Acórdão nº 3601/22.2T8GMR-G.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-06-22

Ano2023
Número Acordão3601/22.2T8GMR-G.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, na 1ª secção cível do Tribunal da Relação de Guimarães:

RELATÓRIO

AA instaurou ação de restituição e separação de bens, ao abrigo do disposto nos arts. 141º e ss do CIRE, por apenso ao processo em que foi declarada a insolvência de BB, na qual pediu que fosse determinada a restituição da quantia de 1.764,00 €, referente ao reembolso de IRS de 2021, e a quantia de 1.787,00 €, referente ao reembolso de IRS de 2020, por tal apreensão ofender os seus direitos.

Como fundamento do seu pedido alegou, em síntese, que é casada com o insolvente desde 27 de julho de 2018.
Apresentou a declaração de IRS relativa ao ano de 2021 juntamente com o insolvente.
Recebeu nota de liquidação emitida pela Autoridade Tributária na qual constava que a quantia de € 1 764 de reembolso não seria paga em virtude de se encontrar penhorada.
A dívida que originou a penhora é da exclusiva responsabilidade do insolvente pelo que o crédito de reembolso de IRS, de que a requerente é também titular, não podia ser objeto de penhora.
A inadmissibilidade legal da penhora do reembolso de IRS gera a ilegalidade da posterior apreensão de tal quantia a favor da massa de insolvente.
A massa insolvente não pode receber um valor manifestamente superior ao que teria direito caso o insolvente tivesse efetuado a entrega da declaração de IRS em separado.
Se o insolvente tivesse optado pela tributação em separado a devolução seria, no máximo, no montante de € 280,95.
Idêntica situação ocorreu relativamente ao IRS referente ao ano de 2020, tendo sido apreendida a quantia de € 1 787, sendo certo que, se o insolvente tivesse optado pela tributação em separado a devolução seria, no máximo, no montante de € 664,50.
*
O Administrador da Insolvência apresentou contestação na qual alegou, em síntese, que a requerente e o insolvente são casados no regime de separação de bens.
No ano de 2021 os únicos rendimentos apresentados pertenciam ao insolvente, razão pela qual não há qualquer ilegalidade na apreensão da totalidade do reembolso no valor de € 1 764.
No ano de 2020, de acordo com a declaração de rendimentos, o casal seria reembolsado do montante de € 2 183,00, e apenas foi penhorada e apreendida a parte correspondente à retenção efetuada pelo insolvente de € 1 787,00.
Em consequência, entende que não ocorreu qualquer ilegalidade na penhora e pugna pela improcedência da ação.
*
O insolvente BB, com base em alegação factual idêntica à da requerente, veio dizer que se deve concluir pela inadmissibilidade das penhoras efetuadas, o que afeta a validade da apreensão de tais valores para a massa insolvente, devendo ser ordenada a sua restituição, sob pena de ocorrer uma situação de enriquecimento sem causa da massa.
*
Em 16.12.2022 foi proferido despacho (ref. Citius ...26) que fixou o valor da ação em € 3 551,00, dispensou a realização de audiência prévia e determinou a notificação da requerente para se pronunciar sobre a relevância do regime de bens do casamento e a titularidade dos rendimentos penhorados.
*
O aludido despacho foi notificado às partes com data de 19.12.2022, não tendo sido objeto de impugnação.
*
A requerente pronunciou-se por requerimento de 29.12.2022 (ref. Citius ...18), pedindo que:

a) sejam as quantias indevidamente penhoradas restituídas na sua totalidade (3.551,00 €) ao agregado familiar, por não ser possível a sua divisão, ainda que em quotas ideias;
se assim não se entender:
b) sejam apreendidas apenas as quantias de 280,95 € e 664,50 €, referentes ao reembolso de IRS dos anos de 2021 e 2020 a que o insolvente teria direito caso optasse pela tributação em separado, restituindo-se a quantia remanescente de 2.605,55 € ao restante agregado familiar, sendo 1483,05 € respeitante ao ano de 2021 (1.764.00 € - 280,95) e 1.122,50 € referente ao ano de 2020 (1.787,00 – 664,50 €)”.
*
Em 17.1.2023, foi proferida decisão (ref. Citius ...18) que julgou a ação improcedente e absolveu a ré do pedido.
*
A requerente AA não se conformou e interpôs o presente recurso de apelação, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões:

“1.ª Sendo a recorrente terceira em relação aos processos executivos que originaram as penhoras de reembolso de IRS aqui em discussão e, igualmente, alheia ao presente processo de insolvência, não assumindo qualquer posição processual em tais processos, nem para eles tendo sido citada ou notificada, sendo, ainda, alheia a todas as dívidas, não podem os reembolsos de IRS ser apreendidos para a massa insolvente, nos termos em que o foram.
2.ª Os ditos reembolsos resultaram do cálculo imposto para a tributação conjunta, sendo que tal apuramento resultou das condições específicas do agregado familiar e não, em exclusivo, do insolvente.
3.ª Tendo a recorrente e o insolvente/recorrido optado pela apresentação em conjunto das respetivas declarações de IRS, em momento anterior à declaração de insolvência, reembolso de IRS passa a ser um bem de ambos que não é suscetível de divisão.
4.ª Os reembolsos de IRS em causa não são passíveis de apreensão, uma vez que a recorrente não é executada/insolvente, nem devedora de qualquer quantia, razão pela qual nunca podia ser compelida a saldar as dívidas do executado, aqui insolvente, nem os créditos de que comunga (reembolsos de IRS) podiam ser objeto de penhora e posterior apreensão para a massa nos termos em que o foram.
5.ª Os reembolsos de IRS em causa configuram um direito de crédito que ambos (insolvente e recorrente) detêm perante a Administração Tributária, sendo a recorrente, tal como o seu cônjuge, titular de um direito único e uno sobre esse património, que não é sequer passível de divisão em termos de quotas, ainda que ideais.
6.ª E, na impossibilidade quer de fracionar o crédito referente aos reembolsos de IRS, quer de os imputar na exclusiva esfera jurídica do executado/insolvente, impõe-se concluir pela inadmissibilidade legal da penhora do reembolso de IRS, e, por conseguinte, pela ilegalidade do ato de penhora em causa, o que consequentemente gera a ilegalidade da apreensão de tal quantia a favor da massa de insolvente.
7.ª Não podiam os exequentes, e não pode a massa insolvente, fazer-se pagar por uma dívida da exclusiva responsabilidade do executado/insolvente, através de um crédito de ambos os cônjuges, que não é sequer passível de divisão.
8.ª E, tal conclusão retira-se, desde logo, pela simples análise das simulações que se encontram juntas aos autos e demonstram que se o insolvente tivesse optado pela tributação em separado jamais teria direito aos reembolsos ora apreendidos, motivo pelo qual, claro se torna, que não poderá a massa insolvente ser compensada “à custa da recorrente” por um valor manifestamente superior ao que teria direito caso executado/insolvente procedesse à entrega da declaração de IRS em separado.
9.ª Como é comumente sabido no reembolso de IRS não há um montante específico atribuído a cada um dos cônjuges pois o valor apurado resulta de inúmeros fatores que dizem respeito à composição do agregado familiar, no seu todo, e as suas despesas globais, não sendo sequer passível de individualização em quotas, e tal resulta, aliás, da própria informação que a Autoridade Tributária prestou à ora recorrente, através do e-balcão, onde se esclarece que não é possível proceder à divisão do reembolso de IRS, não havendo qualquer parcela que caiba a cada um dos cônjuges.
10.ª Como poderá julgar-se devidamente apreendidos para a massa os reembolsos de IRS se, caso tivessem optado pela tributação em separado (como, de resto, parece ser o entendimento do Sr. Administrador de Insolvência), ao executado/insolvente caberia, tão só, o reembolso da quantia de 664,50€ (referente ao ano de 2020), e a quantia de 280,95€ (referente ao ano de 2021)? Como considerar-se que tais quantias estão devidamente apreendidas se excedem, largamente, aquilo que os credores/massa teriam direito no caso de tributação em separado? Não poderá a massa insolvente ser beneficiada com valores que jamais teria direito se tivessem optado pela tributação em separado.
11.ª E tal conclusão também se alcança pelo simples exemplo de que, ao invés de terem direito ao reembolso de IRS, se tivessem optado pela tributação em conjunto e tivessem de liquidar imposto em falta a título de IRS, seriam ambos responsáveis perante a AT pela totalidade da quantia a entregar, o que, claramente, funciona em sentido contrário, isto é, quando têm direito a reembolso.
12.ª No caso de tributação conjunta de rendimento o apuramento não tem em conta o regime de bens a vigorar no casamento, nem se um dos cônjuges obteve rendimentos de trabalho naquele ano, revelando, unicamente, os rendimentos e despesas do agregado familiar no seu conjunto, e não as condições (rendimentos e despesas) de apenas um dos cônjuges.
13.ª Os reembolsos de IRS em causa não são um rendimento auferido pelo devedor/insolvente/recorrido, mas um crédito do agregado familiar na sua totalidade. Não se pode pretender que seja tido em consideração, em exclusivo, o rendimento declarado de BB quando o valor apurado para reembolso teve em conta, precisamente, a situação concreta dos restantes elementos que compõem o agregado familiar, inclusive as despesas dos outros elementos, para além do insolvente, porquanto, apenas seria tido em conta, em exclusivo, o rendimento do insolvente no caso de opção pela tributação em separado, o que, conforme já demonstramos supra, consubstanciaria um reembolso muito inferior ao apurado com a entrega da declaração conjunta.
14.ª E, se é verdade que a requerente nem sequer estava obrigada a apresentar declaração de IRS tal facto só vem reforçar a posição assumida pela recorrente no sentido de que não pode a massa ser beneficiada com quantias a que não teria direito caso BB tivesse submetido o IRS em separado e, nessa hipótese: relativamente ao processo executivo n.º ...0..., caso BB...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT