Acórdão nº 3833/22.4T8VCT-H.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-11-23

Ano2023
Número Acordão3833/22.4T8VCT-H.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

I.
1) AA propôs, no dia 2 de maio de 2022, processo especial para acordo de pagamento, alegando, em síntese, que: foi administrador da sociedade comercial EMP01... – Investimentos Turísticos, SA; nessa qualidade, avalizou diversas operações de crédito da referida sociedade, tornando-se responsável subsidiário pelo pagamento de avultadas dívidas desta; os rendimentos da sociedade sofreram uma drástica redução em resultado das restrições legais impostas ao exercício da atividade societária por causa da pandemia de Covid-19, o que culminou com a respetiva declaração de insolvência no dia 4 de junho de 2021; não obstante o elevado montante por que é responsável, a sua revitalização é possível desde que haja acordo dos credores no sentido do alargamento dos prazos de pagamento dos montantes em dívida.
Juntou, com o requerimento inicial, entre o mais, a relação de credores e a relação de bens.
2) O plano de pagamentos apresentado não mereceu a aprovação dos credores e, na sequência, o administrador judicial provisório concluiu que o Requerente se encontrava insolvente.
3) Notificado, o Requerente não deduziu oposição e pediu que, em caso de declaração de insolvência, fosse decretada a exoneração do passivo restante.
4) Foi determinada a autuação de certidão do requerimento inicial como processo de insolvência, tendo esta vindo a ser decretada por sentença proferida no dia 12 de abril de 2023.
5) No dia 22 de maio de 2023, o administrador da insolvência nomeado apresentou o relatório previsto no art. 155 do CIRE, no qual propôs o indeferimento liminar do pedido de exoneração do passivo restante, com os seguintes fundamentos:

“Sendo certo, que se apurou que a aqui Insolvente veio a ser afetado pela qualificação de insolvência como culposa no âmbito do processo de insolvência com o n.º 2084/21...., que corre termos no Juízo de Comércio ..., Juiz ..., em que foi declarada insolvente a sociedade comercial denominada EMP01... - Investimentos Turísticos, Lda., NIF: ...50, onde foi condenado, entre outras sanções, a indemnizar os respetivos credores até ao montante de 904.792,44€
Pelo que, e tendo em consideração a redação da alínea e) do nº 1 do artigo 238º do CIRE, entendemos que tal pedido deverá ser indeferido liminarmente porquanto se verificou um agravamento da sua situação de insolvência com a situação sobredita.”

7) Notificados, os credores Banco 1..., SA, e Banco 2..., SA, declararam sufragar a proposta do administrador da insolvência quanto ao pedido de exoneração do passivo restante.
8) No dia 31 de agosto de 2023, foi proferido, pelo Tribunal a quo, despacho do seguinte teor:
AA veio requerer a exoneração do passivo restante, alegando que reunia as condições para o efeito e que se dispõe a observar todas as condições exigidas nos termos do art.º 236º do CIRE.
Foi dado cumprimento ao disposto no n.º 4 da citada disposição normativa.
O Administrador da Insolvência pronunciou-se manifestando a sua não oposição.
Constituem fundamentos do indeferimento liminar da exoneração do passivo restante os enunciados nas diversas alíneas do art.º 238.º do CIRE que compreendem comportamentos, situações ou condutas do devedor, anteriores ou contemporâneas do processo de insolvência que, como refere Carvalho Fernandes [vide Colectânea De Estudos Sobre a Insolvência, págs. 276 e 277], “em geral, são dominados pela preocupação de averiguar se o insolvente pessoa singular é merecedor do benefício que da exoneração lhe advém”. O incidente, em causa nestes autos, apresenta dois momentos de apreciação distintos por parte do Tribunal: um despacho inicial que incide sobre a sua admissibilidade [despacho de indeferimento liminar ou “despacho inicial” a determinar o prosseguimento]; e a decisão (final) de exoneração, nos termos do art.º 244.º do CIRE.
O despacho liminar destina-se a aferir da existência de condições mínimas para aceitar o requerimento contendo o pedido de exoneração, sendo que o juízo de mérito em causa não é sobre a concessão ou não da exoneração – análise que só será efetuada passados cinco anos –, mas em aferir o preenchimento de requisitos, substantivos, que se destinam a perceber se o devedor merece que uma nova oportunidade lhe seja dada.
No caso, o Tribunal pode aferir da existência de condições mínimas para aceitar o requerimento que contém o pedido de exoneração.
Assim sendo, não subsistindo motivo que fundamente, nos termos previstos pelo art.º 238.º do CIRE, o indeferimento liminar da pretensão formulada, cumpre proferir despacho nos termos do disposto no art.º 239.º do mencionado diploma legal.
Entretanto, terá de atender-se à situação económica e financeira do respectivo agregado familiar e às despesas com habitação, alimentação, electricidade, gás, água, transportes, vestuário e saúde – neste ponto atendendo-se ao quer teor os documentos juntos aos autos pelo próprio insolvente quer ao teor do relatório entretanto elaborado ao abrigo da previsão do artº 155.º do CIRE.
Nessa conformidade, determina-se que, durante os três anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, sem prejuízo da possibilidade de prorrogação prevista pelo art.º 242.º-A do CIRE, o rendimento disponível do insolvente – que corresponderá àquele que ultrapasse o valor de 1 e ½ SMN – fique cedido ao Sr. Administrador, que vai investido na condição de Fiduciário e ao qual vai conferida a tarefa de fiscalizar o cumprimento pelo devedor das obrigações que sobre este impendem, com o dever de informar os credores em caso de conhecimento de qualquer violação [art.º
241º, n.º 3 do CIRE].
Entretanto, para o cálculo do que seja o montante razoavelmente necessário para o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, para efeito de o excluir dos rendimentos a ceder, haverá que ter-se em consideração o valor dos rendimentos líquidos. Para tal efeito, ao rendimento bruto recebido pelo devedor haverá que deduzir não só os custos e encargos com a atividade, se os houver, mas ainda as contribuições obrigatórias, quer as fiscais quer as devidas à Segurança Social.
Acresce que, sabendo ser comum proceder-se à fixação de um rendimento com referência mensal, a informação a prestar pelo Fiduciário quanto a quantias a ceder que excedam aquele valor deve ser prestada anualmente, sendo que, quando os rendimentos não se mantenham estáveis ao longo desse período de tempo, deve o cálculo ser efetuado com referência a um ano e não a cada um dos meses (…)”

9) Inconformado, veio o credor BB (Recorrente) interpor o presente recurso, que culminou com as seguintes conclusões:

“1. A decisão em recurso proferida pelo Tribunal a quo – deferimento do pedido de EPR efetuado pelo Recorrido – salvo o devido respeito, viola a legislação atualmente em vigor, mas acima de tudo, é profundamente injusta para os credores do Recorrido.
2. Não compreende o Recorrente como é que o Tribunal a quo deferiu o pedido de exoneração do passivo restante, ignorando o facto da insolvência da sociedade EMP01..., S.A. ter sido qualificada como culposa, por responsabilidade do Recorrido.
3. O Tribunal a quo ignorou igualmente o facto de o Recorrido ter sido, dada a gravidade da situação, condenado ao pagamento de uma indemnização até ao montante de € 904.792,44 (novecentos e quatro mil, setecentos e noventa e dois euros e quarenta e quatro cêntimos) aos credores daquela sociedade EMP01..., S.A.
4. Bem como o facto de ter sido decretada a sua inibição para a administração de patrimónios de terceiros e para o exercício do comércio, para a ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de atividade económica, empresa pública ou cooperativa pelo período de 4 anos e sua a perda de quaisquer créditos sobre a insolvência ou sobre a massa insolvente.
5. O Tribunal a quo, no âmbito da sua (parca) fundamentação acerca do deferimento do EPR ignorou a qualificação da insolvência como culposa da sociedade administrada pelo Recorrido, a condenação do mesmo nesse âmbito, o parecer do Sr. Administrador de Insolvência no âmbito do Relatório apresentado cf. o disposto no artigo 155.º CIRE nos presentes autos, os votos desfavoráveis dos credores e o requerimento inicial do A.I. no Apenso de Qualificação de Insolvência.
6. Por tudo o supra exposto, podemos concluir que o fez contrariamente ao estipulado na alínea e) do n.º 1 do artigo 238.º CIRE.
7. Contudo, fê-lo ainda contrariando a alínea d) da mesma disposição legal, porquanto o Recorrido não se apresentou à insolvência no período de 6 meses após ter verificado que estava efetivamente impossibilitado de cumprir as suas obrigações vencidas.
8. O Recorrido soube que estava em situação de insolvência no momento em que foi declarada a insolvência da sociedade EMP01..., S.A. (04.06.2021), onde tinha prestado o seu aval para garantia do bom pagamento das suas responsabilidades.
9. O Recorrido bem sabia que a sociedade em questão não apresentava ativo suscetível de fazer face às suas dívidas, bem sabia que ele próprio também não apresentava ativo capaz de liquidar as suas dívidas e bem sabia o montante elevadíssimo de capital que se encontrava vencido.
10. Assim como tinha perfeita noção de que não se apresentando à insolvência, continuando a viver a sua vida como se de um bom pagador se tratasse, iria prejudicar os seus credores.
11. E mesmo assim, o Recorrido apenas é declarado insolvente a 12.04.2023, depois de tanto protelar o inevitável, abusando dos mecanismos legais ao seu dispor.
12. Por tudo o supra exposto, estão preenchidas as alíneas d) e e) do n.º do artigo 238.º CIRE, o que significa que o pedido de exoneração do passivo restante apresentado pelo Recorrido não poderá ser deferido.
13. Impondo-se assim uma alteração imediata à decisão tomada pelo Tribunal a quo, evitando-se a criação de mais prejuízos junto dos credores do Recorrido,...

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