Acórdão nº 37/21.6 BEPDL de Tribunal Central Administrativo Sul, 2023-11-09

Ano2023
Número Acordão37/21.6 BEPDL
ÓrgãoTribunal Central Administrativo Sul
Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. RELATÓRIO
S................................. Agency e S ……….. (Recorrentes) vêm, na presente ação urgente de contencioso pré-contratual proposta contra o Fundo Regional de Apoio à Coesão e ao Desenvolvimento Económico e contra a contrainteressada M ………………….., S.A. (Recorridos), interpor recurso jurisdicional do despacho proferido em 17/06/2021 pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Ponta Delgada, na parte em que «entendeu rejeitar todos os meios de prova cuja produção foi requerida pelas (…) Recorrentes, concluindo pela desnecessidade da fase de instrução», bem como da sentença prolatada pelo mesmo Tribunal em 11/08/2021, nos termos da qual a vertente ação foi julgada totalmente improcedente.
Inconformadas, as Recorrentes interpuseram recurso, que culmina com as seguintes conclusões:
«A. O presente recurso é interposto da Sentença datada de 11.08.2021, através da qual o Tribunal a quo julgou improcedente a presente ação de contencioso pré-contratual, e salvo o devido respeito por entendimento diverso, tal decisão não se pode manter na ordem jurídica porquanto é manifesta e ostensiva a nulidade de que padece, bem como os vários vícios de que enferma e que consubstanciam erros de julgamento (quanto à matéria de facto e de direito).
B. Constitui igualmente objeto do presente recurso, nos termos do disposto no artigo 142.º n.º 5, do CPTA, o Despacho interlocutório datado de 17.06.2021, através do qual o Tribunal entendeu rejeitar todos os meios de prova cuja produção foi requerida pelos Autores, aqui Recorrentes, concluindo pela desnecessidade da fase de instrução.
C. Conforme se logrará evidenciar o Tribunal a quo deliberadamente não se pronunciou nem escrutinou um dos pedidos e fundamentos da presente ação, pedido esse que o próprio Tribunal identifica claramente como sujeito à sua exegese: incumprimento da proposta da contra interessada das alíneas d) e k) do artigo 4.º, n.º 1, do Caderno de Encargos.
D. E tal omissão de pronúncia é notória e flagrante, dado que ao longo da extensa sentença o que é dito sobre tal fundamento da ação e erigido como pedido oportunamente formulado, é, singela e sincopadamente, o seguinte: “(…) quanto àquele incumprimento face aos factos provados o que se apura é que improcede o arguido incumprimento, e mais uma vez as AA. traçam “situação de facto” da sua autoria em desconformidade com os factos patentes no procedimento concursal e aqui provados, improcedendo o arguido incumprimento da proposta da contra-interessada das alíneas d) e k) do artº.4º/1 do caderno de encargos”.
E. Ou seja, em retas e honestas palavras, em jeito de petição de princípio, o Tribunal quer (forçosamente) demonstrar que improcede tal fundamento, mas absolutamente nenhum raciocínio fundamentador da sua posição apresenta visando tal convencimento.
F. Na verdade, a alusão (sem critério e sem justiça) de que os Autores traçam uma «situação de facto» da sua autoria que não se comprova (quando até foi o próprio Tribunal a rejeitar todos os meios probatórios requeridos pelos Autores) equivale, na prática, a uma omissão total de pronúncia sobre tal fundamento.
G. Ora, confiando-se que o Tribunal estava irrenunciavelmente obrigado a julgar tal requisito de verificação obrigatória, pois só assim podia ajuizar da licitude do ato adjudicatário (objeto da presente demanda), nunca se esperava que se remetesse a este sepulcral silêncio, à imagem do que ocorreu com o júri que se recusou a pronunciar (também) em sede de audiência prévia, sobre os fundamentos de crítica à proposta do concorrente adjudicatário, quanto a estes requisitos.
H. Em síntese, não é lícito que no âmbito de um processo judicial equitativo (princípio dimanado da Lei Fundamental – artigo 20.º, n.º 4, da CRP), o Tribunal não se pronuncie sobre um dos principais (talvez até o principal) pedido e fundamento hasteado pelos Autores, escusando-se deliberadamente a sindicar o cumprimento pelo navio da contra-interessada dos requisitos enunciados no Caderno de Encargos, os quais se mostram de verificação obrigatória/eliminatória.
I. A resposta dada pelo Tribunal traduz assim e fatalmente uma omissão de pronúncia, pois que a juíza a quo simplesmente não abordou tal fundamento, não tendo cuidado da análise, por mais sumária que fosse, da verificação daqueles requisitos pelo navio da contra-interessada (e a tanto estava imperativamente obrigada).
J. Neste sentido, tal postura totalmente evasiva e silenciosa apenas pode configurar uma recusa de escrutínio sobre tal fundamento/pedido, dado que não se pode defender que uma asserção judicial do tipo – não se verifica o que os Autores alegam, sem mais, é bastante e suficiente para assimilar uma decisão ao Tribunal sobre tal matéria.
K. Pressuposto de uma decisão judicial é que haja um raciocínio do Tribunal alicerçado nos factos e na lei por confronto com uma determinada premissa concreta, emitindo-se a final um juízo opinativo sobre tal controvérsia, e não simplesmente que se alegue – não se comprova o alegado pelos Autores.
L. Nesta conformidade, limitando-se o Tribunal a afirmar (mas como e com base em quê?) que não se verifica o alegado pelos Autores, é óbvio e mister reconhecer-se que estamos perante uma denodada omissão de pronúncia,
M. Pois pronunciar-se implica, e sempre, um esforço mínimo hermenêutico e exegético de análise dos factos e da lei, um raciocínio expendido conducente à decisão a ao juízo emitido, e a assunção de um sentido/direção decisórias adotado com base nas teses contrastantes presentes nos autos, mas nada disto ocorreu.
N. Termos em que deve ser expressamente reconhecida e declarada a nulidade da sentença, com as devidas consequências legais, assim se respeitando o preconizado no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, que quedou violado.
O. Embora não se conceda que tenha ocorrido pronúncia do Tribunal sobre tal pedido – incumprimento pela contra-interessada dos requisitos enunciados no artigo 4.º, n.º 1, alíneas d) e k), do Caderno de Encargos, o que apenas se admite à cautela de patrocínio, então forçoso será concluir que ocorreu manifesta falta de fundamentação da decisão de improcedência.
P. Com efeito, quando o Tribunal não esboça qualquer fundamentação (por mínima que seja) sobre o propósito e a bondade do por si determinado.
Q. Na verdade, ocorre antes a clássica petição de princípio, pois que o Tribunal alega que não foi feita prova (e não olvidar que toda a prova requerida pelos Autores foi «convenientemente» rejeitada) sobre os factos alegados, mas nada evidencia como concluiu afinal que o navio em causa cumpria com esses requisitos (é que constitui seu dever ajuizar e verificar tal cumprimento).
R. Ou seja, não sabem os aqui Recorrentes (e não sabe mais ninguém) as razões de facto e de direito que levaram e conduziram o Tribunal a considerar demonstrado que o navio em causa cumpria com os requisitos das alíneas d) e k) do n.º 1 do artigo 4.º do Caderno de Encargos.
S. Por acaso o Tribunal realizou alguma perícia (ou foi efetivar inspeção judicial) que comprovasse que o navio em causa dispõe de espaço coberto para transporte de paletes (é que não dispõe – e contra factos não há argumento), e tem como capacidade de carga mínima a enunciada na alínea d); por acaso o Tribunal realizou alguma perícia (ou foi efetivar inspecção judicial) que comprovasse qual a grua instalada no navio?
T. Perante a impugnação de tais declarações e realidades declaradas, obviamente que se impunha ao Tribunal (due process of law) analisar criticamente tais fundamentos, perscrutando quais as reais características do navio da contra-interessada.
U. Num Estado de Direito Democrático, e perante um concurso público internacional, e em face da regras e princípios norteadores da formação dos contratos públicos, como a legalidade, a transparência, a concorrência, a boa-fé, é impensável (e vergonhoso) que ocorra, como sucedeu até agora, que um candidato apresente «gato» por «lebre» e nem o júri (antes) nem o Tribunal (depois) se interessem (sequer) por verificar se o gato é lebre ou se o gato é gato!
V. Por outro lado, acresce ainda como poderoso argumento à falta total de fundamentação da decisão de não violação pelo navio da contra-interessada do plasmado nas alíneas d) e k) do n.º 1 do artigo 4.º do Caderno de Encargos, a circunstância de, percorrida e analisada a matéria de facto dada como provada (V da sentença – pontos 1 a 33), em lado nenhum, o Tribunal:
- ter dado como provado que o navio T.... A..... dispõe de espaço coberto para transporte de paletes (na verdade não tinha como o fazer, pois não dispõe desse recurso ou faculdade – o que significa que as paletes são transportadas com total exposição aos elementos naturais, com as consequências facilmente assimiláveis daí decorrentes);
- ter dado como provado que o navio T.... A..... tem capacidade para transportar, no mínimo, 6 contentores de 20 pés, com pelo menos 2 tomadas para contentores frigoríficos e no mínimo 15 paletes em espaço coberto (na verdade não tinha como o fazer pois objetiva e realmente não cumpre com tais especificações);
- ter dado como provado que o navio T.... A..... possui grua com capacidade de carga mínima de 10 toneladas com comprimento mínimo de braço de 6 metros (na verdade não tinha como o fazer pois a sua grua é de capacidade muito inferior – cf. fls. 448 do processo administrativo instrutor – e documento junto pelos aqui Recorrentes, não objeto de impugnação em sede de audiência prévia – trata-se da informação oficial existente sobre tal navio).
W. Em jeito de conclusão, o Tribunal, ainda que se entenda que tenha emitido pronúncia sobre tal pedido, falhou completa e rotundamente na externalização da fundamentação do seu ato decisório (em rigor nunca teria como provar o que decidiu),...

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