Acórdão nº 3686/22.1T8CBR.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2024-03-15
Ano | 2024 |
Número Acordão | 3686/22.1T8CBR.C1 |
Órgão | Tribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DO TRABALHO DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA) |
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Acordam[1] na Secção Social (6ª secção) do Tribunal da Relação de Coimbra:
I - Relatório
AA, residente em ...,
intentou a presente ação de processo comum contra
A..., SA, com sede em ...
alegando, em síntese que:
Em 01/09/2020 foi admitida pela Ré, por acordo verbal, para exercer as funções de docente do 1º ciclo; posteriormente a Ré enviou-lhe um contrato de trabalho a termo certo solicitando a sua assinatura o que, após várias insistências daquela, assinou; no dia 6/07/2021, a Ré comunicou-lhe a não renovação do contrato, tendo o seu posto de trabalho sido ocupado por uma nova trabalhadora; a comunicação da caducidade do contrato consubstancia um despedimento ilícito; a justificação constante do contrato de trabalho a termo é falsa; foi alvo de discriminação por parte da Ré após ter comunicado que se encontrava grávida, tendo sido despedida por se encontrar grávida; a Ré deve pagar-lhe uma indemnização pelo despedimento ilícito no montante de € 4.059,50, as retribuições intercalares e o montante total de € 2.156,99 a título de diferenças salariais.
Termina, pedindo que:
“NESTES TERMOS
e nos mais de Direito concretamente aplicáveis, a presente ação deve ser julgada totalmente procedente por provada e, em consequência, ser proferida douta sentença que:
1. Declare como sem termo o contrato de trabalho celebrado entre Autora e Ré atendendo:
a. À inobservância de forma escrita;
b. À falsidade da justificação e consequente nulidade do termo;
c. À violação das regras de sucessão dos contratos a termo;
d. À violação do direito legal de preferência na admissão de nova trabalhadora para o mesmo posto de trabalho.
2. Declare a ilicitude do despedimento e condene a Ré a pagar à Autora:
a. 4.059,50 Euros (equivalentes a três meses de retribuição base subtraindo-se a quantia já paga por caducidade) a título de indemnização pela ilicitude do despedimento em função da atualização da tabela salarial peticionada;
b. 2.156,99 Euros ilíquidos a título de diferenças retributivas, devendo ser liquidados os respetivos impostos e contribuições legais;
c. 123,25 Euros a título de juros de mora vencidos à taxa legal de 4%; Num total de 6.339,74 Euros.
d. Valor por apurar a título de retribuições intercalares e que se remete para liquidação de sentença;
e. Em alternativa, caso não se entenda pela aplicação da referida tabela, sempre se requer a condenação da Ré no pagamento à Autora de indemnização no montante de 2.894,00 Euros (incluindo já o desconto da quantia paga a título de caducidade).
3. Caso assim não se entenda, e caso o douto Tribunal decida pela licitude do despedimento, o que não se concede, sempre se requer a condenação da Ré no pagamento à Autora das diferenças retributivas no montante de 2.357,79 Euros, acrescidos de 131,17 Euros a título de juros de mora vencidos, num total de 2.488,96 Euros.
4. Condene a Ré a liquidar os impostos legais a título de segurança social e retenção na fonte, às respetivas entidades competentes, resultantes do pagamento dos valores líquidos peticionados;
5. Condene a Ré no pagamento das custas e demais despesas processuais;
6. Condene a Ré ao pagamento dos juros de mora vincendos sobre todas as quantias peticionadas, desde a citação até efetivo e integral pagamento.”
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A Ré contestou alegando, em sinopse, que:
A Autora assinou o contrato cujo teor foi previamente negociado e acordado entre ambas as partes, o que foi sempre adiando; a Autora estava corretamente colocada no seu nível retributivo, pelo que, não lhe são devidas as diferenças salariais peticionadas; a Autora atua de má fé e em abuso do direito.
Termina, dizendo que:
“Termos em que deve a presente ação ser julgada totalmente improcedente por não provada e a Ré absolvida do pedido.”
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A Autora respondeu à contestação concluindo pela improcedência das exceções deduzidas e como na petição inicial.
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Foi proferido o despacho saneador de fls. 50 e segs. e dispensada a identificação do objeto do litígio e a enunciação dos temas da prova.
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Procedeu-se a julgamento conforme consta das respetivas atas.
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De seguida, foi proferida a sentença de fls. 88 e segs. e cujo dispositivo é o seguinte:
“Pelo exposto, julgando parcialmente procedente a Acção, o Tribunal decide:
1) Declarar que o contrato de trabalho a termo, celebrado a 01-09-2020, entre a Autora/trabalhadora AA e a Ré/Empregadora “A...,S.A.” se considera um contrato de trabalho sem termo por falta de redução a escrito.
2) Declarar que a cessação, a 31-07-2021, do contrato de trabalho celebrado entre a Autora e a Ré constitui um ilícito despedimento.
3) Condenar a Ré a pagar à Autora todas as retribuições, incluindo a retribuição de férias e os Subsídios de férias e de Natal, de acordo com o valor mensal de €.1.173,00 ilíquidos, que se venceram desde 26-06-2022 e até ao trânsito em julgado da Decisão final da presente Acção; acrescidas de juros moratórios, à taxa legal civil, desde o vencimento de cada retribuição/subsídio até integral pagamento; sendo que ao valor final apurado a Ré deduzirá: a quantia de €.625,00 que pagou à Autora a título de compensação pela caducidade do contrato; todas as quantias que a Autora tenha recebido desde o despedimento ilícito a título de rendimentos do trabalho; e todas as quantias que a Autora tenha recebido a título de subsídio de desemprego desde o despedimento ilícito, e entregar tais quantias ao “ISS,I.P.”.
4) Condenar a Ré a pagar à Autora, a título de indemnização em substituição da reintegração, a quantia de €.3.519,00; sem prejuízo de indemnização superior, caso seja maior a antiguidade da Autora aquando do trânsito em julgado da Decisão final da presente Acção; acrescida de juros moratórios, à taxa legal civil, desde o trânsito em julgado da Decisão final da presente Acção até integral pagamento.
5) Absolver a Ré da instância quanto ao pedido de condenação a liquidar impostos junto da “Autoridade Tributária e Aduaneira” e contribuições junto do “ISS,I.P.”.
6) Absolver a Ré do pedido quanto ao demais peticionado pela Autora.
7) Condenar no pagamento das custas, a Ré, na proporção de 70%, e a Autora, na proporção de 30%.”
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A Autora, notificada desta sentença, veio interpor recurso que concluiu da forma seguinte:
(…).
*
A Ré não apresentou resposta.
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A Ré, notificada daquela sentença, veio também interpor recurso que concluiu da forma seguinte:
(…).
*
A Autora apresentou resposta com as seguintes conclusões:
(…).
*
O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido de que: o recurso interposto pela Autora “não merece provimento, devendo a sentença ser mantida nos seus precisos termos” e de que “deve ser negado provimento ao recurso interposto pela Ré”.
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A Autora veio responder a este parecer concluindo como nas alegações de recurso.
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Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.
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II – Questões a decidir:
Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (artigo 639.º, n.º 1, do C.P.C. na redação da Lei n.º 41/2013 de 26/06), com exceção das questões de conhecimento oficioso.
São as seguintes as questões que cumpre apreciar:
Recurso da Autora:
– Se não devia ter sido determinada a dedução às retribuições intercalares de todas as quantias que a Autora tenha recebido desde o despedimento ilícito a título de rendimentos do trabalho.
Recurso da Ré:
– Se o comportamento da Autora consubstancia abuso do direito.
Ampliação do recurso por parte da Autora recorrida:
- Se o termo aposto no contrato é falso.
- Se ocorreu a violação das regras de sucessão dos contratos a termo.
- Se ocorreu a violação do direito de preferência na admissão de nova trabalhadora para o mesmo posto.
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III – Fundamentação
a) Factos provados e não provados constantes da sentença recorrida:
1. No exercício do seu objeto social, a Ré “A..., S.A.” explora um Estabelecimento de Ensino denominado “Colégio ...”, sito na Rua ..., em ....
2. No âmbito da exploração do aludido Estabelecimento, mediante acordo meramente verbal celebrado a 01-09-2020, a Ré contratou a Autora AA, para, por um ano letivo, entre 01-09-2020 e 31-07-2021, sob a sua autoridade e direção, desempenhar as funções correspondentes à categoria profissional de Docente do 1.º Ciclo do Ensino Básico, mediante a retribuição mensal ilíquida de €.1.173,00; acordo que veio a ser posteriormente reduzido a escrito nos termos do documento de fls. 83 a 86 [cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido].
3. Na data do início de funções, a Autora tinha anteriormente – na mesma categoria profissional e em diversos Estabelecimentos de Ensino não pertencentes à Ré – prestado 5 anos de serviço [entre 2009/10 e 2014/15] certificados por Declaração do Ministério da Educação e 4 anos de serviço [entre 2015/16 e 2018/19] certificados por Declarações de Estabelecimentos de Ensino; o que era do conhecimento da Ré.
4. No início de outubro de 2020, a Autora comunicou à Ré que se encontrava grávida.
5. Por se tratar de uma gravidez com risco clínico, Autora ausentou-se do serviço e iniciou o gozo de licença a partir de dezembro de 2020 e até ao nascimento do seu filho a 08-03-2021, seguindo-se o gozo de licença parental.
6. Em fevereiro de 2021, antes do dia 04, a Ré contactou telefonicamente a Autora, pedindo-lhe a assinatura do contrato.
7. Na sequência do contacto telefónico, a Ré remeteu [por correio] à Autora dois exemplares do “Contrato de trabalho a termo certo”, pedindo-lhe a sua assinatura e devolução de um exemplar [fls. 8v. a 10v.; cujos teores se dão aqui por integralmente reproduzidos].
8. A Autora assinou um dos exemplares do “Contrato de trabalho a termo certo” e devolveu-o à Ré, sem dirigir à Ré qualquer oposição quanto ao seu teor, ficando a Ré no convencimento de que a Autora aceitou o contrato.
9. No dia 06-07-2...
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