Acórdão nº 3785/20.4T8VCT-B.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-07-10

Ano2023
Número Acordão3785/20.4T8VCT-B.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM OS JUÍZES DA 1ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

1. Relatório

A 04/12/2020 AA veio requerer a declaração de insolvência e a exoneração do passivo restante.

Por sentença de 09/12/2020 foi declarada a insolvência do requerente.

A 25/01/2021 a Sra. AI apresentou Relatório nos termos do art.º 155º do CIRE.

A 12/02/2021 foi proferido o seguinte despacho:
“(…)
Concomitantemente com o requerimento por via do qual se apresentou à insolvência, pediu o/a devedor/a BB a exoneração do passivo restante, dando cumprimento à exigência imposta pelo n.º 3 do art.º 236.º do CIRE.---
Foi dado cumprimento ao disposto no n.º 4 da citada disposição normativa.---
Não subsistindo motivo que fundamente, nos termos previstos pelo art.º 238.º do CIRE, o indeferimento liminar da pretensão formulada, cumpre proferir despacho nos termos do disposto no art.º 239.º do mencionado diploma legal.---
Terá de atender-se à situação económica e financeira do respectivo agregado familiar e às despesas com habitação, alimentação, electricidade, gás, água, transportes, vestuário e saúde.---
Nessa conformidade, determina-se que, durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência, o rendimento disponível do/a/s insolvente/s – que corresponderá àquele que ultrapasse o valor de € 750,00/mês – fique cedido ao/à Sr./ª Administrador/a, que vai investido/a na condição de fiduciário/a.---
Durante aquele período de cessão, o/a/s insolvente/s fica obrigado/a/s a observar as imposições previstas pelo n.º 4 do citado art.º 239.º do CIRE.---
De acordo com a previsão do art.º 240.º do CIRE, a remuneração do/a fiduciário/a e reembolso das suas despesas são da responsabilidade do/a/s insolvente/s.---
Notifique, publique e registe (art.º 247.º do CIRE).---
(…)”

A 18/02/2023 o Insolvente apresentou requerimento dizendo, em síntese:
- na sequência do despacho inicial de Exoneração do Passivo Restante, foi atribuído ao Insolvente o rendimento indisponível de € 750,00 mensais;
- à data do despacho – 2021 – o salário mínimo nacional correspondia ao valor de € 665,00, pelo que o tribunal, tendo em consideração a situação sócio-económica do Insolvente e do seu agregado familiar, atribuiu-lhe o referido valor, correspondente a 1SMN, acrescido de 12,8%;
- este valor tem de ser actualizado no decorrer dos anos do incidente de exoneração do passivo restante, para se enquadrar com a realidade económico-financeira do País;
- relativamente ao ano de 2022, o valor a ter em conta deverá ser o correspondente ao SMN, acrescido de 12,8%, ou seja, € 795,24;
- tal valor deverá ser tido em conta na elaboração do Relatório Anual correspondente ao 2º ano de cessão de rendimentos;
- relativamente ao ano de 2023, o valor a ter em conta deverá ser o correspondente ao SMN, acrescido de 12,8% - € 857,28;
- caso assim não se entenda, o rendimento disponível que corresponde ao que ultrapassar o valor de € 750,00 mensais, encontra-se desfasado da realidade económico-financeira que actualmente vivemos, tendo em consideração a inflação que se faz sentir, pelo que requer a actualização do valor do rendimento disponível do insolvente, para todo aquele que ultrapasse a quantia de € 857,28 mensais;
- o rendimento indisponível deve ser calculado com referência a 14 meses porque também a RMMG, que corresponde àquele que o Estado fixa como mínimo necessário ao sustento minimamente digno do trabalhador, é recebida 14 vezes;
- requer seja confirmado que o rendimento atribuído ao insolvente, deverá ser considerado por 14 meses, dividido por 12.

Foi ordenada a notificação da Sra. Fiduciária para se pronunciar, o que a mesma fez a 17/03/2023, dizendo que:
- não foram apresentadas, pelo insolvente, despesas que ao abrigo do 239º n.º 3, al. b, ponto iii), relevam para serem ressalvadas, assim como não foram alegadas alterações ás suas condições de vida que conduzam a uma reapreciação da situação do insolvente que justifique uma alteração do montante do rendimento indisponível fixado, tendo por base os critérios de razoabilidade e dignidade, ponderando-se, por um lado, o interesse legítimo dos credores e, por outro, a necessidade de garantir a um devedor uma vida digna;
- no Relatório a elaborar anualmente, o cálculo deverá ter como referência um ano e não a cada um dos meses, devendo ser aclarado o valor a considerar mensalmente para esse cálculo, bem como o esclarecimento que vier a ser prestado, deve ser tido em consideração no Relatório que está a ser elaborado referente ao período de Fevereiro de 2022 a Janeiro de 2023.

A 20/03/2023 foi proferido o seguinte despacho:
Não tendo sido pelo insolvente alegados factos que fundamentem um pedido de alteração do montante do rendimento indisponível fixado, não sendo o pedido ora formulado uma mera actualização, indefere-se ao requerido.---
Por outro lado, esclarece-se que, sabendo ser comum proceder-se à fixação de um rendimento com referência mensal, a informação a prestar pelo Fiduciário quanto a quantias a ceder que excedam aquele valor deve ser prestada anualmente, sendo que, quando os rendimentos não se mantenham estáveis ao longo desse período de tempo, deve o cálculo ser efetuado com referência a um ano e não a cada um dos meses.---

Interpôs o Insolvente recurso, pedindo que:
a) Se ordene a atualização do rendimento indisponível atribuído ao insolvente de acordo com o valor do SMN acrescido de 12,8%, em cada ano do período de cessão de rendimentos;
b) Subsidiariamente, se altere o montante do rendimento indisponível atribuído ao insolvente para 1SMN acrescido de 12,8% com efeitos retroativos à data do requerido em juízo;
c) Se ordene que o cálculo do rendimento indisponível deve ser realizado tendo em consideração que aquele não deverá ser inferior à RMMG multiplicada por 14, dividida por 12.
Terminou as alegações [1] com as seguintes conclusões:
1- Por despacho inicial de exoneração de passivo restante, datado de 2021, o Tribunal a quo atribuiu ao insolvente o rendimento indisponível de 750,00€ (setecentos e cinquenta euros mensais).
2- O Recorrente não pode conformar-se com a não atualização anual do referido montante a título de rendimento indisponível tendo em consideração a atualização anual do salário mínimo nacional e a inflação que atravessa o País.
3- O Recorrente requereu a atualização do valor do rendimento disponível, referente ao ano de 2022 para 795,24€, e a vigorar no ano de 2023, o valor de 857,28€.
4- Em alternativa, caso assim não se entendesse, o Recorrente solicitou a alteração do valor do rendimento indisponível a partir da data do respetivo pedido para € 857,28.
5- A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo indeferiu o solicitado, invocado que não foram alegados factos que fundamentem um pedido de alteração do montante do rendimento indisponível fixado, mas, apenas uma mera atualização do mesmo.
6- O Recorrente não se pode conformar com o despacho proferido que, salvo o devido respeito, enferma de manifesta falta de fundamentação, quanto à questão do pedido de alteração do valor do rendimento indisponível, pelo que é nulo.
7- O valor atribuído ao insolvente corresponde a um valor fixo, que não fora indexado a qualquer valor de referência, nomeadamente, ao salário mínimo nacional, que corresponde, exatamente ao limite mínimo que a nossa jurisprudência e doutrina têm entendido ser o montante mais baixo que, ainda assim, é suscetível de assegurar a subsistência com o mínimo de dignidade, para um adulto.
8- No ano de 2021, o salário mínimo nacional correspondia ao valor de € 665,00
(seiscentos e sessenta e cinco euros), pelo que, o Tribunal, tendo em consideração a situação sócio-económica do insolvente e do seu agregado familiar, atribui-lhe o valor correspondente a 1 SMN acrescido de 12,8%.
9- O valor do rendimento atribuído ao Recorrente tem de ser atualizado no decorrer dos anos do incidente de exoneração do passivo restante, para se enquadrar com a realidade económico-financeira do País.
10- O montante do rendimento indisponível atribuído ao recorrente, a vigorar relativamente ao ano de 2022, deve ser atualizado para € 795,24, devendo ser tido conta na elaboração do Relatório Anual correspondente ao 2º ano de cessão de rendimentos.
11- Assiste ao Recorrente o direito de requerer a atualização do montante do rendimento indisponível, tendo em conta a alteração do salário mínimo nacional, o qual, acompanha o crescimento da economia e a inflação.
12- O montante do rendimento indisponível atribuído ao recorrente, a vigorar relativamente ao ano de 2023, deve ser atualizado para € 857,28.
13- Não existiu qualquer oposição por parte dos credores ou de qualquer outro interveniente processual à atualização anual do rendimento indisponível atribuído ao Recorrente.
14- O Recorrente, subsidiariamente, requereu ao Tribunal a quo a alteração do
montante do rendimento indisponível atribuído, fundamentando que, o mencionado valor de € 750,00 encontra-se desfasado com a realidade económico-financeira que atualmente vivemos, tendo em consideração a inflação que se faz sentir em todos os sectores económicos.
15- No presente ano de 2023, o rendimento indisponível no valor de € 750,00 encontra-se abaixo do valor do salário mínimo nacional em vigor.
16- O critério a usar pelo julgador é o da dignidade da pessoa humana o que, numa abordagem liminar ou de enquadramento, se pode associar à dimensão dos gastos necessários à subsistência e custeio de necessidades primárias.
17- Tal facto não pode ser ignorado uma vez que, deve ser tido em conta para efeitos de uma determinação justa e equilibrada ponderação, entre o interesse do devedor, neste caso, a atribuição de um valor que seja razoavelmente necessário ao sustento minimamente digno do mesmo e do seu agregado familiar, e por outro, o interesse dos credores na expetativa da recuperação, ainda que parcial dos seus créditos.
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