Acórdão nº 3570/22.9T9GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 29-02-2024

Data de Julgamento29 Fevereiro 2024
Número Acordão3570/22.9T9GMR.G1
Ano2024
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 3ª SECÇÃO CÍVEL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

i. Relatório

AA, e mulher, BB, residentes na Rua ..., freguesia ..., do concelho ..., intentaram em 30.06.2022 acção declarativa de condenação contra EMP01..., S.A, peticionando, na sua procedência:
« a) Ser a Ré condenada a proceder à reparação da coisa; ou no caso assim não se entender,
b) A proceder à sua substituição; ou
c) A proceder à redução do preço; ou
d) A proceder à resolução do contrato; e ainda
e) Ser a Ré condenada a pagar aos AA. uma indemnização nunca inferior a € 2.000,00.»
Alegam, em súmula, ter adquirido à ré um veículo automóvel ligeiro de passageiros, da marca ..., modelo ... no estado novo (zero quilómetros), com garantia de 5 anos e sem limite de quilómetros, pelo preço de 27.749,99€, tendo celebrado um contrato de crédito automóvel (locação financeira ou ALD) com o Banco 1..., S.A., e a viatura sido entregue em 31/07/2017.
Desde a data da compra que notaram que a viatura apresentava comportamentos anormais, nomeadamente: (a) o veículo perdia potência em andamento; b) tirando o pé do acelerador o veículo acelerava sozinho, mesmo quando o veículo se encontrava parado, em ponto morto; e c) o veículo entrava num estado de solavancos após efetuado o arranque e quando circulava a baixa velocidade (cerca de 40/50 KM/Hora); pelo que por diversas vezes contactaram a oficina da ré a dar conta dessa situação, tendo recebido uma comunicação por parte desta em 8.2.2018, de que a viatura necessitava de proceder à correção de uma não conformidade técnica, o que foi feito, sem que lhes fosse explicada qual e que intervenção foi efectuada no veículo.
Por diversas vezes a viatura foi à oficina da ré com as mesmas queixas e apesar das intervenções e diagnósticos levados a cabo, o problema sempre se manteve e mantém, o que ocorreu, designadamente, em 5.3.2018; 6.04.2018, 08.04.2019, 11.02.2020, afirmando a ré, que nada resultava dos testes efectuados e que o comportamento assinalado do veículo era normal naquela série/modelo, sem que o confirmassem por escrito.
Dada a falta de solução e considerando as respostas da ré, os AA (através da sua filha) pediram num stand da EMP02... para efectuar um teste-drive de um veículo do mesmo modelo e características, o que fizeram em 2.03.2020, constatando então não existir nenhum dos comportamentos que a ré indicava como características de série, pelo que em 2.03.2020 e enviaram um email à ré expondo os factos aqui relatados, reenviado em 29.06.2020.
Em 28.07.2020 enviaram carta registada com AR a solicitar novamente a reparação. Surgiu, entretanto, um barulho na viatura que foi comunicado à ré.
Em 31.07.2020 a ré agendou uma reparação. Os AA. reiteraram todas as queixas, conforme folha de reparação, e mais uma vez a ré afirmou nada ter sido detectado. Os AA. efectuaram uma reclamação no Livro dada a incoerência de informações prestadas pela ré quanto à sinalização da falta de calços dos travões, ao que esta respondeu em 20.08.2020, nada mais tendo dito.
Por força das intervenções no veículo e considerando a perda de confiança neste os AA. vêm-se privados da sua utilização em pleno, o que lhes causa frustração.

Regularmente citada, a R. apresentou contestação, na qual, para além de excepcionar a sua ilegitimidade, invocou a caducidade da acção por ultrapassado o prazo previsto no artigo 921º n.4 do CCivil, sustentada em súmula na alegação de que decorrendo da petição inicial que a última denuncia efectuada pelos autores, foi-o em 31.07.2020 passaram mais de seis meses até a acção ser por aqueles proposta.
Mais impugnou na sua generalidade os factos invocados pelos autores, dando conta que em todas as intervenções e testes efectuados ao veículo não foi detectada nenhuma anomalia no seu normal funcionamento.
Sustenta, por cautela, que existe uma graduação dos direitos dos AA. que apenas poderiam exigir a reparação e que a sua actuação ao fazer uso diário do veículo durante 5 anos é abusiva.
Requer a intervenção principal provocada da EMP02... e, em caso de assim não se entender, a sua intervenção acessória.
*
Responderam os autores, pugnando pela improcedência das excepções arguidas.
Sustentam que está em causa um contrato de compra e venda de consumo e que a acção foi intentada dentro do prazo de garantia de 5 anos concedido pela ré aos AA.
Que a ré na sequência das reclamações dos AA. sempre lhes garantiu que o comportamento do veículo era normal naquela gama de veículos, o que apenas foi contrariado efectivamente pelos AA. na sequência do teste drive feito em 2.03.2020, altura em que tomaram efectivo conhecimento de que o que lhes era garantido pela ré não correspondia à realidade, o que de imediato comunicaram à ré.
Concluem ter denunciado e intentado a acção no prazo de dois anos porquanto tal prazo esteve suspenso por força dos diplomas publicados no contexto da pandemia Covid-19, suspensão que ocorreu num total por 160 dias, pelo que o seu direito apenas caducaria em 9.8.2022.
*
Após convite de correcção da petição inicial e resposta da ré, foi proferido despacho a indeferir a intervenção principal provocada e a admitir a intervenção assessória provocada da EMP02... SA., a qual apresentou articulado de contestação, aderindo no essencial ao articulado da ré.

Foi proferido despacho de saneamento dos autos – refª elec. ...66, no âmbito do qual, para além de julgar improcedente a excepção de ilegitimidade passiva, conheceu da excepção peremptória de caducidade invocada pela ré e concluiu pela sua procedência.
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Inconformada com a decisão que apreciou a excepção da caducidade invocada, dela recorreram os autores, formulando no termo da motivação as seguintes conclusões (que se transcrevem):

«1. Apelantes e Apelado celebraram entre si um contrato de compra e vende de consumo do veículo ..., modelo ...0, ...... ..., com a matrícula ..-TJ-.., e chassis ...92 em 28/07/2017, tendo os Apelantes destinado aquele veículo ao seu uso pessoal, familiar e doméstico, seu e do seu agregado familiar;
2. Tendo a Apelada concedido aos Apelantes uma garantia voluntária de 5 anos e sem limitação de quilómetros;
3. Os Apelantes foram dando a conhecer à Apelada, por diversas vezes, os comportamentos do veículo que consideravam anómalos, sendo que a Apelada sempre justificou os mesmos dizendo que eram comportamentos normais em carros daquela gama;
4. Pelo que, só no dia 02/03/2020, quando a filha dos Apelantes fez um test-drive num veículo dessa gama, não tendo detetado qualquer um daqueles comportamentos descritos na presente acção, é que os Apelantes tomaram conhecimento dos vícios do veículo vendido pela Apelada.
5. Data em que, por email dirigido à Apelada, os Apelantes reforçaram junto daquela, os vícios identificados no veículo desde a data da sua compra;
6. Ora, ao consumidor basta alegar e provar os factos base da presunção e que eles se manifestaram dentro do prazo da garantia legal imposta pelo Dec. Lei n.º 67/2003 (no caso, tratando-se de um bem móvel, 2 anos);
7. In casu, o dies a quo do prazo de caducidade, e porque nos encontramos perante um defeito oculto que não era exigível que os Apelantes detetassem aquando do uso do veículo, apenas ocorreu aquando do test-drive efectuado pela filha dos Apelantes em 02/03/2020;
8. Ora, para exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade no prazo de 2 meses (art. 5ºA, nº2, do DL nº 67/2033, de 08/04), prazo que os Apelantes respeitaram e até o prazo de denúncia de trinta dias previsto no artº 916º do CC;
9. E, os direitos atribuídos ao consumidor caducam decorridos 2 anos da data da denúncia (art. 5ºA, nº3, do DL nº 67/2033, de 08/04;
10.Sucede que, os prazos de caducidade estiveram “suspensos” desde ../../2020 até ../../2020 (Lei nº 1-A/2020, de 19/03, alterada pela Lei nº 4-a/2020, de 06/04 e Lei nº 16/2020, de 29/05), assim como ... até ../../2021 (Lei nº 4-B/2021, de 01/02), sendo 86 dias no primeiro período e 74 dias no segundo, num total de 160 dias;
11.Assim, somando aqueles 160 dias de suspensão dos prazos de caducidade aos 2 anos que os Apelantes tinham para intentar a ação, é forçoso concluir que o seu direito só caducaria em 09/08/2022;
12.Pelo que, tendo a presente acção entrado em juízo em 30/06/2022, temos de concluir pela tempestividade da mesma.
13.Assim, não poderá manter-se a douta sentença recorrida, que viola os art.os 329.º, do Código Civil, art. 4.º e 5º-A, nºs 2 e 3, do DL 63/2003;
14.Devendo proferir-se douto acórdão que, revogando a douta sentença recorrida, julgue tempestiva a presente ação.
Termos em que deve a apelação ser julgada procedente e, em consequência, ser revogada a douta sentença apelada, substituindo-se por outra que julgue tempestiva a presente acção, com as legais consequências.»
*
Apenas a interveniente EMP02... contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:

«I. O Douto Tribunal assentou a sua convicção, quanto à existência de caducidade dos direitos dos Autores, nos factos trazidos a juízo, tendo concluído pela procedência da exceção invocada, à luz dos elementos temporais indicados, contrapostos com o normativo legal aplicável.
II. Destarte, vêm os Autores, aqui Apelantes, recorrer de tal decisão, alegando a tempestividade da ação intentada.
III. Naturalmente, não poderá a aqui Apelada concordar com tal pretensão, não apenas porquanto o normativo legal aplicável é claro, mas também porque a versão trazida pelos Apelantes não se coaduna com a verdade material, sendo uma visão deturpada dos factos em juízo.
IV. Os Apelantes iniciam as suas alegações fazendo referência ao contrato de compra e venda celebrado; in casu, este contrato diz respeito à compra venda de um veículo já descrito nos presentes autos, de matrícula ..-TJ-...
V. Num complemento ao exposto pelos Apelantes, este negócio foi celebrado na data de 28/07/2017 (pois que será esta a...

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