Acórdão nº 3560/19.9T8CSC.L1-2 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-10-12

Ano2023
Número Acordão3560/19.9T8CSC.L1-2
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa os juízes abaixo assinados:

T., Lda., intentou a presente acção declarativa de condenação, sob forma de processo comum, contra F., Lda. (1ª R.) e MN. (2ª R.), pedindo a condenação solidária das RR. no pagamento da quantia de € 17.784,00, acrescida de juros de mora.
Alega para tanto, e em síntese, que:
- No âmbito da sua actividade comercial celebrou com a 1ª R. um contrato de fornecimento de café e de publicidade da marca Camelo e os seus dois aditamentos, nos termos do qual se obrigou a ceder diverso equipamento à 1ª R. e a entregar-lhe o montante de € 3.000,00 a título de comparticipação publicitária, obrigando-se a 1ª R. a consumir 17 quilogramas mensais de café pelo prazo necessário ao consumo ininterrupto de 1.000 quilogramas;
- A 2ª R. subscreveu tal contrato na qualidade de fiadora da 1ª R. e principal pagadora das obrigações assumidas pela mesma;
- A A. entregou à 1ª R. o equipamento comodatado e a comparticipação publicitária;
- A 1ª R. deixou de comprar café à A., tendo apenas comprado 50 quilogramas, o que determinou a resolução do contrato, que a A. comunicou à 1ª R., mais ficando esta obrigada a indemnizar a A. pelo incumprimento contratual, no montante correspondente a € 18,72 por cada quilograma de café não consumido, como estipulado contratualmente.
Citadas ambas as RR., apresentaram contestação conjunta onde confirmam a celebração do contrato e dos seus aditamentos, mais alegando que estes aditamentos decorreram da transferência do estabelecimento comercial da 1ª R., com todo o equipamento, o que a A. acompanhou, deixando de fornecer qualquer café à 1ª R., e sendo por exclusiva responsabilidade da A. que o contrato não se transferiu para o novo titular do negócio, assim actuando a A. em abuso de direito ao pedir às RR. o pagamento da indemnização contratual por falta de consumo de café que deixou de fornecer. Concluem pela sua absolvição do pedido e, caso assim não se entenda, pela redução do valor da indemnização a € 5.000,00.
A A. foi notificada para se pronunciar quanto à matéria de excepção constante da contestação, nada tendo dito.
Com dispensa de audiência prévia foi proferido despacho saneador, mais se dispensando a fixação do objecto do litígio e a enunciação dos temas de prova.
Realizou-se a audiência final, após o que foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:
Nestes termos e com tais fundamentos, julgo a acção procedente por provada e, em consequência, condeno, solidariamente, as RR. (…) a pagarem à A., a quantia de € 17.784,00, a título de indemnização por incumprimento contratual, no que se refere às obrigações de aquisição de parte do café cuja aquisição foi acordada, quantia esta acrescida de juros de mora à taxa legal para as operações comerciais, contados desde a data do trânsito em julgado da presente sentença e até integral pagamento.
Custas pelas RR.”.
As RR. recorrem desta sentença, terminando a sua alegação com as seguintes conclusões, que aqui se reproduzem na sua totalidade (inclusive com as epígrafes aí constantes):
- Da omissão de pronúncia e falta de fundamentação:
1)As Rés, em sede de contestação, defenderam-se por excepção, quer alegando a passagem do estabelecimento comercial com todo o equipamento, sendo que o contrato dos autos só não foi transferido por responsabilidade da Autora, quer invocando o abuso de direito, donde resultaria que a Autora estaria impedida de demandar as Rés, com a consequente improcedência do pedido deduzido nesta acção ou, em último caso, a redução do alegado valor indemnizatório para a quantia de € 5.000,00.
2)Por despacho de fls. de 27/09/2021, foi determinada a notificação da Autora para, em dez dias, se pronunciar relativamente às excepções invocadas; E, regulamente notificada daquele despacho, o silêncio da Autora imperou, não se pronunciando sobre as excepções.
3)Em sede de audiência de julgamento, realizada em 16/12/2022, voltou a não haver qualquer pronúncia da Autora relativamente às excepções deduzidas, sendo certo que tal direito já havia precludido.
4)Perante a falta de pronúncia da Autora, importava que o Tribunal a quo aplicasse o regime que decorre do disposto no artigo 574º do CPC, efeito cominatório pleno, julgando procedente as excepções, com as legais consequências; não foi, porém, isso que aconteceu, tendo os autos prosseguido para julgamento.
5)Olhando ao teor da sentença recorrida constata-se que as excepções deduzidas pelas Rés não foram apreciadas, não resultando fundamentada essa “opção”.
6)Está em causa matéria relevante que foi tempestivamente invocada pelas Rés, e sobre a qual o Tribunal recorrido não dedicou uma única linha, em violação do disposto no artigo 608º, n.º 2, 1ª parte do CPC.
7)Assim elaborada, a sentença recorrida é nula, nos termos do artigo 615º, n.º 1, alíneas b) e d) do CPC, por omissão de pronúncia e falta de fundamentação.
8)Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou, entre outras, as normas dos artigos 154º, 574º, n.ºs 1 e 2, 608º, n.º 2, 1ª parte, 615º, n.º 1, alíneas b) e d), todos do CPC.
9)Consequentemente, deve a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que, suprindo os apontados vícios, julgue as excepções invocadas pelas Rés procedentes, por provadas, com a consequente improcedência da acção ou, caso assim não se entendesse, reduza substancialmente o valor da indemnização para montante não superior a € 5.000,00 atento o abuso de direito invocado e o peticionado nos autos.
- Nulidades processuais – produção de prova:
10)Em sede de contestação, as Rés arrolaram três testemunhas, as quais foram notificadas pelo Tribunal para comparecerem na data designada para a realização da audiência de julgamento.
11)No dia audiência de julgamento, 16/12/2022, compareceram em Tribunal as testemunhas JP. e VR., comuns à Autora, tendo a terceira testemunha arrolada pelas Rés, EA., faltado.
12)No que toca às testemunhas presentes, perante ausência do mandatário das Rés, impunha-se que fosse o Tribunal a levar cabo a inquirição das mesmas, tendo como objecto a matéria da contestação, o que não foi o caso, porquanto a inquirição de tais testemunhas decorreu apenas a instâncias da Autora, não tendo o Tribunal a quo intervindo para inquirir, (cfr. depoimentos das testemunhas JP., prestado na audiência de julgamento realizada em 16/12/2022, passagens 00m00s a 14m25s; VR., prestado na audiência de julgamento realizada em 16/12/2022, passagens 00m00s a 11m19s).
13)Não se concebe que, tendo as Rés desempenhado a tarefa principal em sede de prova, tendo a iniciativa da mesma – apresentando o rol de testemunhas – e comparecendo as testemunhas em tribunal no dia designado, o juiz tenha deixado de as inquirir sobre a matéria da contestação.
14)O Tribunal pode, por sua iniciativa, proceder à inquirição de uma testemunha não arrolada – artigo 526º, n.º 1 do CPC, pelo que por maioria de razão, o deve fazer relativamente a uma testemunha arrolada pela parte e presente em audiência de julgamento.
15)Não podendo, dada a ausência do mandatário das Rés, ser seguido rigorosamente o regime constante do regime geral previsto no artigo 516º do CPC, não é razoável que a consequência seja a não realização da inquirição por banda das Rés, porquanto a mesma pode sempre ser efectuada pelo juiz da causa, pois, veja‑se, até pode avocar o interrogatório – artigo 516º, n.º 5 do CPC.
16)Conclui-se que, não obstante a ausência do mandatário das Rés na audiência de julgamento, deveria o Tribunal a quo ter procedido à inquirição das testemunhas presentes, tendo como objecto a matéria da contestação.
17)A única consequência da falta de advogado na audiência é a de a parte respectiva ficar sem patrocínio judiciário nesse acto processual, devendo as testemunhas arroladas pela parte patrocinada pelo advogado faltoso ser interrogadas pelo juiz, (cfr. acórdão do TRP proferido no processo n.º 555/08.1TBCHV.P1, disponível em www.dgsi.pt).
18)Não tendo o juiz inquirido as testemunhas que estiveram presentes no julgamento e que as Rés arrolaram, foi omitido um acto que a lei prescreve e tal omissão, pode ter influído na decisão sobre a matéria de facto, o que é causa de nulidade nos termos do artigo 195º do CPC, devendo, em consequência, ser anulado o julgamento e, inerentemente, a sentença recorrida revogada.
19)Relativamente à testemunha faltosa, EA., arrolada pelas Rés, o Tribunal decidiu concluir a audiência de julgamento sem determinar a audição da mesma por via da marcação de nova sessão, sendo que nem tão pouco apresentou ou mencionou qualquer razão para a não inquirir, violando as regras processuais relativas à produção de prova.
20)Face à não dispensa das testemunhas das Recorrentes e a ausência do mandatário das mesmas, o Tribunal deveria ter marcado a continuação da audiência de julgamento para audição da testemunha que não compareceu.
21)O Tribunal a quo ao ter constatado a ausência da aludida testemunha, estando a mesma notificada, acabou por substituir-se à parte no juízo sobre a imprescindibilidade da mesma, já que decidiu pôr termo à audiência de julgamento, não marcando nova data para a sua continuação – dela prescindindo, portanto, em detrimento da parte, no caso as Rés.
22)E não se diga que o mandatário teria de estar presente para declarar que não prescinde da testemunha, pois se foi arrolada e se estava notificada para comparecer na data da audiência de julgamento, a mesma só poderia deixar de ser ouvida caso as ora Recorrentes a tivesse dispensado e assim prescindido da sua inquirição, o que não foi o caso.
23)Importava que o Tribunal a quo tivesse aplicado o regime previsto no artigo 508º, n.ºs 3, alínea c), e 4, ordenando a notificação das Rés para se pronunciarem quanto à falta da testemunha, designadamente no sentido de uma eventual substituição e, se fosse caso, ordenando que a testemunha que sem justificação faltou
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