Acórdão nº 37/22.9BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 2022-05-19

Ano2022
Número Acordão37/22.9BCLSB
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

T…, m.i. nos autos, veio, previamente à instauração da acção principal, requerer providência cautelar contra a Força Aérea Portuguesa de suspensão de eficácia da decisão de Sua Excelência, o Chefe de Estado-Maior da Força Aérea, de 5 de Novembro de 2021, que o puniu com a pena disciplinar de “cessação compulsiva do regime de contrato”, determinando a sua reintegração no serviço que desempenhava na Força Aérea.
Para o que alegou, em síntese, que:
- Estando em causa a aplicação de uma pena disciplinar, para além dos critérios de decisão previstos no artigo 120º do CPTA é aplicável o disposto no artigo 3º da Lei nº 34/2007, de 13 de Agosto;
- O acto suspendendo é nulo por violação das suas garantias de audiência e de defesa na acusação, por omissão das normas que qualificam juridicamente os factos que lhe foram imputados e da pena aplicável, bem como da identificação do equipamento usado para realizar os testes de alcoolemia que realizou;
- Por configurar decisão surpresa, em violação do princípio do contraditório, ao não considerar como circunstância atenuante a confissão, tal como consta da acusação, e constar, pela primeira vez, que com a prática dos factos que lhe foram imputados terá gerado uma “quebra irremediável da confiança institucional, incompatível com a sua permanência na Força Aérea;
- Por aplicar o disposto na alínea d) do nº 3 do Despacho nº 31/2009 do CEMFA, que estipula que o pessoal que desempenhe na Força Aérea a função de condução de viaturas deve apresentar um valor zero de taxa de alcoolemia, e que, tal como resulta do acórdão do TRL que indica, é inválida por restringir de forma desproporcionada o seu direito à reserva da vida privada, e ainda por o despacho carecer de norma habilitante e a matéria em causa não poder ser subtraída à reserva de lei v. o artigo 165º, nº 1, alínea b) da CRP;
- Por violação do princípio da igualdade, por a Entidade requerida tratar de forma desigual os militares contratados em relação aos militares dos quadros permanentes, pois não consta que haja um único destes militares que tenha sido alvo de uma decisão disciplinar expulsiva (reforma compulsiva ou separação do serviço) por ter estado sob o efeito de bebidas alcoólicas
- Discorda de que lhe tenha sido assacada a violação dos deveres de responsabilidade e de correcção, previstos nos artigos 19º e 23º do RDM, por não se verificarem os respectivos pressupostos no seu caso, pelo que o acto suspendendo deverá ser objecto de anulação por padecer do vício de violação de lei;
- Encontra-se assim verificado o requisito do fumus boni iuris;
- Quanto ao periculum in mora, o artigo 3º da Lei nº 34/2007, de 13 de Agosto exige que seja demonstrado o fundado receio de uma situação de facto consumado;
- Tinha como única fonte de rendimento a remuneração paga pela Entidade requerida, no valor mensal ilíquido de €1 072,88, e líquido de €776,76, encontra-se a pagar a prestação mensal de €235,85 de um mútuo para aquisição de um veículo automóvel e, por residir aos fins-de-semana na casa da mãe, comparticipa nas despesas de electricidade, gás, água, comunicações e alimentação, num valor mensal de aproximadamente €150,00, tem ainda despesas fixas, como sejam, as mensalidades do telemóvel e serviço de internet, de valor aproximado de €30,00, sendo que no ano de 2021 despendeu o valor de €3 939,19 em despesas gerais e familiares;
- A execução do acto suspendendo teve como efeito imediato a perda do direito de acesso ao subsistema de saúde Assistência na Doença dos Militares;
- E impede-o de concorrer em qualquer concurso de ingresso no quadro permanente, quer das Forças Armadas quer da GNR, mormente o aberto pelo Aviso nº 22490/2021 [DR, 2ª Série, de 30.11.2021];
- Na ponderação dos interesses em presença, salienta que após ter sido notificado do acto suspendendo, em 2.12.2021, e até à sua desvinculação, em 17.12.2021, continuou a desempenhar normalmente as suas funções, integrando, inclusive, a escala de “condutor do dia”, significando que, afinal, para a Entidade requerida os prejuízos para o interesse público pela sua continuidade em funções, não foram assim tão significativos, não vislumbrando que se continuar ao serviço se gere um sentimento de indisciplina no seio das Forças Armadas.
Indicou 1 testemunha, juntou documentos e requereu que a Entidade requerida juntasse aos autos os documentos que indica.

Citada para o efeito, a Entidade requerida deduziu oposição, pugnando pelo não decretamento da providência requerida, porquanto e em síntese:
- Aceita o alegado nos pontos 1 a 9 do requerimento inicial, a partir do ponto 10. os documentos indicados não estão correctos, por exemplo, o que chama de relatório final é o Despacho do CEMFA, de 5.11.2021, pelo que os impugna;
- O processo disciplinar em referência nos autos tem como arguidos não só o Requerente, mas outros militares que, naquele dia, estiveram envolvidos em ocorrências/condutas passíveis de procedimento disciplinar, praticadas ao arrepio dos Planos de Contingência de combate à pandemia Covid-19;
- As Forças Armadas são compostas por homens e mulheres que voluntariamente nelas ingressaram mediante contrato, tendo o serviço militar obrigatório terminado em 19.11.2004;
- Não está verificado o fumus boni iuris exigido no artigo 3º da Lei nº 34/2007, o Requerente foi notificado da instauração do processo disciplinar e da acusação, onde contam os factos que lhe foram imputados, as circunstâncias de tempo, modo e lugar, bem como os deveres militares e normas infringidas, da culpa imputada e prazo para apresentar defesa, o que não fez;
- A confissão de que se tinha embriagado nunca poderia ter relevância para a descoberta da verdade, pois a sua embriaguez era notória;
- É despropositada e sem sentido conclusivo a alegação de que na acusação não foi indicado que os factos que lhe foram imputados terão gerado uma quebra irremediável de confiança institucional, incompatível com a sua permanência na Força Aérea;
- A fls. 14 e 23 do processo disciplinar e no que respeita ao teste efectuado pelo Requerente está indicado o modelo, número de série e a última verificação do aparelho, documento que o mesmo assinou;
- Na alínea d) do nº 3 do Despacho nº 31/2009, do CEMFA, determina-se que o pessoal que conduz viaturas deve apresentar taxa de álcool no sangue negativa, isto é, de valor zero, de qualquer forma e perante qualquer legislação, os valores de álcool que o Requerente apresentou sempre o impediriam de conduzir viaturas, implicarem matéria criminal por estarem muito acima do permitido na lei;
- No ponto 57. alega que não estava sob o efeito de bebidas alcoólicas, mas no 61 diz que confessou estar;
- Quando se candidatou à Força Aérea o Requerente assinou um documento onde se pode ler “1. Compromisso. Deve ter consciência que ao entrar para a Força Aérea vai encontrar uma vida de disciplina com exigências diferentes das quais vigoram na vida civil. Algumas vezes as exigências do serviço têm prioridade sobre as necessidades pessoais, podendo, por exemplo, ser nomeado para cumprir uma missão, a qualquer hora do dia ou da noite, 24 horas por dia, e onde a Força Aérea considerar necessário.” E ainda: “5. Álcool. A embriaguez é, perante o regulamento de disciplina militar, um ato grave de indisciplina que as Forças Armadas encaram com muito rigor. Aqueles que, de forma continuada, incorram nesta situação, podem ser punidos e afastados compulsivamente. Se a situação de embriaguez se verificar em serviço constitui crime estritamente militar.”, pelo que o Requerente tinha plena consciência de que o seu comportamento não era admissível num membro das Forças Armadas”;
- Quanto ao periculum in mora qualquer prejuízo que possa advir para o Requerente foi única e exclusivamente da sua responsabilidade.
Junta processo administrativo instrutor [doravante designado por p.a.].

Foi emitido parecer pela Assessoria Militar, ao abrigo do disposto no artigo 4º, nº 2, alínea b) e nº 3, da Lei nº 79/2009, de 13 de Agosto, no sentido do indeferimento da providência requerida.

Notificado do parecer da Assessoria Militar, o Requerente pronunciou-se, requerendo o seu desentranhamento.

Na sequência de despacho, o Requerente e a Entidade requerida vieram juntar aos autos documentos, não indicado e de junção protestada pelo primeiro, e na posse da segunda.

Foram indeferidos os requerimentos de prova testemunhal e de desentranhamento do parecer da Assessoria Militar, do Requerente.

Sem vistos dos Exmos. Juízes-Adjuntos, por se tratar de processo urgente (cfr. o nº 2 do artigo 36º do CPTA), vem o mesmo à Conferência para julgamento.

O Tribunal é o competente.
O processo é o próprio e não enferma de vícios que o invalidem na sua totalidade.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas em juízo.
Inexistem excepções dilatórias, nulidades ou questões prévias que obstem ao conhecimento do mérito.
Fixamos o valor da causa em €30 000,01.

Com interesse para a decisão a proferir, mostram-se indiciariamente assentes os seguintes factos, cuja motivação será efectuada por remissão para os documentos juntos com o requerimento inicial (r.i.), os constantes do p.a. e apresentados pela Entidade requerida e Requerente, que aqui se dão, desde já, por integralmente reproduzidos, e no acordo das partes (expresso ou por falta de impugnação):

1. O “DESPACHO Nº 31/2009”, de 29 de Junho, do Chefe de Estado-Maior da Força Aérea, tem por “Assunto: FIXAÇÃO DOS VALORES MÁXIMOS DE ÁLCOOL NO SANGUE NA FORÇA AÉREA e o seguinte teor:
«Considerando que o Regulamento de Disciplina Militar (RDM) e o Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem Funções Públicas (EDTEFP) tipificam, respectivamente, como infracção disciplinar o facto de um militar ou de um...

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