Acórdão nº 3784/12.0TBMTS-A.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-12-04

Ano2022
Número Acordão3784/12.0TBMTS-A.L1-2
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os juízes da 2ª secção (cível) do Tribunal da Relação de Lisboa:

1. RELATÓRIO
AO deduziu oposição à execução que foi instaurada por SUPER BOCK BEBIDAS, S.A. (anteriormente denominada, UNICER BEBIDAS, S.A.) contra MM__ & GD__ – ACTIVIDADES HOTELEIRAS, LDA, pedindo que a oposição seja declarada procedente, por inutilidade superveniente da lide, por prescrição e pagamento.
Foi proferida sentença que julgou improcedentes os embargos.
Inconformado, veio o executado/opoente apelar da sentença, tendo extraído das alegações[1],[2] que apresentou as seguintes
CONCLUSÕES[3]:
1. A sentença recorrida violou o estatuído no artigo 317.º do CC ao ter julgado improcedente a prescrição assacada pelo ora recorrente nos seus embargos, com fundamento na circunstância de a alegação de pagamento impedir a invocação de prescrição, de acordo com o 325.º do CC.
2. Todavia, deste último normativo legal não se retira a impossibilidade de se invocar a prescrição, mas apenas o recomeço da sua contagem, sempre que houver o reconhecimento do direito perante o respetivo titular.
3. Por outro lado, como se poderá comprovar dos pontos 19 e 22 dos embargos deduzidos pelo ora recorrente, por este não foi impugnado o valor da dívida assacada, tendo apenas aí alegado que nada devia à exequente, porque já lhe tinha pago o crédito existente.
4. Por conseguinte, alegando-se que os bens prestados pela exequente já foram pagos,
beneficia o ora recorrente, note-se, pessoa singular, da presunção da prescrição do crédito invocado, uma vez que passaram mais de dois anos sobre esse fornecimento e a data em que o ora recorrente foi citado.
5. Acresce que, em consequência da dissolução e liquidação ocorrida na primitiva
executada MM__ & GD__ – Actividades Hoteleiras, Lda., por despacho de 26/11/2018 tomou o ora recorrente processualmente o lugar daquela executada.
6. Sobre a prolação do referido despacho não foi interposto recurso ou impugnação.
7. Não obstante o transito em julgado do dito despacho, todavia, a responsabilidade do ora recorrente não é ilimitada, como parece decorrer do teor da sentença recorrida.
8. Na verdade, o ora recorrente, como antigo sócio da primitiva executada, em virtude
da extinção desta, apenas responderá pelo passivo social até ao limite do montante que haja eventualmente recebido da partilha da primitiva executada.
9. Na sentença recorrida não foi dado como provado que o ora recorrente tenha recebido qualquer bem ou valor em virtude da extinção da primitiva executada, nem tão pouco que tenha ocorrido sequer partilha.
10. Ao ter a sentença recorrida julgado totalmente improcedente os embargos, tal terá
como consequência a prossecução da presente execução contra o executado AO, sem qualquer limitação imposta por aquela sentença, o que levará à penhora de bens tendo em vista a satisfação integral da divida exequenda, em violação do disposto no n.º 1 do artigo 163.º do CSC.
11. A tudo acresce que se é verdade que a sentença recorrida deu como provado o pagamento de 7 prestações de 500,00€ no âmbito da execução movida pela recorrida, contra a sociedade Quitanda, o certo é que aquela sentença não deu como provado quantas prestações pagou esta sociedade no âmbito do acordo de pagamento que haviam celebrado.
12. Pelo que, tendo a sentença recorrida dado como provado que no período compreendido entre 02/03/2014 e 17/04/2017 foram realizados pagamentos à recorrida no valor de 14 000,00€, forçoso será concluir que tal verba foi adstrita ao pagamento da divida exequenda dos presentes autos, dado que a sentença recorrida não deu como provado quais e quantas prestações foram pagas no âmbito do mencionado acordo de pagamento.
13. Motivo, pelo qual, ter-se-á de entender que os demais pagamentos dados como provados no ponto 3 da matéria de facto provada, que totalizam o valor de 14 000,00€, foram realizados para pagamento da divida exequenda assacada no âmbito dos presentes autos.
14. Assim, ao invés do sucedido, deveria a sentença recorrida dar como provado o pagamento parcial da divida exequenda, ao invés de ter julgado totalmente improcedente os embargos, tendo, por conseguinte, analisado incorretamente a matéria dada como assente.
O exequente/embargado não contra-alegou.
Colhidos os vistos[4], cumpre decidir.
OBJETO DO RECURSO[5],[6]
Emerge das conclusões de recurso apresentadas por AO, ora apelante, que o seu objeto está circunscrito às seguintes questões:
1.) Saber se deve ser reapreciada a matéria de facto impugnada.
2.) Saber se está prescrito o direito de crédito da apelada pelo fornecimento de bens à executada.
3.) Saber se estão reunidas as condições para o prosseguimento da execução por dissolução da sociedade executada da qual era sócio o apelante.
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. FACTOS PROVADOS NA 1ª INSTÂNCIA
1 - O ora embargante era sócio da ‘Quitanda – Actividades Hoteleiras Lda.’, e seu gerente, desde 26-VII-06 (fls. 18).
2 - Em 3-II-12 a ‘Unicer Bebidas S.A.’ instaurou execução contra a sociedade supra – no âmbito da qual, após pagamento de 7 prestações de 500€ cada entre 2-IV-13 e 2-XII-13 (fls. 24v), foi celebrado um acordo de pagamento de 21 800€ em 24 prestações mensais e sucessivas (fls. 25).
3 - Em 2-III-14 foi paga à embargada a quantia de 1000,00€; em 13- VII-13, 500€; em 16-IX-13, 500€; em 28-VII-13, 500€; em 3-VI-13, 500€; em 4-XI-13, 500€; em 25-IV-17, 5000€; em 26-IV-17, 5000€; em 17-IV-17, 3000€.
2.2. FACTOS NÃO PROVADOS NA 1ª INSTÂNCIA
4 - Foi feito um pagamento de 3000,00€ à embargada.
5 - O embargante (ou terceiro) pagou a quantia ora exequenda.
2.3. O DIREITO
Importa conhecer o objeto do recurso, circunscrito pelas respetivas conclusões, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e as que sejam de conhecimento oficioso[7] (não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objeto).
1.) SABER SE DEVE SER REAPRECIADA A MATÉRIA DE FACTO IMPUGNADA.
A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa – art. 662º/1, do CPCivil.
Pretendeu a Reforma de 2013, “reforçar” os poderes da 2ª instância em sede de reapreciação da matéria de facto impugnada. Assim, a Relação, para além de manter os poderes cassatórios (ou de anulação) da decisão recorrida decorrente de uma fundamentação indevida, insuficiente, obscura ou contraditória, passou a ver substancialmente incrementados os poderes-deveres de reapreciação fáctica, ordenando, quer a renovação (repetição) dos meios de prova pessoal, quer a produção de novos meios de prova”. Poderes esses (de utilização oficiosa), não só de caráter inquisitório, como também de carácter instrutório, em ordem ao proclamado e aludido desideratrum do alcance da verdade material[8].
Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida, e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas – art. 640º/1/a/b/c, do CPCivil.
A não satisfação destes ónus por parte do recorrente implica a rejeição imediata do recurso[9].
Ele (recorrente) tem de especificar obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizada, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da adotada pela decisão recorrida[10].
Parece ter sido deliberado propósito do legislador não instituir, nesta sede, qualquer convite ao aperfeiçoamento da alegação a dirigir ao apelante. A lei é a este respeito imperativa, ao cominar a imediata rejeição do recurso, nessa parte, para a falta de incumprimento pelo recorrente do referido ónus processual[11].
Não cumprindo o recorrente os ónus do artigo 640º/1 do CPCivil, dever-se-á rejeitar o seu recurso sobre a matéria de facto, uma vez que a lei não admite aqui despacho de aperfeiçoamento, ao contrário do que sucede quanto ao recurso em matéria de direito, face ao disposto no art. 639º/3 do mesmo código[12].
Nas conclusões das suas alegações, basta que o recorrente refira, de forma sintética, os pontos de facto que considera incorretamente julgados e a resposta alternativa que, em sua opinião, se impõe, não cabendo ao recorrente voltar a cumprir nessas conclusões o ónus de indicar os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem uma diversa decisão sobre aqueles pontos[13],[14].
*
Vejamos se o apelante, tendo impugnado a decisão proferida sobre a matéria de facto, cumpriu os ónus de especificação/identificação que se referem no art. 640º/1/2, do CPCivil.
O apelante alegou que “tendo a sentença recorrida dado como provado que no período compreendido entre 02/03/2014 e 17/04/2017 foram realizados pagamentos à recorrida no valor de 14 000,00€, forçoso será concluir que tal verba foi adstrita ao pagamento da divida exequenda dos presentes autos, dado que a sentença recorrida não deu como provado quais e quantas prestações foram pagas no âmbito do
mencionado acordo de pagamento”.
Assim, concluiu que “ter-se-á de entender que os demais pagamentos dados como provados no ponto 3 da matéria de facto provada, que totalizam o valor de
14 000,00€, foram realizados para pagamento da divida exequenda assacada no
âmbito dos presentes autos”.
Em relação a tal matéria de facto, o tribunal a quo deu como provado que:
- Em 2-III-14 foi paga à embargada a quantia de
...

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