Acórdão nº 3529/21.3T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2022-11-17

Ano2022
Número Acordão3529/21.3T8GMR.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães:

I – Relatório:

Por despacho de 13 de julho p.p., e transcrevendo parte da fundamentação, foi decidido o seguinte:
“Aliás, não se poderá descurar que a majoração a que alude o nº 7 do artigo 23º do EAJ está prevista não só para os casos de recuperação, mas igualmente para os casos de liquidação do ativo, na medida em que a remissão ali feita o é para os nºs 5 e 6.
Afigurando-se-nos que a referida majoração se aplicará, em regra, apenas nos casos em que exista liquidação do ativo (no âmbito de um processo de insolvência), mostrando-se a possibilidade de aplicação da referida majoração igualmente aos planos de recuperação aprovados e homologados, mas apenas se quando o próprio plano preveja que parte dos créditos sejam satisfeitos por via de liquidação de bens, entre outros casos, nos previstos nos artigos 195º nº 2 alínea c) e 196º nº 1 alínea e) do CIRE.
Não podendo extrair-se da remissão igualmente para o nº 5 do artigo 23º do EAJ a conclusão de que o resultado da liquidação e o resultado da recuperação terão o mesmo tratamento.
Sendo certo que, conforme o legislador consignou no referido preceito legal, o valor a majorar será em função do grau de satisfação dos créditos reclamados e admitidos, em 5% do montante dos créditos satisfeitos, sendo o respetivo valor pago previamente à satisfação daqueles.
Não se podendo desvalorizar a menção a créditos satisfeitos (coisa distinta de créditos a satisfazer) e nem o facto de se prever o pagamento desta componente da remuneração variável antes do pagamento aos credores.
O que apenas se vislumbra como aplicável e possível, precisamente, quando os credores tenham valores a receber de imediato por via de qualquer liquidação.
Isto porque, num quadro de recuperação, em que os créditos serão satisfeitos à medida que se forem vencendo de harmonia com o previsto no plano e parte da remuneração variável só se vencerá após dois anos (e em função do cumprimento do plano), nem existirão créditos satisfeitos e nem o pagamento da remuneração será possível nos termos ali previstos.
Sem que se vislumbre, aliás, fora um quadro de liquidação em que o administrador judicial tenha maior intervenção, porque razão é que este deverá ser recompensado na medida dos créditos a satisfazer, nos mesmos termos em que ocorrerá num cenário de insolvência com liquidação do ativo.
Aqui chegados, cumpre então concluir que o Sr. administrador judicial provisório terá direito à remuneração fixa de € 2.000,00.
Sendo que a tal remuneração acrescerá uma remuneração variável, correspondente a 10% da diferença entre o valor total dos créditos reconhecidos e o valor de tais créditos resultante da execução do plano de recuperação, valor da redução dos créditos reconhecidos [67.130,73].
Conforme cálculo efetuado pela secção deste Tribunal.
Sendo que tais montantes serão pagos pela requerente/devedora (artigo 17º-C nº 6 do CIRE).
A remuneração fixa a pagar de imediato e a remuneração variável em duas prestações de igual valor, sendo a primeira liquidada de imediato e a segunda dois anos após a data de homologação do plano, caso o devedor continue a cumprir regularmente o plano aprovado, sem prejuízo da redução desta segunda prestação para um quinto, caso o devedor deixe de cumprir o plano aprovado.
Pelo exposto fixo ao Sr. administrador judicial provisório o valor de remuneração fixa no montante de € 2.000,00 e a título de remuneração variável o montante de €10.717,08, montantes esses acrescidos do IVA legalmente devido, a pagar pela requerente/devedora, nos termos e prazos acima consignados.”

Inconformado com a decisão, o senhor administrador judicial recorreu, formulando as seguintes prolixas conclusões:

A.) Procede o presente recurso de decisão datada de 14-07-2022 em que determinou o Mmo. Juiz a quo, no que ao âmago do presente recurso interessa, o seguinte: “Pelo exposto fixo ao Sr. administrador judicial provisório o valor de remuneração fixa no montante de € 2.000,00 e a titulo de remuneração variável o montante de €10.717,08, montantes esses acrescidos do IVA legalmente devido, a pagar pela requerente/devedora, nos termos e prazos acima consignados.” Debruçando-se para o efeito na interpretação da nova redação dos art.ºs 23.º e 29.º da Lei n.º 22/2013, de 23 de Fevereiro. Determinou ainda que “A remuneração fixa a pagar de imediato e a remuneração variável em duas prestações de igual valor, sendo a primeira liquidada de imediato e a segunda dois anos após a data de homologação do plano, caso o devedor continue a cumprir regularmente o plano aprovado, sem prejuízo da redução desta segunda prestação para um quinto, caso o devedor deixe de cumprir o plano aprovado.”
B.) Com o devido respeito, o Tribunal a quo desconsiderou os pressupostos factuais e a redação legal que subjaz ao confronto de interesses emergentes no presente recurso, nomeadamente arrendado a aplicação da majoração que o legislador EXPRESSA e DECLARADAMENTE consignou.

I – do PRAZO DE PAGAMENTO DA SEGUNDA PRESTAÇÃO

C.) Desde logo, refira-se que, o Tribunal a quo fez consignar que “A remuneração fixa a pagar de imediato e a remuneração variável em duas prestações de igual valor, sendo a primeira liquidada de imediato e a segunda dois anos após a data de homologação do plano (...).”.
D.) Ora, presumindo-se que o legislador se soube expressar corretamente – cfr. art.º 9.º n.º 3 do CCivil (Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados - não estamos perante qualquer lacuna ou erro na expressão do legislador);
E.) Porque existindo a opção entre o cômputo dos dois anos para o pagamento da segunda prestação, por referência à data da aprovação de tal plano ou à data da sua homologação, optou o legislador por consignar expressamente que tal pagamento deveria ocorrer nos dois anos seguintes à data da APROVAÇÃO do referido plano.
F.) Neste sentido e do teor da lei, dispõe o art.º 29.º n.º 3 da Lei n.º 22/2013, de 23 de fevereiro, que “3 - A remuneração variável relativa ao resultado da recuperação do devedor é paga em duas prestações de igual valor, sendo a primeira liquidada no momento da aprovação do plano de recuperação e a segunda dois anos após a aprovação do referido plano, caso o devedor continue a cumprir regularmente o plano aprovado.”
G.) Assim, o pagamento da segunda prestação deverá ser efetuado dois anos após a aprovação do plano e não dois anos após a homologação do plano, devendo ser alterada a decisão recorrida em conformidade.

II – do CÁLCULO DA REMUNERAÇÃO VARIÁVEL

H.) Por outro lado, e no que ao âmago do presente recurso se refere, entendeu o Tribunal o seguinte: “Sendo que a tal remuneração acrescerá uma remuneração variável, correspondente a 10% da diferença entre o valor total dos créditos reconhecidos e o valor de tais créditos resultante da execução do plano de recuperação, valor da redução dos créditos reconhecidos [€ 67.130,73]. Conforme cálculo efetuado pela secção deste Tribunal.”
I.) Arrendando ainda a aplicação de qualquer majoração, in casu, de 5%, por entender que a mesma não é aplicável aos casos de recuperação do devedor, mas apenas aos casos de liquidação do ativo.
J.) Com o devido respeito, tal interpretação afronta literalmente o teor da lei.
K.) Neste sentido, não concorda o recorrente com a decisão a quo, mormente no que tange à fórmula de cálculo aplicada e à justificação apontada para a sua remuneração variável, por desconsiderar os pressupostos factuais e a redação legal que subjaz ao confronto de interesses emergentes no presente recurso, nomeadamente, arrendado a aplicação da majoração que o legislador EXPRESSA e DECLARADAMENTE consignou.
a) da REMUNERAÇÃO/art.º 23.º n.ºs 4, alínea a) e 5
L.) Nos termos do art.º 23.º n.ºs 4, alínea a) e 5 da Lei n.º 22/2013, de 23 de fevereiro, a situação líquida da sociedade revitalizanda “calculada 30 dias após a homologação do plano de recuperação do devedor, nos termos do n.º 5” corresponderá à sua situação líquida apresentada no final do último exercício, de (-)146.127,20€, acrescido do valor da redução dos créditos reconhecidos de 67.130,73€, ou seja, o valor de (-)78.996,47€.
M.) Neste sentido, JOÃO ANTUNES in “O capital próprio”, Revista TOC 99 – JUN 2008, págs. 32 e 33, que consigna esclarecidamente que “O capital próprio, também designado por capitais próprios ou situação líquida, é uma realidade que sempre confundiu leigos e não leigos, questionando-se sobretudo sobre a sua natureza, finalidade e em que circunstâncias pode ser movimentado. O capital próprio corresponde ao património líquido da empresa e é composto pelas seguintes rubricas com tradução contabilística: capital social, reservas, prestações suplementares e resultados transitados.”
N.) O conceito de “SITUAÇÃO LÍQUIDA” de uma sociedade está contabilisticamente tipificado e resulta dos seus elementos contabilísticos da revitalizanda, na rúbrica “CAPITAL PRÓPRIO”, sendo esta a definição que melhor se coaduna com a interpretação literal da lei.
O.) Aliás, a interpretação vertida na decisão recorrida poderia levar à seguinte situação: recorrendo uma empresa ao Processo Especial de Revitalização, não pretendendo aprovar nenhuma redução de capital junto dos seus credores, mas apenas (re)negociar novos prazos de pagamento – como tantas vezes sucede,
P.) O Administrador Judicial Provisório não teria direito a qualquer remuneração variável!!!
Q.) Com o devido respeito, a remuneração variável computada nos termos do art.º 23.º n.ºs 4, alínea a) e 5 da Lei n.º 22/2013, de 23 de fevereiro, corresponderá à aplicação do fator percentual de 10% do valor da situação líquida da empresa. Acontece que, in casu sub judice, o devedor se manteve numa situação líquida negativa, mesmo com as alterações introduzidas pelo...

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