Acórdão nº 366/19.9T8MTJ.L1-6 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2022-02-03

Ano2022
Número Acordão366/19.9T8MTJ.L1-6
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Em nome do POVO PORTUGUÊS, os Juízes Desembargadores da 6ª Secção do TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA, ACORDAM no seguinte:



I–RELATÓRIO


a)-R.. e P.., residentes na Travessa (…) – Montijo, intentaram a presente acção declarativa de condenação sob a forma de processo comum demandando:
A., residente na Rua (…) – Pinhal Novo, e
S. e marido residentes na Estrada (…) Sesimbra.

Pediram os autores a sua condenação solidária nos seguintes termos:
- a proceder à reparação de todos os defeitos existentes no prédio identificado na petição inicial e ali descritos, “em prazo julgado suficiente”, e a pagar uma sanção pecuniária compulsória, ao abrigo do disposto no artigo 829.º-A do Cód. Civil, no montante de 100 euros por cada dia de atraso na reparação das deficiências ou, em alternativa,
- a indemnizar os autores em 8.150,00 euros, acrescido de IVA à taxa legal em vigor, quantia necessária para proceder à reparação das deficiências mencionadas em a) e,
-a indemnizar os autores no montante global de 7.545,92 euros, sendo 2.545,92 euros, a título de danos patrimoniais e 5.000,00 euros a título de danos não patrimoniais.

Alegaram os autores, em síntese, o seguinte:
Que celebraram com as rés, em 28 de novembro de 2018, um contrato de compra e venda que teve por objecto a fração de um imóvel constituído pelo segundo piso e sótão (T2 em duplex) sito no Montijo pelo valor de 57.000,00 euros;
Que após a entrega da fracção do imóvel constataram a existência de infiltrações provenientes do terraço que impedem o seu uso para habitação, estando o telhado e o sótão carecidos de obras urgentes;
Que tais obras foram orçadas em 8.150,00 euros;
Que interpelaram os réus para proceder às reparações necessárias e os indemnizar do prejuízo causado pela impossibilidade de ocupação da fracção do imóvel enquanto não fosse efectuada a reparação;
Que os réus tinham conhecimento das deficiências da fracção do imóvel que venderam, tendo-as ocultado dolosamente dos autores, bem sabendo que se eles delas tivessem conhecimento não teriam acordado na sua compra;
Que além do prejuízo que a situação lhes está a causar com o pagamento das prestações do crédito bancário, estão profundamente desgostosos com o facto de se sentirem enganados e sem poder viver na casa que desejavam.

b)-Os réus contestaram alegando, também, em síntese, que os autores estavam conscientes de que a casa que compravam era velha e estava carecida de obras de restauro, sendo os defeitos invocados na petição inicial visíveis e expectáveis e que o preço acordado entre as partes teve em conta todas essas concretas características do imóvel vendido.

c)-Teve lugar a audiência prévia e ali correctamente identificado o objecto do litígio e enunciados os temas de prova.
Concluída a instrução dos autos teve lugar a audiência final.
Os autores viriam, nesta fase, a desistir do primeiro dos pedidos acima enunciados (proceder à reparação dos defeitos da fracção em prazo a fixar pelo tribunal) e a reduzir o pedido correspondente à indemnização peticionada pelo valor da reparação da fracção do imóvel, de acordo com a proporção da sua participação no condomínio, ao montante de € 6.194,00 (seis mil cento e noventa e quatro euros), acrescido de IVA à taxa legal em vigor.

d)-Foi depois proferida sentença que, julgando a ação parcialmente procedente, condenou os réus nos seguintes termos:
- a pagar aos autores a quantia de € 6.031,00 (seis mil e trinta e um euros), acrescida de IVA calculado à taxa em vigor, a liquidar na data de vencimento da respetiva fatura, e de juros de mora contados desde a data do vencimento dessa fatura até efetivo e integral pagamento, calculados à taxa legal de 4%;
- a pagar aos autores a quantia € 2.545,92 (dois mil quinhentos quarenta cinco euros e noventa dois cêntimos), a título de indemnização pela privação do uso da fração autónoma supra descrita durante o período de realização das obras; e
- a pagar aos autores a quantia de € 3.000,00 (três mil euros) [1], a título de danos não patrimoniais.

e)-Inconformados os réus interpuseram recurso de apelação, tendo rematado as respectivas alegações com as seguintes CONCLUSÕES:
I.– Conforme decorre da Sentença proferida o fundamento da ação intentada pelos Recorrentes tem como fundamento que: “…os réus lhes ocultaram dolosamente os defeitos que vieram a tomar conhecimento logo de seguida à celebração do negócio…”
II.– O Tribunal a quo concluiu que os Recorrentes não ocultaram quaisquer defeitos do imóvel.
III.– O Tribunal reconhece que não existiu qualquer omissão dolosa de defeitos, porquanto os defeitos eram desconhecidos dos Recorrentes. Alega, igualmente que os defeitos existentes se encontram nas partes comuns do edifício e, portanto, responsabilidade do condomínio…
IV.– Contudo, apesar disso, acaba por condenar o Recorrente por ter vendido um imóvel com alegados defeitos.
V.– Tornando, assim, e sempre com o devido respeito por opinião diversa, a Sentença proferida pelo Tribunal a quo contraditória, ambígua, obscura e ininteligível.
VI.– Encontra-se assim, a decisão proferida pelo Tribunal a quo ferida de nulidade nos termos do artigo 615º, n.º 1, alínea c) do C.P.C., a qual desde já se argui para os devidos e legais efeitos.
VII.– No entendimento da Recorrente o Tribunal a quo julgou erroneamente os pontos 17, o qual deveria ser julgado como NÃO PROVADO e os pontos 21 e 22 da matéria de facto dada como PROVADA, os quais deveriam ter outra redação.
VIII.– Quanto ao ponto 17:
Analisado o documento 8 junto com a petição inicial o mesmo não permite perceber quais os custos em concreto que seria necessário despender na realização da referida obra, nomeadamente, distinguindo entre material e mão de obra;
IX.– As faturas referentes a obras de reabilitação de imóveis (nos termos do Regime Jurídico da Reabilitação Urbana) podem beneficiar de taxa reduzida de imposto sobre o valor acrescentado a 6% em determinadas situações, nomeadamente, em casos de mão de obra, com obras de reabilitação. Pelo que, é essencial para apurar os valores a liquidar que exista, pelo menos, uma diferenciação naquilo que são custos com material e custos de mão de obra…
X.– O alegado orçamento limita-se a concluir com um valor final de 8.150 € (oito mil cento e cinquenta euros) e assim, ficamos sem perceber quais as quantidades de materiais necessárias à execução da obra, nomeadamente, qual a quantidade de telha, barrotes, etc…
XI.– Sobre esta matéria foi ouvida a testemunha (…)
XII.– Em face do documento apresentado e do depoimento da testemunha …, não poderia o Tribunal a quo dar como provado o ponto 17 da matéria de facto dada como provada.
XIII.– Quanto aos pontos 21 e 22:
XIV.– Com referência ao ponto 21, em momento algum a testemunha … que prestou um depoimento completamente imparcial e credível afirmou que “…tinha um imóvel que estava ótimo e pronto a habitar…”, bem pelo contrário, das declarações desta testemunha fica evidente que o imóvel foi vendido com o intuito de sofrer obras de restauro.
XV.– Isto mesmo decorre do depoimento da testemunha, ouvida na audiência de discussão e julgamento de 26/04/2021, entre as 11:36:27-11:57:25, conforme depoimento que se encontra gravado no sistema existente no Tribunal, Ficheiro de origem: 20210426113627 _ 19758906 _ 2871191, passagens 00:03:42 a 00:04:34, 00:06:05 a 00:10:30; 00:10:31 a 00:11:45 e 00:14:25 a 00:16:21.
XVI.– Das declarações da testemunha … fica evidente que os Recorridos tinham a noção do estado em que o imóvel se encontrava e que o adquiriam para, posteriormente, realizarem obras no mesmo.
XVII.– Em face da prova produzida em audiência de discussão e julgamento nunca o Tribunal a quo poderia ter dado como provado que a Senhora …, teria comunicado aos Recorridos que “tinha um imóvel que estava ótimo e pronto a habitar…”
XVIII.– Assim, o ponto 21º da matéria de facto dada como provada deveria ter a seguinte redação:
21.- Os autores, no final de agosto de 2018, dirigiram-se à imobiliária (…), na qual foram atendidos por M.., tendo-lhes sido mostrado o imóvel dos Réus, e referido que o mesmo se encontrava para restauro.”
XIX.– Quanto ao ponto 22:
XX.–A prova que obrigava decisão diversa decorre do depoimento da testemunha …ouvida na audiência de discussão e julgamento de 26/04/2021, entre as 10:16:24-10:50:55, cujo depoimento se encontra gravado no sistema existente no Tribunal, Ficheiro de origem:20210426101623_19758906_2871191, passagens 00:05:25 a 00:06:33; 00:08:17 a 00:10:55; 00:19:38 a 00:20:26 e 00:23:20 a 00:24:29.
XXI.–Ainda sobre esta matéria a Recorrente Ana, ouvida na audiência de discussão e julgamento do dia 07/04/2021, entre as 15:07:15-15:44:49, Ficheiro de origem: 20210407150714_19758906_2871191, passagem 00:23:17 a 00:27:40.
XXII.–Em momento algum a Recorrente refere que tivesse estado presente a sua mãe, aliás, a qual era até já falecida à data…
XXIII.–Conforme resulta das declarações da Recorrente Anabela, aquilo que a mesma disse e resulta do seu depoimento foi que a parte de baixo estava toda habitável, a parte de cima, o sótão é que tinha que ser arranjado.
XXIV.–Assim, aquilo que o Tribunal a quo poderia ter dado como provado era que:
22.- Nessa sequência, agendaram uma visita à fração, que acabaram por adquirir, com a colaboradora da imobiliária, O..., sendo acompanhados, durante a mesma, por esta, pela ré Anabela, tendo a ré referido que a parte de baixo da casa estava toda habitável, a parte de cima, o sótão é que tinha que ser arranjado.”
XXV.– Para além disso, o Tribunal a quo deveria ter dado como provado que: “Aquando da venda do imóvel os Réus desconheciam o estado em que se encontrava o telhado do imóvel.”
XXVI.– Com efeito, sobre esta matéria refere o Tribunal a quo: “No que respeita aos factos provados sob os números 9 a 13, 21 e 22 (correspondentes aos artº 6º a 15º, 30º a 33.º da petição inicial e 10º da
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