XIX. O que, por si só, já lhe conferia um segundo momento, após a apresentação da petição, para documentar a constituição do seu direito;
XX. A Sentença de que se recorre, confere à Rda. um terceiro momento para tal, ao remeter para liquidação mas o apuramento da ocorrência ou não da prescrição dos créditos objeto da causa;
XXI. Repetindo uma fase declarativa na causa, no nosso entender e com o devido respeito por entendimento diverso, processualmente inadmissível, onde a Rda. já conhece a defesa do Rte., e a apreciação que o Tribunal de 1.ª Instância já fez da mesma -violando todas as regras conducentes à garantia da igualdade de armas processuais;
XXII. Viola a Sentença de que se recorre o princípio de que toda a causa de pedir, e todos os factos impeditivos ou extintivos do direito objeto do processo, devem ser apresentados no início da causa, e de que ao juiz da causa compete garantir que as partes mantêm um estatuto de igualdade substancial;
XXIII. Violando-se assim o disposto no art.º 4.º, do CPC, que estabelece que:
“(...)”[8];
XXIV. Assim a Sentença de que se recorre, deveria ter decidido pela improcedência da ação e a absolvição do Rte. dos pedidos contra si deduzidos, o que aqui mais uma vez se peticiona.
Nestes termos, e nos mais de direito, sempre com o douto suprimento de V. Exas., deve o presente Recurso ser julgado procedente por fundado, proferindo-se decisão de absolvição do Recorrente dos pedidos contra si
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