Acórdão nº 3848/22.1T8AVR.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 09-02-2023

Data de Julgamento09 Fevereiro 2023
Ano2023
Número Acordão3848/22.1T8AVR.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Apelação nº 3848/22.1T8AVR.P1

ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO

I – Resenha histórica do processo
1. AA e BB instauraram ação contra o Estado Português, pedindo a sua condenação a reconhecer que os Autores vivem em situação de união de facto desde há cerca de 26 anos.
Para o efeito, alegaram ser a Autora mulher de nacionalidade portuguesa e o Autor BB de nacionalidade venezuelana; vivem habitualmente na Venezuela, mas têm também residência em Portugal, para onde pretendem vir viver; ambos solteiros, vivem em união de facto há cerca de 26 anos, e têm uma filha em conjunto, também de nacionalidade portuguesa.
Pretendem, por isso, que lhes seja reconhecida essa união de facto, para efeitos de aquisição da nacionalidade portuguesa por parte do Autor BB.
2. Apreciando a petição, o Sr. Juiz indeferiu-a liminarmente, julgando o Tribunal internacionalmente incompetente para conhecer da causa, com a seguinte fundamentação:
«Resulta da própria PI que os AA não residem habitualmente em Portugal, tendo residência na Venezuela.
Ora, nos termos do artigo 59º do CPC, sem prejuízo do que se encontre estabelecido em regulamentos europeus e em outros instrumentos internacionais, os tribunais portugueses apenas são internacionalmente competentes quando se verifique algum dos elementos de conexão referidos nos artigos 62.º e 63.º ou quando as partes lhes tenham atribuído competência nos termos do artigo 94.º.
O art.º 63º estabelece os casos de competência exclusiva dos tribunais portugueses sendo que, em nenhum deles, se inclui o caso de reconhecimento de uniões de facto.
Por sua vez o referido artigo 62º estabelece que os tribunais portugueses são internacionalmente competentes:
a) Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras de competência territorial estabelecidas na lei portuguesa;
b) Ter sido praticado em território português o facto que serve de causa de pedir na ação, ou algum dos factos que a integram;
c) Quando o direito invocado não possa tornar-se efetivo senão por meio de ação proposta em território português ou se verifique para o autor dificuldade apreciável na propositura da ação no estrangeiro, desde que entre o objeto do litígio e a ordem jurídica portuguesa haja um elemento ponderoso de conexão, pessoal ou real.
No caso dos autos também se não verifica qualquer das referidas hipóteses:
- não foi sequer alegado o pressuposto de aplicação da referida alínea c) sendo que, no caso, será perfeitamente viável que os AA proponham ação onde efetivamente residem pedindo depois (uma vez julgada procedente) o respetivo reconhecimento judicial da sentença junto do tribunal português competente para esse efeito);
- também se não verifica o pressuposto previsto para a alínea b) uma vez que está alegado que os AA residem juntos mas na Venezuela;
- finalmente também não se verificam, como veremos, os pressupostos quanto à alínea a) – critérios de competência territorial interna.
Nos termos do art.º 80º do CPC em todos os casos não previstos nos artigos anteriores ou em disposições especiais é competente para a ação o tribunal do domicílio do réu, prevendo o artigo 81º nº1 que se o réu for o Estado, ao tribunal do domicílio do réu substitui-se o do domicílio do autor.
Ora como resultou afinal dos factos assentes (e como de resto consta da PI) ambos os AA no caso dos autos residem na Venezuela.»

3. Inconformados com tal decisão, dela apelaram os Autores, formulando as seguintes CONCLUSÕES:
«1 – Com esta acção os AA. pretendem ver reconhecido que vivem em situação análoga à dos cônjuges há mais de 3 anos.
2 – A declaração dessa situação visa a instrução do pedido de cidadania portuguesa, nos termos previstos no n.º 3 do art.º 3.º da Lei da Nacionalidade portuguesa (Lei n.º 37/81, de 3/10).
3 – A acção foi proposta para satisfação de um requisito específico da legislação portuguesa sobre a possibilidade de atribuição de cidadania nacional.
4 – O Estado Português é contra-parte da acção, porquanto apenas este pode atribuir a cidadania portuguesa, sendo-lhe por isso oponível a declaração da situação de união.
5 – Por d. decisão prolatada pelo Tribunal a quo, foi determinado o indeferimento liminar da P.I., ao abrigo do art.º 99.º, n.º 1 do C.P.C., com base na incompetência internacional dos Tribunais Portugueses.
6 – Porém os AA. consideram, com todo o respeito, que é muito, que o Tribunal a quo errou na interpretação da lei, nomeadamente dos art.os 80.º, 81.º, n.º 1, 59.º e 62.º, als. a) e c), todos do C.P.C., especialmente quando a base jurídica do pedido é a Lei da Nacionalidade Portuguesa (Lei n.º 37/81, de 3/10) e da mesma resulta a obrigatoriedade de propositura de uma acção declarativa (em Portugal) contra o Estado Português.
7 – Com efeito, a Lei da Nacionalidade (Lei n.º 37/81, de 3/10) estabelece no seu art.º 3.º, n.º 3 que a acção em causa tem que ser proposta no “tribunal cível”, o que desde logo, atribui competência internacional aos tribunais portugueses, ao abrigo do disposto no art.º 62.º, als. a) e c) e 59.º do C.P.C.
8 – Caso o legislador da Lei n.º 37/81, de 3/10 quisesse dizer que a acção teria que ser proposta noutro País que não Portugal, não usaria a expressão “tribunal cível” que consta do art.º 3.º, n.º 3 dessa norma e que resulta directamente da realidade portuguesa, mas antes uma outra.
9 – Acresce, em abono do que se defende, que a acção em questão não é uma acção de revisão de sentença
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