Sentença ou Acórdão nº 0000 de Tribunal da Relação, 01 de Janeiro de 2023 (caso Acórdão nº 3731/21.8T8BRG-A.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-06-22)

Data da Resolução01 de Janeiro de 2023

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte:

RELATÓRIO

AA, residente na Rua ..., ... ..., instaurou ação declarativa, de condenação, sob a forma de processo comum, contra E... Inc., com sede em 209, ..., ..., ..., ..., ..., pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 180.000,00 euros, a título de indemnização por danos patrimoniais de personalidade sofridos por via da utilização indevida da sua imagem e nome, e a quantia de 5.000,00 euros, a título de compensação por danos não patrimoniais sofridos, ambas acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, até integral pagamento.
A Ré contestou defendendo-se por exceção e por impugnação.
Invocou a exceção dilatória da incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecerem da relação jurídica material controvertida delineada pelo Autor na petição inicial.
Suscitou as exceções perentórias da prescrição do direito indemnizatório que é exercido pelo Autor contra aquela, do licenciamento dos direitos de imagem a favor da Ré e do abuso de direito.
Impugnou parte da facticidade alegada pelo Autor.
Concluiu pedindo que, por via da procedência da exceção dilatória suscitada, se absolvesse a mesma da instância, subsidiariamente, que, por via da procedência das exceções perentórios que invocou, fosse absolvida do pedido, e que, em todo o caso, se julgasse a ação improcedente e se absolvesse aquela do pedido.
Por despacho proferido em 23/03/2022, fixou-se o valor da presente causa em 185.000,00 euros, dispensou-se a realização de audiência prévia e conheceu-se da exceção dilatória absoluta do tribunal, decorrente da incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecerem da relação jurídica material controvertida delineada pelo Autor na petição inicial suscitada pela Ré, julgando essa exceção procedente e, em consequência, absolveu-se a última da instância.
O Autor interpôs recurso do despacho acabado de referir, tendo esta Relação, por acórdão de 13/07/2022, transitado em julgado, julgado o recurso procedente, revogando a decisão recorrida e, em consequência, julgou improcedente a exceção de incompetência internacional do Juízo Central Cível ... e determinou o prosseguimento do processo.
Por despacho de 17/12/2022, a 1ª Instância dispensou a “audiência prévia, nos termos do disposto no art. 593º, n.º 1 do CPC”, proferiu despacho saneador tabelar, relegou o conhecimento das exceções perentórias invocadas pela Ré, com fundamento de que “a decisão sobre tais questões depende de prova ainda a produzir”, fixou o objeto do litígio e os temas da prova e conheceu dos requerimentos de prova apresentados pelas partes, a quem concedeu prazo para reclamarem e alterarem os seus requerimentos probatórios.

Inconformado com esta decisão, a Ré interpôs o presente recurso de apelação, sustentando que este é imediatamente recorrível, nos termos da al. h), do n.º 2, do art. 644º do CPC, dado que na decisão recorrida ocorreu violação do princípio do contraditório, apresentando as seguintes conclusões:

a) O presente recurso de apelação visa sindicar vários despachos proferidos com data de 17.12.2022 e referência Citius ...75, nos termos dos quais o Tribunal decidiu: Dispensar a audiência prévia ao abrigo do artigo 593.º, n.º 1 do CPC; Proferir despacho saneador ao abrigo do qual remeteu para conhecimento final a matéria de exceção perentória invocada pela ré, designadamente, atinente à prescrição do direito do autor, à existência de licença para exploração comercial da imagem dos jogadores de futebol no plano coletivo adquirida pela ré à F..., e ao abuso de direito do autor, atendendo a que a decisão sobre tais questões depende de prova ainda a produzir; Decidir acerca da identificaçãodoobjetodo litígioeenunciaçãodos temasda prova;Programaros atos da audiência.
b) Aos referidos despachos assacam-se os vícios de nulidade ao abrigo dos artigos 195.º, n.ºs 1 e 2 do CPC e 615º, n.º 1, alínea d) do CPC, bem como a violação de várias normas e princípios, como sejam, as normas contidas nos artigos 593.º, n.º 1, 591.º, n.º 1, alíneas b) a g), artigo 595.º, n.º 1, 3.º, n.º 3 (princípio do contraditório), 6.º, n.ºs 1 e 2 ( dever de gestão processual), 574.º ( dever de adequação formal) e artigo 20.º, n.º 4 da Constituição da República Portuguesa, este como garante do princípio do processo justo e equitativo.
c) O Tribunal decidiu, por despacho, dispensar a realização da audiência prévia por entender que esta se destinava apenas aos fins indicados nas alíneas d), e) e f) no n.º 1 do artigo 591.º do CPC, contudo, como adiante se demonstrará, atentas as especificidades da causa, a audiência não podia ser dispensada, já que a mesma não se destinaria apenas àqueles fins se tivesse sido convocada numa "normal" tramitação dos autos, antes se destinaria, nomeadamente, a facultar às partes a discussão nos termos previstos na alínea b) do referido artigo 591º, n.º 1.
d) Nocasoconcreto, as razõesde factoe de direito, bemcomoos meios de prova inerentes às exceções perentórias invocadas pela ré na contestação, quanto à prescrição, licenciamento e abuso de direito, exigiam que fosse dada às partes a oportunidade de as discutirem em audiência prévia, tratando-se, como se trata, de exceções suscetíveis de levar o Tribunal a projetar conhecer imediatamente, no todo ou em parte, do mérito da causa, sem necessidade de mais provas.
e) Tais exceções não se encontravam sequer suficientemente debatidas, uma vez que o Tribunal nem sequer convidou o autor a pronunciar-se sobre elas, e este, também, por sua vez não respondeu voluntariamente às mesmas, nem impugnou os documentos.
f) Considerando estas posições das partes face às questões suscitadas em sede de exceções perentórias, o Tribunal deveria ter reconhecido toda a vantagem em proceder a uma prévia discussão de facto e de direito, pugnando pelo dever de cumprimento dos princípios da cooperação, do contraditório e da oralidade.
g) Nesta conformidade, a realização da audiência prévia, só poderia ter sido afastada ao abrigo dos deveres de gestão processual e adequação formal (artigos 6.º e 547.º do CPC), sem prejuízo, no entanto, de a dispensa ser precedida da indispensável consulta às partes, por exigência do princípio do contraditório, como decorre do art.º 3º, nº 3, do CPC., o que no caso, flagrantemente, não aconteceu.
h) A dispensa da audiência prévia, neste caso dos autos, que não admite essa dispensa e em que não foi dado o contraditório às partes para se pronunciarem sobre essa dispensa, é uma irregularidade processual, que implica uma nulidade processual, porquanto, a lei entende que a observância do contraditório – na vertente de se dar às partes a possibilidade de influenciarem as decisões – deve ter lugar oralmente, perante o juiz e, por isso, a não observância deste modo de exercício do contraditório influiu nas decisões que vieram a ser tomadas nos despachos saneador, de identificação dos temas da prova e programação da audiência final, uma vez que os mesmos dependem diretamente do que venha a ser decido após o debate prévio das questões de facto e de direito.
i) A nulidade processual que se verifica nos termos do disposto no artigo 195.º, n.ºs 1 e 2, traduzida na omissão de um ato que a lei prescreve, ou seja, na omissão de convocar uma audiência prévia quando obrigatória, dever ter-se por comunicada aos restantes despachos que devem ser considerados nulos por excesso de pronúncia nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d), in fine, do CPC.
j) Dito de outro modo, não devendo ter sido dispensada a audiência prévia no caso dos autos, foi omitida uma formalidade de cumprimento obrigatório, sendo nela que devia ter sido previamente discutido o que veio a ser decidido quer no despacho saneador quer nos restantes despachos que delimitaram o objeto do litígio, os temas da prova, e a preparação da audiência, cuja dinâmica e estrutura estão diretamente relacionadas e dependentes das questões a discutir naquela audiência, como tal, também estes, se encontram, por arrastamento, inquinados de nulidade, nos termos do já citados dispositivos legais, artigos 195, n.º 1 e 2 e 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC.
k) O recurso é de apelação autónoma (artigo644.º, n.º 2, alínea h) do CPC),legítimo (artigo 631.º, n.º 1 do CPC), tempestivo (638.º, n.º 1, 2ª parte e 139.º, n.º 5 do CPC), admissível, com efeito meramente devolutivo (art.º 647.º, n.º 1 do CPC) e subida em separado (a contrariu sensu do art.º 645.º, n.ºs 1 e 2).
l) Uma vez que as referidas nulidades se encontram consubstanciadas na violação do princípio do contraditório, convoca-se ainda como fundamento do recurso o disposto no artigo 630.º, n.º 2, 2.ª parte do CPC, ao abrigo do qual se admite o recurso dos despachos que contendam com o princípio do contraditório, como é, flagrantemente, o caso.
m) Em face do exposto deve ser procedente o presente recurso e, consequentemente, anulados todos os despachos aqui impugnados, ordenando-se a convocação das partes para a realização da audiência prévia omitida com as finalidades previstas nas alíneas b) a g) do n.º 1 do artigo 591.º do CPC ou, proferir o despacho ao abrigo dos princípios de adequação formal e gestão processual previstos nos artigos 547.º e 6.º do CPC, convidando as partes a pronunciar-se sobre a possibilidade de dispensa desta diligência, sobre as exceções perentórias e sobre o mérito da causa.
n) À cautela, a ré em momento anterior à interposição do recurso, no cumprimento do prazo que se impunha, requereu ao abrigo do artigo 593.º, n.º 3 do CPC a realização da audiência prévia, com vista a reclamar dos despachos de identificação do objeto do litígio e temas da prova, de programação dos atos da audiência, devendo tal requerimento ficar suspenso, ao abrigo do artigo 272.º do CPC, a aguardar a prolação da decisão...

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