Acórdão nº 3638/19.9T8FAR.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2022-12-15

Data de Julgamento15 Dezembro 2022
Ano2022
Número Acordão3638/19.9T8FAR.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Processo n.º 3638/19.9T8FAR.E1
Tribunal Judicial da Comarca de Faro – Juízo Central de Competência Cível de Setúbal – J3
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Acordam na secção cível do Tribunal da Relação de Évora:
I – Relatório:
Na presente acção declarativa com processo comum, emergente de acidente de viação, proposta por (…) contra “(…) – Companhia de Seguros, SA”, Autor e Ré interpuseram recurso da sentença proferida.
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O Autor pediu a condenação da Ré no pagamento do montante global de € 938.693,48, a título de danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescido do valor que viesse a ser fixado posteriormente a título de danos futuros, acrescido de juros legais contados desde a citação até integral pagamento.
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Em síntese, o Autor invocou que foi vítima de um acidente de viação, cuja verificação é imputável ao condutor de um veículo seguro na Ré e desse evento resultaram danos patrimoniais e não patrimoniais.
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A Ré contestou, impugnando parcialmente os factos e manifestando discordância quanto ao montante da indemnização peticionada.
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A Ré “(…) – Companhia de Seguros, SA” requereu a intervenção principal provocada da seguradora “(…) – Seguros Gerais, SA” e de (…), respectivamente a seguradora do acidente de trabalho e o condutor do veículo seguro, as quais foram admitidas.
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A “(…) – Seguros Gerais, SA” veio deduzir pedido de reembolso das quantias pagas ao sinistrado, a qual foi admitida e que, após ampliação, se cifrou em € 272.518,53.
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A Ré apresentou oposição ao pedido de reembolso apresentado, impugnando parcialmente os factos alegados.
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O interveniente (…) não apresentou articulado.
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Foi citada a instituição de Segurança Social e não foi deduzido qualquer pedido de reembolso de quantias pagas.
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Foi realizada audiência prévia e proferido despacho saneador, fixado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova, não sendo apresentada reclamação.
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Realizada a audiência final, o Tribunal a quo decidiu julgar parcialmente procedente o pedido nos seguintes termos:
a) condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 1.668,88, a título de dano patrimonial, na vertente de obras de adaptação da residência, acrescida de juros de mora, à taxa de juros civis, a contar da data da citação até efectivo e integral pagamento.
b) condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia que vier a ser liquidada, em sede de incidente de liquidação em execução de sentença, a título de dano patrimonial futuro, na vertente de despesas com medicação analgésica e antiespasmódica que venha a necessitar, com o limite de € 136.572,60.
c) condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 250.000,00, a título de dano patrimonial, na vertente de dano biológico, acrescida de juros de mora, à taxa de juros civis, a contar do dia seguinte ao da prolação da sentença até efectivo e integral pagamento.
d) condenar a Ré a pagar ao Autor a quantia de € 75.000,00, a título de danos não patrimoniais, acrescidas de juros de mora, à taxa de juros civis, a contar do dia seguinte ao da prolação da sentença até efectivo e integral pagamento.
e) condenar a Ré a pagar à interveniente a quantia de € 272.518,53, a título de reembolso das quantias pagas, ao abrigo do contrato de seguro de acidentes de trabalho, acrescida de juros de mora, à taxa de juros civis, a contar da data da notificação para contestar até efectivo e integral pagamento.
f) absolver a Ré do demais peticionado.
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O Autor não se conformou com a referida decisão e o articulado de recurso continha as seguintes conclusões:
«82. É objecto deste recurso a douta sentença, de que se discorda, proferida nos autos acima identificados que decidiu parcialmente determinando uma quantia indemnizatória no total de € 463.241,48, tendo a indemnização por danos patrimoniais sido fixada em € 250.000,00, e por danos não patrimoniais em € 75.000,00.
83. O Autor não pode aceitar a fixação da indemnização por danos patrimoniais e por danos não patrimoniais, efetuada, pela douta sentença, porque os valores não permitem a reconstituição natural da situação em que o Autor se encontraria, atualmente e no futuro, se o acidente sofrido, por si, não tivesse ocorrido.
84. Por um lado, quanto aos danos patrimoniais, o valor anual global do salário foi reduzido, sem fundamento legal, enquanto o valor da pensão previsto na douta sentença não corresponde ao que o Autor teria direito a receber de pensão, caso o mesmo continuasse a trabalhar e a contribuir.
85. Por outro lado, a douta sentença não acautela o impacto redutor que a evolução das taxas de inflação durante os próximos trinta anos terá sobre o valor fixado de pensão, pondo em risco sério o sustento condigo do Autor em 30 anos.
86. A douta sentença avalia os danos patrimoniais, na vertente de dano futuro (dano biológico) em € 368.319,70, mas acaba por fixar os mesmos em € 250.000,00, sem qualquer outro fundamento que não seja de juízos de equidade.
87. O Autor, face ao pedido em sede de petição inicial, conjugado com os 42 anos de vida biológica determinada na douta sentença, teria direito a, pelo menos, receber o valor de € 441.000,00 (€ 750,00 x 14 meses x 42 anos de vida), devendo ser este o valor a atribuir de indemnização, face à incapacidade permanente sofrida, o custo de vida, a taxa de inflação, a impossibilidade de trabalhar na sua área de formação e de experiência, e ao facto de consequentemente, não poder ver o aumento do seu salário presente ou futuro.
88. Os danos não patrimoniais fixados, a título de indemnização, ficaram muito aquém do peticionado pelo Autor, que se cifravam em € 300.000,00, face aos sofrimentos, às dores, alterações na vida pessoal, profissional, pessoal e familiar, às sequelas físicas e psicológicas e a todas as patologias que passou a padecer, quando era um adulto saudável.
89. Embora os danos não patrimoniais não possuam um método avaliativo tão exacto, a jurisprudência do venerando Supremo Tribunal de Justiça tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização por danos não patrimoniais deverá ser significativa ao contrário de meramente simbólica.
90. Sendo que aquando da consulta de jurisprudência proferida em casos semelhantes ao descrito nos autos, é verificável que as indemnizações fixadas nos mesmos foram bem superiores àquela fixada pela douta sentença recorrida e mais perto do valor peticionado pelo Autor.
91. E ainda assim, apesar da jurisprudência existir, a mesma não poderá sofrer de baliza máxima, mas sim de ser meramente indicativa, sob pena de estar-se sim a violar o princípio da igualdade, ao avaliar os casos reais, como semelhantes, quando todos eles constituem realidades diferentes e todos eles têm contornos diferentes.
92. Pelos danos físicos e psicológicos sofridos, o sofrimento passado e as sequelas com que ficou, com a idade de 31 anos de idade, e que o acompanharão para o resto da vida (perdeu parcialmente os ossos da face e da cabeça, ficou com a face desfigurada e o seu membro superior direito perdeu utilidade, tem dificuldade em andar ou agachar-se, tem dores diariamente, não consegue falar, nem conversar, perdeu a autoestima e ganhou défice sexual), o Autor tem direito a que a indemnização por danos não patrimoniais seja devidamente ajustada para uma quantia não inferior a € 150.000,00.
93. Devendo, a sentença em crise ser alterada em conformidade, no sentido de a indemnização fixada corresponder a uma real compensação pelos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo Autor.
Nestes termos, e nos melhores de direito, que v/exa., doutamente suprirá, deverá o presente recurso ser julgado procedente, por provado, e consequentemente deverá o valor indemnizatório ser ajustado, de acordo com o peticionado, de modo a permitiria uma reconstituição mais próxima da reconstituição natural do que seria a vida do autor, no presente imediato e no futuro se não tivesse sofrido o acidente de viação que sofreu».
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A sociedade recorrente não se conformou com a referida decisão e o articulado de recurso continha as seguintes conclusões:
«1 – O A. deduziu concreto pedido indemnizatório no valor de € 493.500,00, correspondente ao valor dos salários que o mesmo deixou de auferir, desde os 31 anos até à idade da reforma, acrescido do valor da reforma que se estima ser até aos 78 anos.
2 – Nessa medida exercendo o contraditório, a R. deduziu a sua Oposição a tal pedido alegando que:
“31- Acresce que os danos reclamados nos artigos 101º a 106º da douta P.I. estão ressarcidos no processo de acidente de trabalho e, consequentemente, reembolsados à seguradora laboral pela ora R.
32- Não pode o A. receber duas vezes pelo mesmo dano e a R. pagar em duplicado, sob pena de enriquecimento ilegítimo daquele”.
3 – 49. Enquanto trabalhador independente tinha a sua responsabilidade laboral transferida para a (…) – Seguros Gerais, SA, com a apólice de seguro n.º (…), pelo valor de € 750,00 x 14 meses.
50. O embate descrito em 5 foi participado à (…) – Seguros Gerais, S.A., por ter ocorrido no percurso de/para o trabalho/residência do autor.
51. Correu termos no Tribunal de Trabalho de Faro processo de acidente de trabalho, com o n.º 42/16.4T8FAR, no âmbito do qual, por sentença datada do dia 05/12/2017, foi decidido condenar a (…) – Seguros Gerais, S.A. a pagar ao autor uma pensão anual e vitalícia de € 8.400,00, a pagar adiantada e mensalmente, até ao 3º dia de cada mês, correspondendo cada prestação a 1/14 daquela, acrescida de mais uma prestação nos meses de junho e novembro, a título de subsídio de férias e de natal; a quantia de € 5.533,68 a título de subsídio de elevada incapacidade permanente; a quantia de € 461,14 a título de prestação suplementar para assistência de terceira pessoa; a quantia de € 92,80 a título de despesas de deslocação; os juros de mora incidentes sobre as quantias referidas em 1 a 3, vencidos e vincendos, à taxa legal, que quanto ao subsídio de elevada incapacidade e despesas de deslocação se contam desde o dia da conciliação, até efetivo e
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