Acórdão nº 3449/22.4T8VFX.L1-1 de Tribunal da Relação de Lisboa, 2023-12-14

Ano2023
Número Acordão3449/22.4T8VFX.L1-1
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA


I-/ Relatório:


A (….) e B (…), casados entre si e residentes na Rua (….), intentaram, nos termos do art.º 222.º-A do CIRE, o presente processo especial para acordo de pagamento.
Foi nomeado Administrador Judicial Provisório, que juntou a lista provisória de créditos, publicada no Portal Citius em 06/02/2023.
Em 14/04/2023, os devedores e o Sr. AJP prorrogaram por mais um mês o prazo para conclusão das negociações.
Em 15/05/2023, os devedores, em requerimento apresentado nos autos, juntaram aos mesmos um “Acordo de Pagamento”, ali mencionando que se deveria dar início ao período de votação previsto no CIRE.
Em 22/05/2023 foi aquele acordo publicitado no portal Citius, onde se exarou que «Foram concluídas as negociações de acordo de pagamento sem observância do disposto no nº 1 do art.º 222º-F do CIRE, ficando todos os interessados advertidos que tal acordo foi junto ao processo, correndo desde a presente publicação, o prazo de votação de 10 (dez) dias, no decurso do qual pode ser solicitada a não homologação do plano (nº 2 do art.º 222º-F do CIRE)».

Em 29/05/2023, a credora SD …, S.A. veio aos autos requerer que se determinasse o encerramento do processo negocial, por se encontrar ultrapassado o prazo para conclusão das negociações, sem que tivesse sido alcançado um acordo de pagamento, pois que o documento apresentado nos autos pelos devedores, no fim do prazo prorrogado, consubstanciava apenas e tão só uma “proposta de pagamento”, sem prévia aprovação dos credores, submetida subsequentemente a votação, quando esta deveria ter ocorrido dentro do prazo das negociações, não devendo assim o Tribunal publicitar o aludido documento como “acordo de pagamento”, por não o ser. E, a ser assim, defendia, encontrava-se verificado o fundamento para julgar encerrado o processado negocial, ao abrigo do n.º 1 do artigo 222.º-G do CIRE, na parte em que este dispõe que, caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 222.º-D sem se alcançar um acordo de pagamento, o processo negocial é encerrado. Mais alegava que manifestara o seu sentido de voto, desfavorável, à aprovação da proposta de Acordo de Pagamento apresentada pelos Devedores, junto do Exmo. Sr. Administrador Judicial Provisório.

Os devedores responderam que não lograram alcançar a aprovação unânime do acordo de pagamento apresentado junto de todos os credores, pelo que tal apresentação ocorreu a coberto do n.º 2 do art.º 222.º- F do CIRE, devendo tal acordo de pagamento ser colocado à votação, como foi.

Houve impugnações à lista provisória, que vieram a ser decididas por despacho de 01/06/2023.

Em 30/06/2023, o Sr. AJP apresentou o resultado da votação, considerando aprovado o acordo de pagamento ao abrigo da al. b) do n.º 3 do art.º 222.º-F, do CIRE.

Por despacho proferido em 13/07/2023, foi indeferido o requerido pela credora SD ..., S.A, em 29/05/2023, e, em sede de sentença, também proferida nessa mesma data, foi decidido que:
«Homologo, por sentença, o acordo de pagamento referente a A e B (..), casados entre si, residentes na Rua (…).
A presente decisão vincula todos os demais credores, mesmo que não hajam participado nas negociações – art. 222.º-F, n.º 8, do CIRE.
Custas pelos Requerentes com taxa de justiça reduzida a ¼ - arts. 222.º-F, n.º 9 e 302.º nº 1, ambos do CIRE.
Registe, notifique e publicite – art. 222.º-F, n.º 8, do CIRE.
(…)».

Não se conformando com o teor de tal sentença, dela apelou a credora SD …, S.A., formulando, a final, as seguintes conclusões, que se reproduzem:
I.– Por douta sentença, proferida, pelo Tribunal a quo, em 27/07/2023 (Ref.ª Citius 157618456), foi o Acordo de Pagamento referente a A e B, homologado.
II.– Em 28/10/2022, apresentaram-se os devedores, A e B, a Processo Especial para Acordo de Pagamento.
III.– Procedeu, o Exmo. Sr. Administrador Judicial Provisório, nos termos do artigo 222.º-D n.º 3 do CIRE, à junção aos autos da lista provisória de créditos, no dia 06/03/2023, a qual foi, no mesmo dia, publicada no Portal Citius (Publicidade dos processos especiais de revitalização, dos processos especiais para acordo de pagamento, dos processos extraordinários de viabilização de empresas e dos processos de insolvência).
IV.– Neste seguimento, decorrido o prazo de cinco dias úteis, para impugnação da referida lista, iniciou-se, em 14/02/2023, o prazo de dois meses para conclusão das negociações (cfr. artigo 222.º-D n.º 5 CIRE).
V.– Antes de findo o período de dois meses de negociações, foi, em 14/04/2023, junto aos presentes autos, acordo de prorrogação do período de negociações, por um mês, com vista à conclusão das negociações iniciadas e aprovação do Acordo de Pagamento.
VI.– Com efeito, a 15/05/2023, foi, pelos Devedores, apresentado nos autos “Acordo de Pagamento”, para os termos e efeitos previstos no CIRE.
VII.– Por fim, a 22/05/2023, foi publicado no Portal Citius, “ANÚNCIO - Publicidade do Acordo de Pagamento”.
VIII.– O “Acordo de Pagamento” apresentado aos autos, pelos Devedores, não consubstanciou propriamente um acordo, mas antes uma proposta.
IX.– Isto porque, o mesmo, à data da apresentação em juízo, não havia sido submetido a qualquer votação para aprovação por parte dos Credores.
X.– Resulta do n.º 5 do artigo 222.º-D do CIRE, que o devedor e os credores dispõem do prazo de dois meses para concluir as negociações encetadas, a contar do fim do prazo para a impugnação da lista provisória de créditos, o qual pode ser prorrogado, por uma só vez e por um mês.
XI.– Por sua vez, resulta dos n.ºs 1 e 2 do artigo 222.º-F do CIRE, que o acordo de pagamento entre o devedor e os seus credores deve ser alcançado dentro do prazo das negociações.
XII.– É pressuposto basilar que as negociações sejam concluídas com a aprovação de acordo de pagamento, seja ela unânime, ou não.
XIII.– Tendo em conta que só poderá existir aprovação, se existir uma votação que lhe esteja associada, de forma prévia, facto que decorre do próprio significado da palavra, parece-nos ser cristalino que este prazo é um prazo para negociar e para se alcançar um acordo de pagamento.
XIV.– Assim, visto que a aprovação depende do voto dos credores, segue-se daqui que, é dentro do prazo das negociações que deve ser feita a votação do acordo.
XV.– In casu, o prazo das negociações terminou no dia 15/05/2023.
XVI.– Tendo o supra em consideração, bem como o facto de este prazo ter terminado sem que tenha sido alcançado um Acordo aprovado pelos credores dos Devedores, há que deduzir-se que o prazo das negociações foi concluído sem a aprovação de Acordo de Pagamento.
XVII.– Acresce que, andou mal o douto Tribunal a quo, na medida em que procedeu à publicação, no Portal Citius, do “ANÚNCIO - Publicidade do Acordo de Pagamento”, advertindo da junção do Plano, e dando, deste modo, por iniciado o prazo de votação de 10 (dez) dias, no decurso do qual pode ser solicitada a não homologação do plano, nos termos do n.º 2 do art.º 222.º-F do CIRE, não tendo atendido ao facto de que o “Acordo de Pagamento” apresentado pelos Devedores não passava de uma mera proposta, a qual não havia, sequer, sido submetida à aprovação dos Credores.
XVIII.– Assim, tendo em conta que, nos termos supra aduzidos, é apenas o Acordo (aprovado pelos Credores) que deve ser remetido ao Tribunal e publicitado por força do n.º 2 do mencionado artigo 222.º-F do CIRE, não faz qualquer sentido que seja publicitado, como o foi nos autos, o “Acordo de Pagamento” que os Devedores apresentaram, sem que o mesmo tivesse sido alvo de qualquer prévia aprovação por parte dos seus credores.
XIX.– E, a ser assim, parece-nos encontrar-se verificado o fundamento para julgar encerrado o processado negocial, ao abrigo do n.º 1 do artigo 222.º-G do CIRE, na parte em que este dispõe que, caso seja ultrapassado o prazo previsto no n.º 5 do artigo 222.º-D sem se alcançar um acordo de pagamento, o processo negocial é encerrado.
XX.– Termos em que deveria o Tribunal a quo ter, desde logo, determinado o encerramento do processo negocial, na medida em que se mostrava ultrapassado o prazo para conclusão das negociações, sem que tivesse sido alcançado um acordo de pagamento.
XXI.– No concernente ao Acordo de Pagamento apresentado pelos Devedores, o mesmo não deveria ter sido alvo de homologação, por violar o princípio da igualdade entre os Credores e por colocar a Credora numa posição previsivelmente menos favorável do que a sua inexistência, o que foi oportunamente pugnado e requerido pelo ora Recorrente nos presentes autos, e que não foi tido sequer em consideração pelo douto Tribunal a quo.
XXII.– Por um lado, o plano apresentado pelos Devedores não respeita o princípio da igualdade entre credores, sendo claramente desfavorável e penalizador para os credores comuns não bancários, como é o caso da ora Recorrente.
XXIII.– Ora, o plano aprovado deve obedecer ao princípio da igualdade entre credores, o que se traduz num tratamento de igualdade entre todos eles, sem prejuízo das diferenciações justificadas por razões objetivas (e proporcionais aos sacrifícios impostos), tais como a diversa natureza dos mesmos - artigo 194.º, n.º 1, do CIRE.
XXIV.– No caso concreto, o plano demonstra uma diferenciação entre os créditos garantidos e privilegiados em relação aos comuns, e, também, entre os créditos comuns entre si, atenta a distinção, por parte dos Devedores, entre créditos comuns bancários e créditos comuns não bancários.
XXV.– Num primeiro momento, dir-se-á que o tratamento dos credores não se afigura igualitário, já que o mesmo afeta de forma desigual as diversas categorias de credores e, ainda, impõe a vontade do grande credor aos demais, sem um motivo que se afigure atendível.
XXVI.– Por um lado, o credor garantido (o qual não veio reclamar os seus créditos, e, portanto, nem participou nas negociações, nem manifestou o seu sentido de
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