Acórdão nº 3683/21.4T8FNC.L1-8 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-01-26

Ano2023
Número Acordão3683/21.4T8FNC.L1-8
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam os Juízes da 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

AS instaurou ação declarativa comum contra MM, pedindo a declaração de anulação ou nulidade do testamento, lavrado no dia 24 de maio de 2019, pelo Cartório Notarial.
Para o efeito alegou, em síntese, que a testadora se encontrava incapacitada física e psiquicamente, não estava em condições mentais que lhe permitissem perceber e apreender que estava a elaborar um testamento e de compreender o que este acarretava. Mais alegou que a Ré se aproveitou do seu estado, levando-a a outorgar testamento em que a constituiu sua única herdeira, quando sempre foi por aquela dito que o seu património seria dividido por todos os seus herdeiros.
A R. apresentou contestação, excecionando a ilegitimidade ativa. Mais impugnou a versão apresentada pela A., sustentando que ER se encontrava lúcida e no uso das suas faculdades, tendo perfeita noção do que fazia ao outorgar, sendo essa a sua vontade.
A A. respondeu à exceção e ao pedido de litigância de má fé, concluindo pela sua improcedência.
Foi proferido despacho saneador com dispensa de realização de audiência prévia, tendo sido julgada improcedente a exceção de ilegitimidade ativa. Mais foi delimitado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova.
Após realização da audiência de julgamento foi proferida decisão com o seguinte dispositivo:
Em face de todo o exposto julga-se a presente acção totalmente improcedente, por não provada e, em consequência, absolve-se a Ré de todos os pedidos contra si deduzidos.
Custas pela Autora.”

A A. interpôs recurso desta decisão, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões (após sintetização), que aqui se reproduzem:
“1- A Recorrente notificada da sentença proferida pelo Juiz do Tribunal “a quo”, em que foi declarado improcedente o pedido de declaração de anulação ou nulidade do testamento de ER lavrado em 24 de Maio de 2019,, e não se conformando com o seu conteúdo, interpõe recurso, em que alega de facto e de direito.
2- Foi lavrado testamento no dia 24 de Maio de 2019, no qual a ER instituiu sua única herdeira a ora Recorrida.
3- A testadora não tinha capacidade para celebrar o testamento na data em que o fez, e para além da demência, padecia de doença cardíaca, de arteriosclerose, e a partir de Maio de 2019, o estado de saúde da ER agravou-se,
4- Em 30 de Abril de 2019, a ER sofreu uma paragem cardiorrespiratória, ou síncope, ficando inconsciente durante algum tempo, tendo sido hospitalizada no Centro Hospitalar de Lisboa onde permaneceu durante 22 dias,
5- A testadora ER, durante o internamento sofreu novos episódios de paragens cardiorrespiratórias ou síncopes, tudo conforme nota de alta, de fls. 119 a fls. 121 dos autos, documentos que foram ignorados pela Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo”,
6- A testadora de há muito já tinha sincopes, pois em 26/06/2014, conforme refere relatório de neurologia de fls. 142 a 143 dos autos, “26/6/14 voltou a ter 2 síncopes em Fevereiro c/ pouco intervalo, (…)”, documentos que foram ignorados pela Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo”,
7- A testadora ER teve alta hospitalar em 22 de Maio de 2019,
8- Em Maio de 2019, a testadora para além da demência, de doença cardíaca e de arteriosclerose e da sua avançada idade de 98 anos, passou a estar completamente dependente de terceiros para todas as atividades da vida diária, cuidados de higiene e auto imagem, vestuário, idas a casa de banho, não controlava os esfíncteres urinárias, nem anais, usando fralda de dia e noite, tudo conforme relatório social da residência para idosos VL, de fls. 114 a 116 dos autos, bem como nota de alta clínica de fls. 119 a 121 dos autos, bem como da nota de alta medicina de fls. 220 a 221 dos autos,
9- Em 01/06/2019, a ER teve nota de alta de fls. 220 a 221 dos autos, constando da mesma que a ER passa a maior parte do tempo na cama e tem discurso pouco percetível, documentos que foram ignorados pela Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo”,
10- A testadora ER, no dia 17 de Junho de 2019, foi internada no estabelecimento de apoio a idosos, VL, onde ficou internada até o dia 02/10/2019, quando faleceu, ou seja, durante 3 meses e 15 dias,
11- O Lar VL, elaborou um relatório social de fls. 114 a 116 dos autos, informando que aquando da sua admissão, em 17/06/2019, no lar de idosos, a ER estava dependente de terceiros para todas as actividades da vida diária, cuidados de higiene e auto imagem, vestuário, idas à casa de banho, e não controlava os esfíncteres urinários nem anais usando fralda dia e noite, documento que foi ignorado pela Meritíssima Juiz do Tribunal a “quo”,
12- A testadora em 22 de Maio de 2019 teve alta hospital e 2 dias depois, em 24 de Maio de 2019, fez o testamento instituindo sua única herdeira a Ré, ora Recorrida,
13- O internamento da testadora foi feito pela Recorrida e era esta que fazia o pagamento das mensalidades do lar e tratava de todas as questões a ER, tudo conforme relatório social de fls. 114 a 116 dos autos, documento que foi ignorado pela Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo”,
14- A recorrida era responsável pelo internamento da testadora, cabendo-lhe o pagamento das mensalidades do lar e todas as questões relativas à ER, conforme relatório social de fls. 114 a 116 dos autos,
15- Em 2 de Outubro de 2019, a ER faleceu, tendo à data 98 anos de idade,
16- Pergunta-se assim, como pode a sentença recorrida entender que na data em que foi celebrado o testamento em 24 de Maio de 2019, a ER estava lúcida, capaz de entender o sentido da sua declaração quando esta padecia de demência, era doente cardíaca, sofria de arteriosclerose e aquela data estava totalmente dependente de terceiros?
17- Na opinião da ora Recorrente não podia a douta sentença recorrida ter o entendimento que teve, pois a ER, em 24 de Maio de 2019, não tinha capacidade para celebrar o testamento, não entendendo o sentido da sua declaração.
18- Pelo que a douta decisão proferida enferma por uma análise pouco ponderada quanto a prova produzida em audiência de julgamento,
19- A Autora, ora Recorrente, entende haver contradição entre a matéria dada como provada e a aplicação do Direito, e haver contradição entre a matéria provada, bem como haver contradição entre a matéria provada e não provada, e os documentos juntos ao processo.
20- Assim, a douta sentença recorrida deve ser substituída por outra, sendo proferido Acórdão que revogue a sentença proferida pelo Juiz “a quo”, determinando procedentes os pedidos deduzidos pela Autora, ora Recorrente, e declarando-se a anulação ou nulidade do testamento, lavrado no dia 24 de Maio de 2019, pelo Cartório Notarial de …, de fls. 29 a fls. 29 verso do Livro de Notas número 18 para Testamentos Públicos e Revogação de Testamentos Públicos,
21 – Na sentença recorrida deram-se como Factos Provados os pontos constantes do A até EE da sentença recorrida,
22- Nos factos provados nos pontos Z. e AA., ficou provado apenas que ER faleceu no estado de solteira, a 02 de Outubro de 2019, e que a ER faleceu sem descendentes ou ascendentes vivos, quando a Autora, ora Recorrente, alegou que a mesma faleceu com 98 anos de idade, pois nasceu em 16 de Março de 1921, conforme assento de óbito que se encontra junto aos autos de fls. 17 e 17 verso, conforme alegou nos artigos 1º, 24º, 59º, e 60º da p.i.,
23- Pelo que a douta sentença recorrida ignorou que, conforme fora alegado pela Autora, ora Recorrente, a falecida ER tinha a avançada idade de 98 anos, quando fez o testamento, e quando faleceu, o que está comprovado pelo documento nº. 1 da p.i. de fls. 17 e 17 verso dos autos,
24- Há assim contradição entre os factos provados, os documentos juntos aos autos, e o alegado, bem como entre os factos provados e a decisão proferida, e os documentos juntos aos autos,
25- Nos factos provados, ponto E., ficou provado que a testadora ER costumava vir à Madeira todos os anos, e ficava em casa da sua irmã IM, da qual era muito amiga e à qual sempre disse que ia deixar os seus bens para todos os herdeiros,
26- Os factos provados, no ponto DD., ficou provado que o referido em CC. deixou a Autora espantada, pois a tia ER sempre dissera que os seus bens eram para todos os seus herdeiros, havendo assim, contradição entre os factos provados e a decisão,
27- Como poderia a testadora ter a vontade de fazer um testamento a favor da Ré, ora Recorrida, quando sempre foi a sua intenção, e assim o manifestou, durante a sua longa vida, 98 anos de idade, deixar os seus bens para todos os seus herdeiros,
28- Fê-lo em momento em que estava incapacitada de entender o sentido e de querer no acto que declarou e ficou exarado contrariando a vontade que sempre manifestou de não testar em tais termos, pois sempre disse ao longo da sua vida que ia deixar os seus bens para todos os herdeiros, só o fez porque sofria de demência,
29- O testamento em causa contraria a sua vontade, que sempre manifestou, dizendo que ia deixar os seus bens para todos os herdeiros, fez um testamento aos 98 anos de idade, depois de ter tido paragens cardiorrespiratórias, de ter estado internada no hospital durante 22 dias, de ter saído do hospital à 2 dias, de estar dependente e 4 meses e oito dias antes do seu falecimento,
30- E não fez o testamento antes, porquê? Porque não era essa a vontade da testadora, nunca foi, e no momento em que foi lavrado o testamento, a ER não sabia o que estava a fazer, sofria de demência, era cardíaca, sofria de arteriosclerose, dependia fisicamente de terceiros para a sua higiene, alimentação, locomoção, estava frágil e influenciável,
31- A testadora ER teve uma longa vida e muito tempo para dispor dos seus bens, mas só o fez depois de ficar dependente de terceiros, de ter sofrido sincopes, ter sido hospitalizada, de estar doente e incapacitada, quatro meses e oito dias antes do seu falecimento, quando já tinha 98 anos de idade, quando
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