Acórdão nº 354/22.8T8CBR.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2022-04-05

Ano2022
Número Acordão354/22.8T8CBR.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DE COMÉRCIO DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA)

Processo n.º 354/22.8T8CBR.C1 – Apelação
Comarca de Coimbra, Coimbra, Juízo de Comércio
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

AA, já identificada nos autos, apresentou-se à insolvência e requereu a exoneração do passivo restante.
Alegou, para tal, resumidamente que se encontra numa situação de insolvência atual, nos moldes preceituados no artigo 3.º do CIRE e impossibilitada de cumprir as obrigações que se vierem a vencer no futuro. Com seu salário penhorado pelos credores da sociedade a quem prestou avais, a sua resistência esgotou-se e chegou a um estado de insolvência pessoal, tendo cessado pagamentos a credores no decurso do presente ano, sob pena de não poder subsistir quer como ser humano, socialmente integrado na classe média e vivendo com o mínimo de dignidade que o seu estatuto profissional lhe poderia e deveria proporcionar, trabalhando praticamente todos os dias, por períodos de cerca de 12 horas, aos quais se soma o tempo das deslocações para o local de trabalho e viagem de regresso, quer como mãe de duas filhas em idade escolar, uma delas menor, outra acabada de atingir a maioridade, a quem provém sustento.
A Requerente pretende que lhe seja concedido e beneficiar da exoneração do passivo restante que não vier a ser integralmente pago no processo de insolvência e a operar nos cinco anos posteriores ao encerramento deste processo, dado que preenche, assim, todos os requisitos de que depende a exoneração do passivo restante, não se verificando nenhuma das condições previstas no art. 238.º, n.º 1 do CIRE para que o pedido de exoneração seja indeferido liminarmente, reunindo os requisitos previstos do art. 249.º do CIRE.
Termina requerendo a declaração da insolvência da Requerente, a qual é atual e que lhe seja concedido o benefício de exoneração do passivo restante.

Entretanto e porque por sentença proferida em 25 de Junho de 2014, no Tribunal Judicial da Comarca ..., no âmbito dos autos com o n.º 373/14...., foi decretada a insolvência da ora requerente, conjuntamente com o, então, seu marido, BB, foi a mesma, nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC, notificada para se pronunciar acerca da eventual existência da excepção de caso julgado.

No seguimento do que, veio a apresentante pugnar pela inexistência da mesma, dado que o cenário factual que ditou a apresentação à insolvência da requerente hoje dista em muito daquele que esteve na origem da decisão ora referida.
A requerente encontra-se novamente numa situação de insolvência, sendo os seus maiores credores os mesmos que o eram em 2014, contudo o circunstancialismo que ditou a presente insolvência, mormente, as despesas correntes e diárias da requerente e seu agregado familiar, o rendimento disponível para fazer face as essas mesmas despesas e as condições de vida da requerente em muito se alteraram para pior.
Designadamente, perdeu a casa que tinham, tendo tomado de arrendamento um apartamento, na ... e sozinha e com o salário penhorado, tem de suportar todas as despesas do seu agregado familiar, constituído por si e duas filhas, a mais velha a estudar ..., o que lhe acarreta grande despesas, que não tem meios para suportar.
Assim não deve ser vedada à requerente a faculdade de novamente se apresentar à insolvência, beneficiando da exoneração do passivo restante, quando a realidade subjacente a um e outro processo em tanto distam.
Argumenta que sendo certo que se verifica uma tendencial identidade de credores, dever-se-á concluir identicamente que tal não basta para concluir pela total identidade dos objetos das lides em causa.
Assim, em face da factualidade apresentada demonstra-se evidente que o circunstancialismo que hoje colocou a requerente numa situação de insolvência difere em muito daquela anteriormente declarada, desde logo, dada a ausência do rendimento do seu ex-marido para fazer face às despesas declaradas.
Sendo certo que os maiores credores da requerente se mantêm essencialmente os mesmos, menos verdade não é que o circunstancialismo descrito não deverá ser desconsiderado por este digno tribunal na apreciação da exceção invocada
Termina requerendo que siga o presente processo com a consequente declaração de insolvência da requerente, bem assim, com a exoneração do passivo restante.

Conclusos os autos à M.ma Juiz a quo, foi proferida a decisão constante de fl.s 80 a 87 (aqui recorrida), na qual, a final, se indeferiu liminarmente o pedido de declaração de insolvência, em resumo, com o fundamento na existência de caso julgado da anterior sentença de declaração de insolvência e porque a exoneração do passivo restante não seria de conceder, dada a inexistência de processo de insolvência, ficando as custas a cargo da requerente.

Inconformada com tal decisão, dela interpôs recurso, a requerente AA, o qual foi admitido como sendo de apelação, com subida imediata, nos próprios autos (cf. despacho de fl.s 105), finalizando as suas alegações de recurso, com as seguintes conclusões:
(…).
Não foram apresentadas contra-alegações.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.
Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de averiguar se se verifica a excepção de caso julgado e, consequentemente, deve a petição inicial ser liminarmente indeferida, como o foi, não podendo servir o novo processo de insolvência, apenas para a dedução do pedido de exoneração do passivo restante.

É a seguinte a factualidade tida como assente na sentença recorrida:
1.º A Requerente encontra-se divorciada (cfr. documento junto com a petição inicial sob doc. n.º 1).
2.º O seu agregado familiar é composto por si e pelas suas duas filhas, CC (cfr. doc. n.º 2 junto com a petição inicial) e DD - cfr. doc. n.º 3 junto com a petição inicial), provenientes do seu anterior casamento com BB.
3.º A Requerente tem a profissão de ..., exercendo funções no Centro ..., onde aufere mensalmente, a título de remuneração base, € 1.411,67, montante sobre o qual recai atualmente penhora na proporção de 1/3 (um terço) à ordem do processo executivo n.º 919/13.TBLSA (cfr. doc. n.º 4 junto com a petição inicial)-, para além das obrigações tributárias, pelo que neste momento, recebe líquido um rendimento que, em média, perfaz um montante de € 777,53.
4.º Contra a Requerente existem ações, declarativas e executivas, cujo elenco se encontra junto sob doc. n.º 5.
5.º Indica como credores:
1) Banco B..., S. A., pessoa coletiva n.º ..., com sede na Avenida ..., ..., ... ...:
• Quantia de € 22.077,88 (vinte e dois mil e setenta e sete euros e oitenta e oito cêntimos), proveniente de aval prestado em livrança à empresa A..., Lda
• Quantia de € 35.053,59 (trinta e cinco mil e cinquenta e três euros e cinquenta e nove cêntimos), proveniente de aval prestado em livrança à empresa A..., Lda
• O que perfaz a quantia de € 57.131,47 (cinquenta e sete mil, cento e trinta e um euros e quarenta e sete cêntimos).
2) Banco C..., S.A., pessoa coletiva n.º ..., com sede na Praça ..., ..., ... ...:
• Quantia de € 51.447,20 (cinquenta e um mil, quatrocentos e quarenta e quatro e vinte cêntimos), proveniente de aval à empresa A..., Lda relativo a emissão de garantias bancárias.
3) Banco P..., SA, pessoa coletiva n.º ..., com sede na Rua ..., ..., ... ...:
• Quantia de € 3.005,17 (três mil e cinco euros e dezassete cêntimos), proveniente de aval à empresa A..., Lda relativo a emissão de garantias bancárias e contratos de mútuo;
• Quantia de € 95.052,04 (noventa e cinco mil, cinquenta e dois euros e quatro cêntimos), proveniente de aval à empresa A..., Lda relativo a emissão de garantias bancárias e contratos de mútuo;
• Quantia de € 59.164,03 (cinquenta e nove mil, cento e sessenta e quatro euros e três cêntimos), proveniente de aval à empresa A..., Lda relativo a emissão de garantias bancárias e contratos de mútuo;
• Perfazendo um montante total de € 157.221,24 (cento e cinquenta e sete mil, duzentos e vinte e dois euros e vinte e quatro cêntimos).
4) Banco D..., SA, pessoa coletiva n.º ..., com sede na Av. ... ...:
• Quantia de € 258.374,21 (duzentos e cinquenta e oito mil, trezentos e setenta e quatro euros e vinte e um cêntimos), proveniente de aval de livranças, letra, contratos de mútuo, descobertos bancários, empréstimo e cartões de crédito concedidos à empresa A..., Lda;
• Quantia de € 29.398,39 (vinte e nove mil, trezentos e noventa e oito euros e trinta e nove cêntimos), proveniente de aval de livranças, letra, contratos de mútuo, descobertos bancários, empréstimo e cartões de crédito concedidos à empresa A..., Lda;
• Perfazendo um montante total de € 287.772,60 (duzentos e oitenta e sete mil, setecentos e setenta e dois euros e sessenta cêntimos).
5) C..., SA, pessoa coletiva n.º ..., com sede na Avenida ..., ..., ... ...:
• Quantia de € 51.858,44 (cinquenta e um mil, oitocentos e cinquenta e oito euros e quarenta e quatro cêntimos), proveniente de aval à empresa A..., Lda relativo à emissão de garantias bancárias.
6) G..., SA, pessoa coletiva n.º ..., com sede em Praceta ..., ... ABC, ... ...:
• Quantia de € 43.749,95 (quarenta e três mil, setecentos e quarenta e nove euros e noventa e cinco cêntimos), proveniente de aval à empresa A..., Lda relativo à emissão de garantias bancárias.
7) EE, pessoa singular, contribuinte fiscal n.º ..., sito em ..., ..., ...:
• Quantia de € 19.500,00 (dezanove mil e quinhentos euros) proveniente de empréstimo titulado por letra de câmbio.
6.º A sociedade de que foi sócia – A..., Lda – foi declarada insolvente, no âmbito do processo n.º 830/13...., encontrando-se em liquidação (cfr. doc. n.º 7 junto com a petição inicial).
7.º A Requerente tomou de arrendamento um
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