Acórdão nº 3585/22.7T8PRT.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 09-10-2023

Data de Julgamento09 Outubro 2023
Ano2023
Número Acordão3585/22.7T8PRT.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo n.º 3585/22.7 T8PRT.P1
Comarca de Porto
Juízo Local Cível do Porto (Juiz 5)



Acordam na 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto


IRelatório
1. Configuração da acção
Em 22 de Fevereiro de 2022, “A..., S.A.” intentou no Juízo Local Cível do Porto acção declarativa de condenação com processo comum (que qualificou como “reivindicação de propriedade”) contra AA e mulher BB, alegando, em síntese, o seguinte:
É «dona e legítima proprietária» do prédio urbano composto por edifício de cave, rés-do-chão e seis andares e logradouro sito na Avenida ..., ..., e Rua ..., ... da cidade do Porto, descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º ...37 e inscrito na respectiva matriz sobre o artigo ...12.º.
Sucede que os réus estão a ocupar indevidamente parte da cave da loja (assinalada a traço amarelo na planta que junta) com entrada pelo rés-do-chão do n.º ...83 da mencionada Rua ..., a qual é parte integrante desse seu prédio.
Apesar de interpelados, os réus recusam-se a «entregar a posse da fração autónoma em causa» e daí a presente acção.
Concluiu o seu articulado inicial formulando os seguintes pedidos:
«a) deverá a presente acção ser julgada procedente por provada e, consequentemente, ser declarado que a A. é a única legítima proprietária do direito de propriedade do prédio urbano identificado no artigo 1º deste petitório;
b) e, em consequência, serem os R.R. compelidos a entregar de imediato a posse, à A., da parte da cave por estes indevidamente ocupada no predito prédio, totalmente livre de pessoas e bens;
c) Serem os R.R. condenados a pagar à A. de indemnização de €: 50,00 (cinquenta euros) por cada dia de atraso, a partir da citação da presente lide, na entrega do espaço em causa.»

2. Oposição
Citados, os réus vieram apresentar contestação, defendendo-se por excepção e por impugnação.
Por excepção, invocam ilegitimidade passiva, com o seguinte fundamento: são proprietários do prédio sito na Avenida ..., cidade do Porto, da freguesia ..., inscrito e descrito na matriz predial sob o nº ...03 da União de freguesias ..., ..., ..., ..., ... e ..., que adquiriram por compra e venda precisamente à aqui autora “A... S.A.” , em 08.12.2011, e que depois deram de arrendamento a “B..., L.da”, que explora o Hotel ...; a eventual procedência desta acção repercutir-se-á na esfera jurídica desta sociedade, que assim tem interesse em contradizer; seria caso de litisconsórcio necessário.
Na defesa por impugnação, aceitam como verdadeiros os factos descritos sob os artigos 1.º, 3.º e 4.º (titularidade da autora do direito de propriedade sobre o supra identificado prédio e recusa dos réus a entregar à autora a parte do prédio que esta reivindica) e impugnam os demais.
Alegam que a inscrição e a descrição do prédio da autora estão erradas, uma vez que, segundo essa descrição, o rés-do-chão com entrada pelo nº ...83 teria cave (a que a autora reivindica), mas de facto não tem cave, nem nunca teve.
O rés do chão com entrada pelo n.º ...89, esse sim, tem cave; ou seja, há uma troca na descrição das fracções do rés-do-chão do número ...83 e do número ...89.
O prédio dos réus, adquirido à autora em 28.12.2011, inscrito na matriz urbana sob o artigo ...52.º, é composto por um edifício de rés do chão, sobreloja, quatro andares, e mansarda, dependência com quintal e é esta dependência com quintal, precisamente, a área que agora a autora reivindica.
Era nessa dependência que, até Fevereiro de 2018, funcionava a agência de viagens “C...” e agora funcionam a lavandaria, arrumos e vestiários do pessoal do Hotel ..., explorado pela B..., L.da
Alegam factos materiais de posse tendentes a demonstrar a aquisição, por usucapião, da propriedade sobre essa dependência.
Imputam à autora litigância de má-fé e pedem a sua condenação em multa e em indemnização a seu favor.
*
Instada a pronunciar-se sobre a matéria da excepção, a autora veio fazê-lo, defendendo que não ocorre a invocada ilegitimidade passiva e juntou duas certidões emitidas pela Câmara Municipal do Porto que, na sua perspectiva, contrariam a factualidade alegada pelos réus nos artigos 10.º a 23 da sua contestação; logo, não ocorreu a invocada usucapião e falece a acusação de litigância de má-fé.
3. Saneamento e condensação
Com a anuência das partes, foi dispensada a realização da audiência prévia e, em 13.07.2022, foi proferido despacho saneador, em que se conheceu da excepção de ilegitimidade passiva, julgada improcedente, fixou-se o valor da causa (em €22.280,00); fixou-se o objecto do processo e foram enunciados os temas de prova, sem reclamações;
Foram admitidos os requerimentos probatórios e programados os actos da audiência final, designada para o dia 23.11.2022.
4. Audiência final e sentença
A audiência final iniciou-se em 29.11.2022 e decorreu em duas sessões, após o que, com data de 26.01.2023, foi proferida sentença[1] com o seguinte dispositivo:
«Face ao exposto,
a) julgo a presente ação improcedente, por não provada, sendo os réus AA e BB absolvidos do pedido.
b) julgo improcedente, por não provado, o pedido de condenação da autora A..., SA, como litigante de má fé, sendo absolvida desse pedido.
Por ter ficado vencida, as custas correm pela autora (artigos 527.º, 1, do CPC).
Por os réus terem ficado vencidos no pedido de condenação da ré como litigante de má fé, condeno-os em custas, cuja taxa de justiça, como incidente, fixo em 2 UC, respondendo por os réus por estas custas em partes iguais (artigos 527.º, 1, e 528.º, 1, do CPC).»

5. Impugnação da sentença
Irresignada, almejando a revogação da sentença absolutória, dela apelou a autora em 06.03.2023, com os fundamentos explanados na respectiva alegação, que “condensou” nas seguintes conclusões:
«A) O ponto 6 da matéria de facto tem de ser alterado face ao depoimento da testemunha CC, Diretora Regional do Norte das Lojas D..., prestado no dia 29 de Novembro de 2022 - CC, Diretora Regional do Norte das Lojas D..., registado no sistema Habilus Media Studio com início às 15:33 e terminus às 15:45.Entre o 00:00 e 06:00 resulta o seguinte:
Adv – Sabe até que altura esteve arrendada à A...?
Testemunha – Eu ainda lá estava, portanto eu saí da E... em 2014, deve ter sido 2011, mais ou menos. (…)
Adv – Até que data a E... saiu daquele prédio?
Testemunha - Eu sai em 2014, portanto deve ter sido em 2015/2016, não sei.
Adv – Foi numa data posterior?
Testemunha - Foi depois sim (06:00)
B) Do depoimento supra transcrito impõe-se assim alterar o predito ponto 6 da matéria provada, nos termos seguintes:
6) Por contrato de arrendamento, celebrado 24 de maio de 1963, a F..., SARL, deu de arrendamento à G..., SARL, a loja com o n.º ...10 do prédio sito na Avenida ..., da freguesia ..., no Porto, inscrito na matriz sob o artigo ...4, tudo conforme termos do documento 6 junto com a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, o que terminou os seus efeitos e terminado entre 2015 e 2016
C) Em consequência do exposto, o ponto 9 da matéria provada também tem de ser alterado nos termos seguintes:
9) A cave do prédio referido em 1) está a ser ocupada pelos réus desde 2015/2016, quando foi rescindido o contrato de arrendamento anteriormente celebrado com a “G..., SARL”.
D) Conforme decorre do ponto 1 da matéria provada, a Recorrente é dona e legítima proprietária do prédio urbano sito em ..., no Porto, inscrito na matriz sob o artigo ...97 e descrito na Conservatória do Registo Predial do Porto com o n.º ...30 mostra-se registada a seu favor pela ap. 3 de 1947/07/30.
E) Conforme decorre ainda do ponto nº 8 da matéria provada, deste mesmo prédio, cuja entrada é pelo n.º ...83 da Rua ..., faz parte integrante a cave cuja reivindicação de propriedade a Recorrente peticionou.
F) Para tal conclusão, da Douta Sentença ora recorrida decorre que “constando a cave do prédio com entrada pelo número ...83 da Rua ... da planta do projeto de arquitetura do prédio da autora, sendo mencionada expressamente a existência de cave na memória descritiva desse prédio e percebendo-se que os réus reivindicam um espaço que não se localiza por baixo do seu prédio, mas por baixo do prédio vizinho, ou seja, do prédio da autora, permite ao tribunal concluir que a cave em discussão faz parte integrante do prédio da autora.
G) Como elementos de suporte desta conclusão, será ainda de considerar que da certidão do registo predial do prédio da autora consta que se trata de um edifício com cave, o que também consta da caderneta predial desse prédio, ao passo que da certidão do registo predial do prédio dos réus e da respetiva caderneta predial não se refere qualquer cave, mas apenas uma dependência.”
H) Apesar desta matéria ter sido dada como provada, o Tribunal “a quo” não deu provimento à pretensão da Recorrente em que fosse declarada como dona e legítima proprietária do prédio descrito no ponto 1 supra mencionado, cave incluída, pois teria existido a usucapião de tal cave, entendimento este que a Recorrente não pode aceitar.
I) Com efeito, os Recorridos na sua contestação à reivindicação peticionada pela Recorrente limitam-se a referir que a cave em causa pertence ao seu prédio e, mesmo que tal não fosse, adquiriram tal dependência por usucapião, porém esta usucapião não legalmente possível.
J) o prédio descrito no ponto 1 da matéria provada e conforme dele resulta, encontra-se constituído em propriedade vertical.
K) É Jurisprudência unânime dos Tribunais Superiores que num prédio em propriedade vertical não é possível determinar a usucapião de determinada parte “sem a prévia ou, pelo menos, simultânea constituição do imóvel em propriedade horizontal”, conforme bem resulta do Douto Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 04.10.2017 pesquisável em www.dgsi.pt.
L) Ainda é referido neste Douto Aresto que “Embora se admita que, em determinados casos, a simples posse de parte de um prédio possa conduzir à
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