Acórdão nº 3814/20.1T8LRS.L1-4 de Tribunal da Relação de Lisboa, 08-11-2023
Data de Julgamento | 08 Novembro 2023 |
Ano | 2023 |
Número Acordão | 3814/20.1T8LRS.L1-4 |
Órgão | Tribunal da Relação de Lisboa |
Acordam em conferência, na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa
Resumo do litígio na primeira instância
1–O litígio entre as partes prende-se essencialmente com a ilicitude do despedimento da recorrida nas seguintes circunstâncias: a recorrida (autora) trabalhava para a recorrente (segunda ré), tendo a categoria profissional de trabalhadora de limpeza e sendo o seu local de trabalho um estabelecimento de ensino superior, cujos serviços de limpeza se encontravam adjudicados, mediante contrato público, à recorrente que para aí transferiu o local de trabalho da autora por seis meses; terminada a adjudicação dos serviços à segunda ré, esta perdeu o concurso público que se seguiu e foi a primeira ré a obter idêntica adjudicação, mediante contrato público de prestação de serviços de limpeza nesse estabelecimento de ensino superior; a cláusula 17.º do Contrato Colectivo de Trabalho (CCT STAD) prevê a transferência para a primeira ré, verificadas as condições enunciadas nessa cláusula, das obrigações que decorriam para a segunda ré do contrato de trabalho celebrado com a autora; por isso, a autora apresentou-se ao serviço da primeira ré, no mesmo local onde até então trabalhava para a segunda ré, mas foi impedida pela primeira ré, de ali continuar a trabalhar, deixando de estar integrada na estrutura de qualquer das rés, sem que lhe tenha sido indicado o motivo pelo qual foi posto termo ao seu contrato de trabalho.
2–Foi nesse contexto que a recorrida (autora), intentou a presente acção contra as rés pedindo ao Tribunal que declare a ilicitude do despedimento e condene as rés a pagar-lhe uma indemnização no valor de 5.483,49 por despedimento sem justa causa, acrescida das demais quantias em dívida, que enuncia na petição inicial.
3–As rés contestaram separadamente, tendo ambas pugnado pela improcedência do pedido.
4–Por sentença de 11.12.2022 (referência citius 153453171), o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, 1.º Juízo do Trabalho de Loures (doravante também Tribunal de primeira instância, Tribunal recorrido ou Tribunal a quo), julgou a acção procedente contra a recorrente (segunda ré) e improcedente contra a primeira ré, tendo proferido a seguinte decisão:
A.– Declarar ilícito o despedimento da autora AApromovido pela “Iberlim – Higiene e Sustentabilidade Ambiental, S.A.”;
B.–Condenar a “Iberlim – Higiene e Sustentabilidade Ambiental, S.A.” a pagar à autora, a título de indemnização por antiguidade, em substituição da reintegração, correspondente a 30 dias de retribuição base por cada ano ou fração completos de antiguidade que se vencer até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, e que nesta data, contabilizados onze anos e seis dias, já ascende a € 5.400,00 (cinco mil e quatrocentos euros), acrescida de juros de mora, à taxa de legal, a contar do trânsito em julgado e até efetivo e integral pagamento;
C.–Condenar a “Iberlim – Higiene e Sustentabilidade Ambiental, S.A.” a pagar à autora a quantia de € 933,36 (novecentos e trinta e três euros e trinta e seis cêntimos), a título de férias e subsídio de férias referentes ao trabalho prestado no ano de 2018, acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da sua citação até integral pagamento;
D.–Condenar a “Iberlim – Higiene e Sustentabilidade Ambiental, S.A.” a pagar à autora a quantia de € 804,60 (oitocentos e quatro euros e sessenta cêntimos), a título de proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal relativamente ao trabalho prestado até 31-07-2019, acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da sua citação até integral pagamento;
E.–Absolver a ré “Foamy Sparkle – Serviços Técnicos de Limpeza, Lda.” de todos os pedidos.
Custas a cargo da ré “Iberlim”.
Valor da causa: o fixado no despacho saneador.”
Alegações da recorrente
5–Da sentença mencionada no parágrafo anterior, a recorrente veio interpor o presente recurso, formulando o seguinte pedido:
“(…) deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que:
a)- Altere o acervo de factos dados como provados, aditando-se ao acervo de matéria provada o alegado nos artigos 33.º, 55.º, 56.º e 57.º da Contestação da 2.ª Ré;
b)- Em aplicação do disposto na Cláusula 17.ª do CCT STAD, reconheça a transmissão do contrato de trabalho que, até 31 de julho de 2019, vigorou entre a Recorrente e a Autora, com todas as legais consequências;
c)- Subsidiariamente, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que, em aplicação do disposto nos artigos 340.º e 384.º do CT, declare improcedente o pedido de declaração de ilicitude do despedimento, com as legais consequências;
d)- Subsidiariamente, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que, em aplicação do disposto no artigo 391.º do CT, reduza a indemnização arbitrada ao montante correspondente a 15 dias de retribuição por cada ano de antiguidade.”
6–A recorrente alega meios baseados: no aditamento de factos à matéria de facto provada; no erro na interpretação da cláusula do contrato colectivo de trabalho aplicável; no erro na qualificação dos factos apurados como despedimento ilícito; e no erro na determinação do grau de culpa e na fixação do valor da indemnização.
7–As alegações e conclusões da recorrente são aqui sintetizados como se segue:
Aditamento à matéria de facto provada
ou subsidiariamente, caso se considere que parte dessa matéria já conste do facto provado xix
Fundamento da alteração: tal facto não foi impugnado pela autora e é plausível perante os factos provados xvi e xvii.
Meios de prova que fundamentam a alteração: depoimentos das testemunhas BB, CC e DD; documentos 4, 5 e 6 juntos à contestação da segunda ré.
“o anúncio de concurso público para a prestação do serviço apenas foi publicado em 4 de junho de 2019 – volvidos mais de 2 meses sobre a transferência da trabalhadora”;
“concurso a que também a 2.ª Ré concorreu, tendo a expetativa de manter a prestação de tais serviços, o que, infelizmente, não veio a suceder”.
Meios de prova que fundamentam a alteração: depoimento da testemunha BB; documento 6 junto à contestação da segunda ré.
Erro na interpretação das cláusulas do contrato colectivo de trabalho
Erro na qualificação dos factos apurados como despedimento ilícito
Resumo do litígio na primeira instância
1–O litígio entre as partes prende-se essencialmente com a ilicitude do despedimento da recorrida nas seguintes circunstâncias: a recorrida (autora) trabalhava para a recorrente (segunda ré), tendo a categoria profissional de trabalhadora de limpeza e sendo o seu local de trabalho um estabelecimento de ensino superior, cujos serviços de limpeza se encontravam adjudicados, mediante contrato público, à recorrente que para aí transferiu o local de trabalho da autora por seis meses; terminada a adjudicação dos serviços à segunda ré, esta perdeu o concurso público que se seguiu e foi a primeira ré a obter idêntica adjudicação, mediante contrato público de prestação de serviços de limpeza nesse estabelecimento de ensino superior; a cláusula 17.º do Contrato Colectivo de Trabalho (CCT STAD) prevê a transferência para a primeira ré, verificadas as condições enunciadas nessa cláusula, das obrigações que decorriam para a segunda ré do contrato de trabalho celebrado com a autora; por isso, a autora apresentou-se ao serviço da primeira ré, no mesmo local onde até então trabalhava para a segunda ré, mas foi impedida pela primeira ré, de ali continuar a trabalhar, deixando de estar integrada na estrutura de qualquer das rés, sem que lhe tenha sido indicado o motivo pelo qual foi posto termo ao seu contrato de trabalho.
2–Foi nesse contexto que a recorrida (autora), intentou a presente acção contra as rés pedindo ao Tribunal que declare a ilicitude do despedimento e condene as rés a pagar-lhe uma indemnização no valor de 5.483,49 por despedimento sem justa causa, acrescida das demais quantias em dívida, que enuncia na petição inicial.
3–As rés contestaram separadamente, tendo ambas pugnado pela improcedência do pedido.
4–Por sentença de 11.12.2022 (referência citius 153453171), o Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Norte, 1.º Juízo do Trabalho de Loures (doravante também Tribunal de primeira instância, Tribunal recorrido ou Tribunal a quo), julgou a acção procedente contra a recorrente (segunda ré) e improcedente contra a primeira ré, tendo proferido a seguinte decisão:
A.– Declarar ilícito o despedimento da autora AApromovido pela “Iberlim – Higiene e Sustentabilidade Ambiental, S.A.”;
B.–Condenar a “Iberlim – Higiene e Sustentabilidade Ambiental, S.A.” a pagar à autora, a título de indemnização por antiguidade, em substituição da reintegração, correspondente a 30 dias de retribuição base por cada ano ou fração completos de antiguidade que se vencer até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal, e que nesta data, contabilizados onze anos e seis dias, já ascende a € 5.400,00 (cinco mil e quatrocentos euros), acrescida de juros de mora, à taxa de legal, a contar do trânsito em julgado e até efetivo e integral pagamento;
C.–Condenar a “Iberlim – Higiene e Sustentabilidade Ambiental, S.A.” a pagar à autora a quantia de € 933,36 (novecentos e trinta e três euros e trinta e seis cêntimos), a título de férias e subsídio de férias referentes ao trabalho prestado no ano de 2018, acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da sua citação até integral pagamento;
D.–Condenar a “Iberlim – Higiene e Sustentabilidade Ambiental, S.A.” a pagar à autora a quantia de € 804,60 (oitocentos e quatro euros e sessenta cêntimos), a título de proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal relativamente ao trabalho prestado até 31-07-2019, acrescida de juros de mora à taxa legal a contar da sua citação até integral pagamento;
E.–Absolver a ré “Foamy Sparkle – Serviços Técnicos de Limpeza, Lda.” de todos os pedidos.
Custas a cargo da ré “Iberlim”.
Valor da causa: o fixado no despacho saneador.”
Alegações da recorrente
5–Da sentença mencionada no parágrafo anterior, a recorrente veio interpor o presente recurso, formulando o seguinte pedido:
“(…) deve o presente recurso ser julgado procedente e, consequentemente, a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que:
a)- Altere o acervo de factos dados como provados, aditando-se ao acervo de matéria provada o alegado nos artigos 33.º, 55.º, 56.º e 57.º da Contestação da 2.ª Ré;
b)- Em aplicação do disposto na Cláusula 17.ª do CCT STAD, reconheça a transmissão do contrato de trabalho que, até 31 de julho de 2019, vigorou entre a Recorrente e a Autora, com todas as legais consequências;
c)- Subsidiariamente, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que, em aplicação do disposto nos artigos 340.º e 384.º do CT, declare improcedente o pedido de declaração de ilicitude do despedimento, com as legais consequências;
d)- Subsidiariamente, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que, em aplicação do disposto no artigo 391.º do CT, reduza a indemnização arbitrada ao montante correspondente a 15 dias de retribuição por cada ano de antiguidade.”
6–A recorrente alega meios baseados: no aditamento de factos à matéria de facto provada; no erro na interpretação da cláusula do contrato colectivo de trabalho aplicável; no erro na qualificação dos factos apurados como despedimento ilícito; e no erro na determinação do grau de culpa e na fixação do valor da indemnização.
7–As alegações e conclusões da recorrente são aqui sintetizados como se segue:
Aditamento à matéria de facto provada
- O facto alegado no artigo 33 da contestação da segunda ré, deve ser aditado aos factos provados com a seguinte redacção:
ou subsidiariamente, caso se considere que parte dessa matéria já conste do facto provado xix
Fundamento da alteração: tal facto não foi impugnado pela autora e é plausível perante os factos provados xvi e xvii.
- O facto alegado no artigo 55 da contestação da segunda ré, deve ser aditado aos factos provados com a seguinte redacção:
Meios de prova que fundamentam a alteração: depoimentos das testemunhas BB, CC e DD; documentos 4, 5 e 6 juntos à contestação da segunda ré.
- Os factos alegados nos artigos 56 e 57 da contestação da segunda ré, devem ser aditados aos factos provados, com a seguinte redacção:
“o anúncio de concurso público para a prestação do serviço apenas foi publicado em 4 de junho de 2019 – volvidos mais de 2 meses sobre a transferência da trabalhadora”;
“concurso a que também a 2.ª Ré concorreu, tendo a expetativa de manter a prestação de tais serviços, o que, infelizmente, não veio a suceder”.
Meios de prova que fundamentam a alteração: depoimento da testemunha BB; documento 6 junto à contestação da segunda ré.
Erro na interpretação das cláusulas do contrato colectivo de trabalho
- Erro na interpretação da cláusula 17ª do CCT STAD – Contrato Colectivo de Trabalho/Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades Diversas – publicado no Boletim do Trabalho e Emprego n.º 8 de 28.2.1993, na versão posteriormente alterada, da qual resulta que, em caso de perda de um local de trabalho pela entidade empregadora, a entidade patronal que obtiver a nova empreitada obriga-se a ficar com todos os trabalhadores que ali prestavam normalmente serviço, como foi o caso da autora, cujo contrato de trabalho não caducou; idêntica redacção tem a cláusula 14.º do CCT FETESE – Contrato Colectivo de Trabalho/Federação dos Sindicatos da Indústria e Serviços;
- O Tribunal a quo julgou erradamente que, apesar de se aplicar a cláusula 17ª do CCT STAD acima mencionada, a autora era uma trabalhadora excedente e a primeira ré não estava obrigada a aceitar a prestação de trabalho da autora porque, apesar de a autora prestar trabalho há mais de 120 dias naquele local, não se incluía no quadro de pessoal e número de horas previstos no caderno de encargos da adjudicação feita à primeira ré;
- Como resulta de ambos os cadernos de encargos aqui em questão (cf. documentos 5 e 6 juntos com a contestação da segunda ré), a prestação de serviços contratada pelo Instituto Superior Técnico, primeiro com a segunda ré e depois com a primeira ré, manteve-se inalterada no que respeita ao tipo de serviço, local, número de trabalhadores e horário, pelo que, a intenção da primeira ré proceder a alterações no número de trabalhadores não pode afastar a aplicação da clausula 17ª do CCT STAD relativamente aos trabalhadores que ali prestavam normalmente trabalho no contexto da adjudicação anterior desses serviços à segunda ré;
- A interpretação da cláusula 17ª do CCT STAD feita pelo Tribunal a quo é contraria à jurisprudência de princípio, do Tribunal da Relação de Lisboa, constante do acórdão de 8.7.2004 (número do processo não indicado).
- A sentença recorrida infringe os artigos 1.º, 340.º e 384.º do Código do Trabalho (CT).
Erro na qualificação dos factos apurados como despedimento ilícito
- Não existiu despedimento ilícito por parte da segunda ré porque a autora não manifestou vontade de manter-se ao serviço da segunda ré e a segunda ré nunca comunicou à autora a intenção de terminar o contrato de trabalho, uma vez que ficou convicta de que a sua posição contratual se transmitira à primeira ré.
- A interpretação da cláusula 17 do CCT STAD feita pelo Tribunal a quo é contraria à jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, constante dos acórdãos de 24.1.2001 e 22.10.2008 ...
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