Acórdão nº 378/17.7T8PVZ.P2 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-06-27

Ano2022
Número Acordão378/17.7T8PVZ.P2
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Impugn-EscrituraJustfNotarial-RMF-378/17.7T8PVZ.P2
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SUMÁRIO[1] (art. 663º/7 CPC):
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Acordam neste Tribunal da Relação do Porto (5ª secção judicial – 3ª Secção Cível)

I. Relatório
Na presente ação declarativa que segue a forma de processo comum, em que figuram como:
- AUTOR: AA, residente na Rua ..., ..., Oliveira de Azeméis; e
- RÉUS: BB e marido, CC, residentes na Rua ..., ..., Matosinhos,
pede o Autor:
a) que se declare a ineficácia da escritura de justificação outorgada em 28 de janeiro de 2015, no Cartório Notarial de Matosinhos da Notária DD, em que os réus são “Primeiros Outorgantes”;
b) que se declare a inexistência do direito titulado pela escritura referente à aquisição por usucapião do prédio identificado em 8 da petição;
c) que se declare que os réus não adquiriram o direito de propriedade do prédio identificado na escritura de justificação identificada em 8 da petição;
d) que se ordene o cancelamento de quaisquer registos efetuados com base na escritura aqui impugnada;
e) que o prédio seja restituído à herança aberta por óbito de EE; e,
f) que se anule a alegada compra e venda verbal efetuada por EE e FF, pais do autor, à filha, ora ré mulher, e seu marido, por falta de consentimento do outro filho, ora autor.
Alegou para o efeito e em síntese, que por escritura pública de justificação notarial outorgada no dia 28 de janeiro de 2015, os réus declararam “Que são donos e legítimos proprietários da proporção de uma quarta parte indivisa (único direito que possuem) do prédio rústico, composto de terra de mato (ou pinhal), sito no lugar ..., denominado ..., extinta freguesia ..., concelho de Matosinhos, inscrito na matriz rústica da união das freguesias ... e ... sob o artigo ..., proveniente do art. 234 extinta freguesia ..., (…) descrito na Conservatória do Registo Predial de Matosinhos sob o número ..., daquela extinta freguesia e aí registada a referida fração de direito a favor de EE e mulher FF, pela inscrição Ap. ..., de 1988/20/26.
Aquele direito sobre o imóvel foi adquirido pelos primeiros outorgantes na constância do seu matrimónio, por compra verbal, feita aos respetivos sogros e pais, EE e mulher FF, identificados titulares inscritos no registo predial, ambos já falecidos, por volta do ano de mil novecentos e oitenta e seis. Que assim, não são detentores de qualquer título formal que legitime o seu domínio, não obstante isso, possuem a referida fração de direito sobre o imóvel, em nome próprio, há mais de vinte anos, nele praticando os normais atos correspondentes ao exercício do direito de propriedade conjuntamente com os restantes comproprietários (…), usufruindo-o, gozando todas as suas utilidades, por ele proporcionadas, e de entre outros, arando a terra, plantando e cortando as árvores, apanhando e vendendo a lenha, limpando o mato e dele retirando os rendimentos inerentes, sem a menor oposição de quem quer que seja desde o início, posse que sempre exerceram e vêm exercendo, ininterrupta e ostensivamente, com conhecimento da generalidade das pessoas da referida extinta freguesia ..., atual união de freguesias vizinhas, traduzida em atos materiais de fruição e de defesa, sendo por isso uma posse pacífica, contínua e pública, pelo que, na impossibilidade de poderem comprovar a aquisição do direito sobre o imóvel, pelos meios normais, procedem à presente justificação notarial com base em usucapião, que invocam”.
Alegou, ainda, que a referida escritura de justificação foi publicada por extrato no Jornal ....
O autor e a ré mulher são irmãos, filhos de EE e FF, titulares inscritos na CRP de Matosinhos do prédio justificado. São ainda filhos dos referidos EE e mulher e irmãos do autor e da ré mulher: GG, HH e II.
Há mais de trinta anos que o autor não reside nem frequenta o concelho de Matosinhos. Também não lê o Jornal .... Assim, só agora teve conhecimento da celebração da escritura acima identificada, da qual obteve cópia em 05.04.2016.
Pese embora os réus tenham conhecimento da sua morada e da dos demais irmãos da ré mulher, o autor nunca foi notificado do requerimento e dos documentos apresentados pelos réus para a referida escritura, sendo que estes requereram a notificação edital, para efeitos do art.º 99º do Código do Notariado, dos seus irmãos e cunhados, bem sabendo que dessa forma dificultariam ou impossibilitariam o conhecimento da outorga da escritura por parte dos mesmos, escritura essa que os prejudicava nos seus direitos.
Mais alegou não ser verdade que o prédio objeto dessa escritura foi vendido verbalmente por EE e mulher aos réus, tal como não é verdade que os réus possuem esse prédio nos moldes declarados na referida escritura. Esse prédio foi comprado por EE e mulher a JJ e mulher, o que terá sucedido no ano de 1982. Depois da compra, por volta de 1983/1984, EE e mulher construíram nele uma casa de habitação, a qual foi inscrita na matriz no ano de 1986, em nome deles, como prédio urbano, ao qual foi atribuído o artigo matricial urbano ... da freguesia ... e que corresponde ao atual artigo matricial urbano ... da união de freguesias ... e .... Com a inscrição da totalidade do prédio rústico em prédio urbano, o prédio rústico, por si só, deixou de ter individualidade, passando a estar totalmente integrado no prédio urbano. Após a construção da referida casa de habitação, EE e mulher passaram a aí residir com os seus filhos, incluindo a ré mulher e seu marido, com exceção do autor que já tinha casado e saído de casa dos pais. Foi essa a casa de morada de família de EE e mulher até à morte de cada um deles, ocorrida em 06.10.1990 e 03.10.1988, respetivamente.
Referiram, ainda, que os réus, depois de casados, sempre viveram nessa casa e aí continuaram a viver após a morte daqueles. Os réus sempre souberam que a casa onde sempre residiram se encontra implantada no prédio rústico a que se reporta a escritura de justificação e que este último já não tem autonomia enquanto artigo rústico, pois está totalmente integrado no artigo urbano. E também sempre souberam que esse prédio urbano é um bem pertencente à herança aberta por óbito dos pais da ré mulher e do autor, sendo que nunca foram feitas partilhas dos bens por eles deixados. Ao declararem o que declararam na escritura aqui posta em crise, os réus faltaram consciente e intencionalmente à verdade com a intenção de prejudicarem os demais herdeiros da referida herança.
Os réus arquitetaram um plano para, de forma a não fazerem partilhas, adquirirem a casa de habitação que fora dos pais da ré mulher. Assim, em 28.01.2015 outorgaram a escritura de justificação acima identificada, bem sabendo que já não existia o prédio nela referenciado enquanto prédio rústico e declarando falsidades, como a alegada compra verbal aos pais da ré mulher e os alegados atos de posse sobre o prédio.
Posteriormente, em 01.06.2015, tendo um título, outorgaram uma escritura de divisão de coisa comum “por acordo de uso”, na qual fizeram constar que no aí denominado lote ... se encontrava implantada a casa de habitação, correspondente artigo matricial urbano ... da união de freguesias ... e .... Com a outorga das duas escrituras, os réus conseguiram obter um título para, junto do Serviço de Finanças, alterarem os titulares do referido artigo matricial urbano ..., passando eles a figurar como tal e, assim, puderam registá-lo na CRP em seu nome.
Conclui o autor que a escritura de justificação em causa deverá ser declarada ineficaz e, consequentemente, ser declarada a inexistência do direito titulado pela mesma, com a restituição à herança do prédio em causa.
Mais alegou que a compra e venda verbal que na escritura de justificação se refere ter sido realizada pelos pais do autor e da ré mulher a esta e ao seu marido, a ter existido, o que impugnam, foi feita sem o consentimento do autor, sendo, como tal, anulável.
Por fim, requereu a intervenção principal dos demais herdeiros do seu falecido pai, como associados do autor, para garantir a legitimidade ativa em relação ao pedido de restituição à herança do referido prédio.
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Citados os réus apresentaram contestação e formularam pedido reconvencional.
Alegaram para o efeito e em síntese, que os pais do autor e da ré, por volta de 1981, foram despejados da casa onde viviam com os seus dois filhos solteiros, HH e II. Como sozinhos não reuniam condições para arrendar ou comprar casa, eles, os réus e a irmã GG e marido, KK, entre os três casais, acordaram comprar em comum e partes iguais a parcela de terreno (1/4) do prédio inscrito na matriz rústica da União das Freguesias ... e ... sob o artigo ..., proveniente do artigo ... da extinta freguesia .... Nessa parcela, entre os três, construíram uma casa que logo após a edificação das paredes e construção do telhado passaram a habitar em conjunto, a qual foi inscrita na matriz urbana sob o artigo matricial ... da freguesia ..., que corresponde ao atual artigo matricial urbano ... da união de freguesias ... e .... Cada um pagou 100 contos pela parcela de terreno, tendo a construção sido suportada pelos três em partes iguais até meados de 1986, altura em que já se encontrava finda a fase de pedreiro, canalização de água e ligação de luz. Desses factos todos os irmãos tiveram conhecimento, inclusive o autor, que até pelo menos 1990, ano da morte do pai, tinha uma relação próxima com toda a família, frequentando a casa dos réus e da irmã GG e que também foi dos pais até 1986.
Em 1986, ainda a construção não estava concluída, a mãe do autor e da ré mulher adoeceu e o pai deixou de ter possibilidades para contribuir com dinheiro para as despesas inerentes à continuação da obra. Os três casais, até então detentores da totalidade do terreno e construção inacabada, já inscrita na matriz urbana a favor dos pais, acordaram que estes vendessem o seu 1/3 aos réus, o que veio acontecer ainda no ano de 1986, pelo
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