Acórdão nº 38/20.1T1LSB.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-04-07

Ano2022
Número Acordão38/20.1T1LSB.L1-6
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 6.ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa:



IRELATÓRIO


O MINISTÉRIO PÚBLICO requereu, relativamente às crianças A…., filhas de ..e de.. .. melhor identificadas nos autos, a aplicação de medida de confiança judicial com vista à adopção.

Alegou, em síntese, que as crianças supra mencionadas foram sujeitas a maus tratos e sofreram negligência, ao longo do tempo em que viveram com a progenitora. Entende o Ministério Público que tais situações conduziram a que as crianças fossem colocadas em acolhimento residencial, situação em que ainda se encontram, sendo certo que na família alargada ninguém se mostrou disponível para acolher as meninas. O progenitor deu o seu consentimento para a adopção o que não sucedeu com a progenitora. Conclui que esta também não constitui alternativa para cuidar das filhas.

Decorridos todos os trâmites legais, foi realizado o debate judicial. Seguidamente, foi proferido acórdão, datado de 21 de Dezembro de 2021, com o seguinte dispositivo:
“ Face ao circunstancialismo descrito e analisado, não subsiste qualquer dúvida de que se encontra preenchida a previsão do art.º 1978.º, n.º1, alínea d), n.º 2 e 3 do Código Civil (com referência ao art.º3.º, n.º2 da LPCJP) pelo que se aplica às crianças ….. a medida de promoção e proteção com vista a futura adopção, consagrada no art.º 35.º, n.º1, alínea g) da LPCJP, mantendo-se as mesmas sob a guarda da Casa de Acolhimento “Casa do Parque”, onde já se encontram.
Por último, declara-se a inibição do exercício das responsabilidades parentais e a cessação das visitas às crianças por parte da família natural destas, de harmonia com o disposto nos artigos 1978.º-A do Código Civil e 62.º-A, n.º 6, da LPCJP.”

Inconformada com esta decisão, a mãe das crianças interpôs recurso de apelação formulando as seguintes conclusões:

a)-Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido em 21/12/2021, que, a final, decidiu:
Face ao circunstancialismo descrito e analisado, não subsiste qualquer dúvida de que se encontra preenchida a previsão do artigo1978.º,n.º1, alínea d), n.ºs 2 e 3 do Código Civil (com referência ao artigo 3.º, n.º2, da LPCJP), pelo que se aplica às crianças A….a medida de promoção e protecção de confiança com vista a futura adopção, consagrada no artigo 35.º, n.º1, alínea g), da LPCJP, mantendo-se a mesma sob aguarda da Casa de Acolhimento“Casa do Parque”,onde se encontram.
Por último, declara-se a inibição das responsabilidades parentais e a cessação das visitas às crianças por parte da família natural destes, de harmonia com o disposto nos artigos 1978.º-A do Código Civil e 62.º-A, n.º 6, da LPCJP.”
b)- Dispõe a alínea d) do nº1 do artº 1978º do Código Civil que: O tribunal, no âmbito de um processo de promoção e proteção, pode confiar a criança com vista a futura adoção quando não existam ou se encontrem seriamente comprometidos os vínculos afetivos próprios da filiação, pela verificação objetiva de qualquer das seguintes situações: (…) Se os pais, por ação ou omissão, mesmo que por manifesta incapacidade devida a razões de doença mental, puserem em perigo grave a segurança, a saúde, a formação, a educação
ou o desenvolvimento da criança; (…)”.
c)-Determinando o seu nº3 que se considere que a criança se encontra em perigo quando se verificar alguma das situações assim qualificadas pela legislação relativa à proteção e à promoção dos direitos das crianças, nomeadamente, no que à decisão recorrida respeita, o disposto no nº2 do artº3º da LPCJP, presumivelmente alíneas b) e c).
d)-A verificação do perigo legitima a intervenção para a promoção e protecção das crianças, mediante aplicação de uma das medidas previstas no artº35º da mesma LPCJP, as quais apresentam uma gravidade crescente.
e)-A medida concretamente aplicada deve obedecer, nos termos do disposto no artº4º da LPCJP, entre outros (desde logo, o primacial, do interesse superior da criança e do jovem), aos princípios da proporcionalidade e actualidade, da responsabilidade parental, do primado da continuidade das relações psicológicas profundas e da prevalência da família, o que não sucedeu e se alega.
f)-Mostra-se violado o princípio da proporcionalidade e actualidade (alínea e) do artº4º da LPCJP) - a intervenção deve ser a necessária e adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram, no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade.
g)-Representando a intervenção do Estado uma restrição dos direitos fundamentais da criança ou do jovem (nomeadamente, o seu direito à liberdade e autodeterminação pessoal) e dos direitos fundamentais dos seus progenitores (entre outros, o direito à educação e manutenção dos filhos), colide com o consagrado no art.º36º da CRP, mormente nos seus n.º5 e 6, e com o previsto no nº1 do art.º1878º e n.º1 do art.º1885º, ambos do CC, e só pode ser tolerada dentro dos limites definidos pela própria CRP, no nº2 do seu artº18º.
“A lei pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos
casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.”
h)-O que não se verifica no caso em apreço e face aos factos resultantes dos autos:
-as medidas de apoio junto dos pais anteriormente aplicadas foram consideradas bem sucedidas, razão pela qual foram os autos de promoção e protecção arquivados em 15/04/2019;
-os factos que originaram a reabertura do processo em 17/12/2019 coincidiram com a alteração de residência da mãe e das crianças, que passaram a coabitar com uma amiga desta e seus filhos;
- tais factos decorreram num período de 2 meses, culminando com a institucionalização das crianças no dia 14/02/2020;
- durante esse período, as crianças, nomeadamente as duas mais velhas –….–, quando perguntadas pelas professoras acerca das marcas que exibiam, justificaram-nas como consequências de brincadeiras; o mesmo quanto à mãe;
- na casa de acolhimento e junto de outras testemunhas, acabaram as crianças por referir que eram batidas pela amiga da mãe e pelos filhos desta;
- tendo o agregado sido acompanhado desde Janeiro/2015, nunca o foi em virtude de maus tratos físicos, nem em momento anterior foram sinalizados maus tratos físicos, por não se verificarem;
- quando teve conhecimento das agressões às filhas por parte da amiga, a mãe deixou de coabitar com esta;
- à data da decisão da medida de confiança com vista à adopção já não se verificava a situação de perigo para as crianças, porquanto a mãe tratara já de afastar a origem de tal perigo.
i)-Pelo que não pode considerar-se proporcional e actual a aplicação da medida de confiança com vista a adopção, quando já não se verificam as circunstâncias que a justificariam.
j)-Mostra-se violado o Princípio da Responsabilidade Parental (alínea f) do artº4º da LPCJP) - a intervenção deve ser efectuada de modo a que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem.
k)-Devendo privilegiar-se o papel dos pais, assegurando o Estado a assistência adequada aos pais da criança no exercício das suas responsabilidades e chamando-os à sua insubstituível acção junto dos filhos.
l)-Ora, nos presentes autos, tal não sucedeu, antes se tendo promovido o afastamento da mãe desde a reabertura do processo, impedindo de visitar as crianças ou sequer de contactar telefonicamente com estas, durante os últimos 2 anos.
m)-Tendo as crianças sido institucionalizadas em 14/02/2020, pelo menos desde 14/04/2020 que a mãe solicita visitas, cfr. relatório da EATTL de 26/05/2020; o que igualmente requereu ao Tribunal em 30/04/2020, cfr. Acta de Audições da mesma data, e em momentos posteriores (Acta de 26/05/2020, Acta de 15/06/2021, requerimento de 15/10/2021, douto despacho de 20/10/2021).
n)-O que sempre lhe foi negado.
o)-Ocorre ainda violação do Princípio do Primado da continuidade das relações psicológicas profundas (alínea g) do artº4º da LPCJP) - a intervenção deve respeitar o direito da criança à preservação das relações afetivas estruturantes de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento, devendo prevalecer as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante.
p)-Resulta dos depoimentos das testemunhas que melhor conhecem, porque acompanharam anteriormente, a mãe e as crianças (MB..... e PC.....) que, sem prejuízo das circunstâncias que justificaram a intervenção inicial, sempre existiu afecto e vinculação entre mãe e filhas e destas para com aquela.
q)-Vinculação que, a mostrar-se actualmente afectada, será em consequência de um absoluto corte de contactos durante os últimos 2 anos, imposto à mãe e às crianças e alheio à sua vontade, pelo que não pode reverter contra si.
r)-Por outro lado, a vinculação afectiva igualmente existente entre as crianças encontra-se comprometida pela medida decretada, pois que se quebrará com a efectiva eventual adopção de cada uma das irmãs, que dificilmente ocorrerá em conjunto ou em separado com manutenção de contactos.
s)-Foi ainda violado o Princípio da Prevalência da Família (alínea h)-do artº4º da LPCJP) - na promoção de direitos e na protecção da criança e do jovem, deve ser dada prevalência às medidas que os integrem na sua família ou que promovam a sua adopção.
t)-E por esta ordem, uma vez que a adopção apenas se deverá prefigurar quando a família (natural) inexista ou quando se revele incompatível com a salvaguarda do interesse superior da criança (nº6 do artº36º da CRP), de forma a que o interesse da criança ou jovem seja realizado, na medida do possível, no seio do seu grupo familiar, o que constitui um direito fundamental resultante do artº67º da CRP.
u)-O apoio à família, atento o seu papel insubstituível e central, deve primacialmente traduzir-se em medidas
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