Acórdão nº 343/22.2T8VNF.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 18-04-2024

Data de Julgamento18 Abril 2024
Ano2024
Número Acordão343/22.2T8VNF.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório (feito com base no relatório da sentença apelada).

EMP01..., lda, pessoa coletiva n.º ...67, com sede em Guimarães, intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra EMP02... – Sociedade Industrial de Malhas Têxteis Unipessoal, lda, pessoa coletiva n.º ...49 e AA, NIF ...30, residente em ..., pedindo, a final, que se julgue ineficaz o negócio de dação em cumprimento que teve como objecto o prédio urbano descrito na Conservatória do registo predial ... sob o nº ...06 da freguesia ... e ... e inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo ...64, e por via dele decretar-se o cancelamento do registo de aquisição do direito de propriedade a favor da 2ª ré e eventuais registos de aquisição que se venham a efetuar na pendência desta ação, de modo a que o referido imóvel regresse à esfera jurídica da 1ª ré, para que possa ser apreendido e vendido para posterior pagamento do crédito da autora.
Subsidiariamente, pediu que o mesmo negócio seja considerado nulo por simulação, devendo as rés ser condenadas a reconhecer a nulidade do mesmo e em consequência decretar-se na conservatória do registo predial o cancelamento do registo de aquisição a favor da 2ª ré de modo a que o imóvel alienado regresse à esfera jurídica da 1ª ré.
Para tanto, alega, em síntese, que as rés, celebraram a referida dação em cumprimento, sem fundamento contabilístico, apenas com o intuito de desviar do património da 1.ª ré o seu bem mais valioso, sabendo das dificuldades financeiras e inviabilizando a cobrança do crédito da autora, no montante de 5.032,28€, em sede de processo executivo e em subsequente processo de insolvência.
Acrescenta que a 2.ª ré, em 24.09.2020, declarou prometer vender o imóvel à sociedade EMP03..., Unipessoal, Lda., cujo único sócio e gerente é irmão da 2ª ré, BB e filho do gerente da 1ª ré, mantendo a mesma actividade comercial.
Foram citadas as rés para contestar a presente ação, nos termos legais.
A 2.ª ré, além da excepção de ilegitimidade passiva da ré EMP02..., alegou que desconhecia o estado em que se encontrava a sociedade, tendo ajudado na liquidez, a pedido do seu pai, e sempre na perspetiva de recuperação; que o crédito da autora é ulterior à dação e que o seu intuito, com a realização de empréstimos, foi ajudar a sociedade, o que aconteceu, tendo a insolvência ocorrido mais de três anos após a dação.
A autora respondeu às excepções, concluindo pela sua improcedência.
Foi proferido despacho saneador, no qual, quanto à excepção de ilegitimidade passiva foi decidido o seguinte:
“Na sua contestação a Ré invoca a ilegitimidade passiva da EMP02..., além do mais, por preterição do litisconsórcio necessário, atento o disposto no art. 81º do CIRE, donde resulta que o Administrador da Insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de caracter patrimonial que interessem à insolvência, pelo que a ré não tem poderes de representação que bastem à sua intervenção nos autos.
Em resposta a autora pugna pela improcedência da exceção.
Apreciando e decidindo:
Ora, como é sabido, a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si ou pelos seus administradores dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente (…).
Todavia, como nota a autora, o bem/imóvel cujo negócio aqui é colocado em causa, não é bem integrante da Massa Insolvente, quer porque não foi apreendido, quer porque sobre ele não foi requerida qualquer diligência prevista no artigo 120º e seguintes do CIRE.
Não tendo, a MI, requerido a resolução do negócio, não reveste qualquer interesse para a mesma, a discussão da ineficácia do negócio que aqui se discute e, por isso, à contrario do disposto no artigo 81º/4 do CIRE, o administrador não assume a representação do devedor, uma vez que os efeitos de carater patrimonial desta ação, nada interessam a MI, até porque os efeitos da impugnação pauliana aproveitam apenas ao credor que a tenha requerido.
Sem olvidar que de acordo com o artigo 82º/1 do CIRE, os órgãos sociais do devedor, mantém-se em funcionamento após a declaração de insolvência (…).
Não se verificando a ilegitimidade da ré EMP02..., não se verifica a apontada preterição do litisconsórcio necessário, pelo que julgo improcedentes as exceções deduzidas”.

Realizado o julgamento, foi proferida sentença, com o seguinte dispositivo:

III. Decisão
Face ao exposto, julgo a presente ação procedente, declarando a nulidade, por simulação, do contrato de dação em cumprimento outorgado por documento particular a 29 de maio de 2018 entre as Rés EMP02... – SOCIEDADE INDUSTRIAL DE MALHAS TÊXTEIS UNIPESSOAL, LDA. e AA, do prédio urbano descrito na Conservatória do registo predial ... sob o nº ...06 da freguesia ... e ... e inscrito na respetiva matriz urbana sob o artigo ...64, determinando-se o cancelamento do respetivo registo (Ap. ...62 de 2018/05/29).
Custas pelas Rés (artigo 527.º, n.º1 do C.P.C.).
Registe e notifique.”.
*
Inconformada com estas duas decisões, a ré AA delas interpôs recurso e formulou, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões (após convite ao seu aperfeiçoamento) que se transcrevem:
“CONCLUSÕES

I. O presente recurso incide sobre a matéria de facto, mais concretamente sobre os factos provados 4, 11, 12 e 14, mais se pretendendo o aditamento de factos à matéria de facto provada; mas incidirá ainda sobre a matéria de direito, invocando-se a violação de normas jurídicas e erro na determinação nas normas aplicáveis.
II. Entende a Recorrente que não se provou o facto provado 4: não se provou o desfecho do processo n.º 4587/19....; o processo n.º 220/20.... foi extinto por inutilidade superveniente da lide, devido ao requerimento de insolvência; existe um auto de penhora efetuado ao abrigo do processo n.º 4587/19...., no dia 06/02/2020, em que terão sido penhorados bens no valor de € 4.100,00.
III. Também entendemos que foi incorretamente julgado o facto provado 11), que mais não é do que o somatório de três conclusões desprovidas de suporte fáctico, até porque a testemunha CC explicou que a Recorrente “ajudava” a empresa há vários anos, que a mesma reside em ... há dez anos, que não existia qualquer processo em tribunal nem mora à banca, à data dos empréstimos, e que toda a documentação respeitante aos diversos empréstimos foi entregue ao advogado da empresa para preparar o negócio da dação; e a testemunha BB esclareceu que a Recorrente efetivamente dispunha de capacidade financeira para efetuar os empréstimos à sociedade.
IV. A Recorrente explicou os empréstimos e a forma da sua concretização, situou-os no tempo; demonstrou a sua disponibilidade financeira; esclareceu que o valor do imóvel foi alcançado por um agente imobiliário; explicou que desconhecia qualquer intenção do seu irmão em abrir uma nova empresa e que confiava na recuperação da EMP02..., tanto que depois da dação continuou a “agilizar a viabilidade do negócio”; explicou que efetuava os empréstimos porque com isso poupava despesas e juros à sociedade; explicou que pretendia ser ressarcida desses montantes e, quando os mesmos se acumularam, começou a pressionar para receber, o que originou um conflito familiar, mais deixando claro que, tivesse sabido que a empresa iria fechar, nunca teria emprestado dinheiro após a dação.
V. O tribunal fundamenta a prova dos factos com as declarações da senhora administradora, que demonstrou não merecer qualquer juízo de credibilidade: é que a testemunha apôs no relatório de insolvência que a Insolvente EMP02... e o contabilista recusaram prestar informações, (tal afirmação levou a que viesse a ser qualificada a insolvência da EMP02... como culposa), e afirmou agora, neste processo, pela primeira vez, que afinal “houve um lapso da sua parte”, porque afinal viu o email mas não viu os anexos que o mesmo continha; a testemunha refere ainda que não viu documentos das transferências, mas não refere nem afirma que as mesmas não se tenham concretizado.
VI. DD prestou declarações e explicou que enviou à administradora de insolvência os elementos que a mesma solicitara mas que a mesma referiu em tribunal que a empresa não colaborou; esclareceu que assumiu a contabilidade apenas em 2019, apenas consultou o balancete geral respeitante ao período anterior e que não verificou as transferências porque a dívida já estaria saldada e não seria contabilisticamente relevante.
VII. Não decorre da prova produzida que “a dívida da ré não existia, nem se pretendeu extingui-la com a dação em cumprimento, pretendendo enganar-se os credores.”, pelo que, conjugando a prova produzida com as regras do ónus da prova, impunha-se que o facto provado 11 constasse da factualidade não provada.
VIII. Já no que respeita ao facto provado 12), está aceite que as Rés não tinham quaisquer relações comerciais, mas convém relembrar que o ativo da sociedade não foi retirado, foi dado em pagamento.
IX. Não se provou que a Recorrente tivesse conhecimento da existência de dívidas em cobrança: o incumprimento é posterior dação; houve pagamentos à Recorrida após a dação em pagamento; a Recorrente reside em ... e virá a Portugal uma a duas vezes por ano, não tendo acesso à gerência da sociedade nem qualquer meio para confirmar a veracidade das informações que o pai lhe prestasse, pelo que não pode ter-se tal facto como verdadeiro e muito menos como decorrente da prova produzida, impondo-se sobre o mesmo decisão diversa, ou seja, que fosse dado como não provado!
X. Também o facto provado 14), tal como está, foi incorretamente julgado: a sociedade EMP03... não continuou a laborar no mesmo prédio da 1.ª Ré, uma vez que a dação ocorreu em maio de 2018 e o imóvel foi entregue, nessa data, devoluto de pessoas e bens, conforme a própria afirmou nas suas declarações; a...

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