Acórdão nº 340/23.0T8GDL.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 26-10-2023

Data de Julgamento26 Outubro 2023
Ano2023
Número Acordão340/23.0T8GDL.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal da Relação de Évora

I – RELATÓRIO
AA, na qualidade de usufrutuária, e BB, na qualidade de proprietário do imóvel identificado no artigo 1.º da petição inicial (Herdade do Pinheiro), que qualificam como prédio dominante, intentaram procedimento cautelar de restituição provisória da posse com inversão do contencioso, contra SOPARINPORT – PARTICIPAÇÕES E INVESTIMENTOS, S.A., na qualidade de proprietária do prédio identificado no artigo 2.º da petição inicial (Pinheiro de Cima), que qualificam como prédio serviente, pedindo que seja decretada a restituição provisória de posse dos Requerentes sobre as águas e servidão de aqueduto, através do livre acesso à captação de água e ao aqueduto, localizados no imóvel da Requerida.
E, ainda, que seja ordenado à Requerida que faculte de imediato ao Requerente um duplicado de chave própria para a fechadura do portão de acesso normal ao prédio serviente ou que deixem esse portão aberto, permitindo a esta verificar o estado da captação, colocar-lhe uma tampa com cadeado, bem como inspecionar, reparar e manter o bom estado das tubagens que compõe o aqueduto, repondo a situação existente, anteriormente a 6 de agosto de 2023.
Bem como, que seja ordenado à Requerida que, uma vez decretada da providência, se abstenha da prática de qualquer ato perturbador da posse dos Requerentes e que mantenha a manilha da captação de água a 1,20 metro de altura do solo.
Requereram, ainda, a inversão do contencioso.

Para o efeito, e em suma, alegaram que, pelo menos, há sessenta anos que o prédio dominante é abastecido de água canalizada proveniente do prédio serviente, através de uma captação de água de rios subterrâneos que se encontram a 60 metros acima do nível do mar, captada por uma manilha enterrada no prédio serviente e de um aqueduto por tubagens subterrâneas, estruturas essas que foram construídas pelos seus antepassados e, desde então, mantidas pelos mesmos e pelos Requerentes, que, para esse efeito acedem às mesmas através do prédio serviente, utilizando a água para consumo humano e animal e também para rega.
Mais alegam que, no dia 06-08-2023, a posse sobre as águas foi retirada aos Requerentes pela Requerida mediante a danificação da tubagem que constitui o aqueduto de transporte de água para o prédio dominante, encontrando-se o portão de acesso à captação de água fechado e trancado com cadeado impedindo, assim, o acesso quer à captação de água, quer ao aqueduto.

Foram ouvidas as testemunhas arroladas pelos Requerentes e, em 08-09-2023, foi proferida decisão que julgou improcedente o procedimento cautelar requerido.

Inconformados, apelaram os Requerentes pugnando pela substituição da decisão recorrida por outra que ordene o decretamento da providência cautelar de restituição provisória de posse, apresentando as seguintes CONCLUSÕES:
«O presente recurso vem interposto da douta decisão do Tribunal a quo, ao não decretar a presente providência cautelar de restituição provisória de posse, porque apesar de dar como indiciada a interrupção no abastecimento de água (página 11), retirada da posse, à propriedade dos Requerentes, entendeu que não se provou o fundamento de tal interrupção. A douta decisão é justificada, por o corte no abastecimento de água, poder resultar de uma obstrução ou ruptura da tubagem ou em outra causa ou circunstância, que entendeu não se ter provado.
Os factos dados por indiciados O) P) Q) R) S) T) X) in fine e BB), os factos que deveriam ter sido dado por indiciados 2) 6) e 7), bem como a factualidade vertida no art.º 36º do requerimento inicial, sob a qual não incidiu pronuncia e que, caso assim se entenda, também deverá ser dado por indiciado, são bastantes para fundamentar o decretamento da presente providência cautelar, nos termos requeridos.
Em consequência, deve ser reapreciada a prova gravada, constante da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, sendo proferida decisão sobre as questões de facto ora impugnadas, vindo a ser proferida decisão no sentido dos factos não indiciados 2) 6) e 7) e o art.º 36º do requerimento inicial, serem dados por provados.
Todos os factos que ora se invocam, devem ser considerados incorrectamente julgados, na medida em que, o Tribunal a quo, não deu por provado o fundamento, nem a autoria, da interrupção de abastecimento de água à propriedade dos Requeridos, ora Apelantes, o que a acontecer, preenchia o requisito considerado em falta pelo Tribunal a quo, para o decretamento desta providência cautelar: o esbulho violento.
Verificam-se assim, os requisitos previstos nos arts. 377.º do CPC, pois estão preenchidos os três requisitos legais para o efeito, a saber:
A Posse - Os Requerentes detinham há mais de 60 anos, e até 1 de Agosto de 2023, a posse da água.
O Esbulho – Em 2 de Agosto de 2023, os Requerentes foram esbulhados na posse da água.
A Violência – Os representantes da Requerida utilizaram violência para esbulharem a posse aos Requerentes.»

II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objeto do Recurso
Atendendo às conclusões das alegações, as quais delimitam o objeto do recurso (sem prejuízo do disposto nos artigos 5.º, n.º 3, 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.º 1 e 608.º, n.º 2, do CPC), importa apreciar:
- Questão prévia: junção de documentos com as alegações.
- Mérito do recurso:
- Retificação de erro de escrita;
- Nulidade da decisão;
- Impugnação da decisão de facto;
- Se em face dos factos indiciariamente provados, ocorreu esbulho violento.

B- De Facto
A 1.ª instância proferiu a seguinte decisão de facto:
«2.1. FACTOS INDICIADOS
A) A Requerente é usufrutuária, enquanto que o Requerente é proprietário, do prédio misto, sito em Herdade do Pinheiro, freguesia de Azinheira Barros e São Mamede do Sádão, concelho de Grândola, descrito na Conservatória do Registo Predial de Grândola, com o número ...22 e inscrito na matriz predial rústica da indicada freguesia sob o artigo ..., secção ... e na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo ...86, da indicada freguesia.

B) A Requerida é proprietária do prédio rústico, denominado de Pinheiro de Cima, situado na freguesia de Azinheira Barros e São Mamede do Sádão, concelho de Grândola, descrito na Conservatória do Registo Predial de Grândola, com o número ...9 e inscrito na matriz predial rústica da indicada freguesia sob o artigo ..., secção C-....

C) Os prédios identificados, são prédios confinantes.

D) A propriedade do prédio da requerida, pertenceu aos antepassados dos Requerentes, há largas dezenas de anos.

E) A sociedade ora Requerida, apenas adquiriu o prédio em 10 de Abril de 2014.

F) Há pelo menos sessenta anos, que o prédio dos Requerentes é abastecido de água canalizada proveniente do prédio da Requerida.

G) Para o efeito, os antepassados dos Requeridos, a expensas suas, construíram uma captação de águas, provenientes de rios subterrâneos, que se encontra a 60 metros acima do nível do mar, cujo local é conhecido pelos habitantes das povoações limítrofes, como Fonte da Prata ou Fonte de Entre Águas.

H) A captação é constituída por uma manilha, enterrada verticalmente no terreno de uma empena, junto a uma barragem, existente no prédio da Requerida.

I) Também a cargo e a mando dos antepassados dos Requerentes, foi construído um aqueduto composto por tubagens subterrâneas com 1,4 metros de diâmetro e cerca de 840 metros, para transporte da água da captação, até ao monte do prédio dos Requerentes.

J) Esta água tem vindo a ser utilizada pelos Requerentes, familiares e colaboradores, de forma plena e ilimitada, ao serviço de qualquer fim, com o mais amplo aproveitamento e utilidades que a água possa prestar.

K) Designadamente para consumo humano e higiene diária.

L) Atenta a antiguidade e utilização da captação e do aqueduto, foram sendo objecto de obras de manutenção e substituição, o que sempre ocorreu por conta e risco dos Requerentes ou dos seus antepassados.

M) As tubagens carecem de manutenção e de substituição com regularidade, sendo necessário o acesso às mesmas.

N) Há cerca de 3 anos o Requerente procedeu à substituição de 3 a 4 metros de tubagens e aplicação de uma tampa na captação.

O) No dia 2 de Agosto de 2023, os Requerentes aperceberam-se da redução do caudal da água.

P) Nesse dia, o Requerente deslocou-se ao local e apurou a existência de excrementos de gado e com terra ao rebordo da manilha.

Q) No dia 4 regressou e colocou um tubo pensando que o do aqueduto estivesse entupido.

R) Em dia não concretamente apurado, CC (encarregado da Requerida) e DD (alegado proprietário da Requerida), no café da povoação limítrofe, Rio de Moinhos do Sado, desenvolviam uma conversa relacionada com a destruição das tubagens do aqueduto de abastecimento de água, ao prédio dos Requerentes, sito na Herdade do Pinheiro.

S) No mesmo dia 6/8/2023, os Requerentes e família mais uma vez, aperceberam-se da redução do caudal de água nas canalizações, tendo acabado por se extinguir.

T) O portão de acesso à captação encontrava-se fechado e trancado com cadeado, impedindo o acesso, quer à captação quer ao aqueduto

U) O Requerente contactou DD, que se auto-intitula “dono” do prédio da Requerida e solicitou-lhe autorização para aceder à captação de água, de forma a detectar a origem do problema, o que lhe foi concedido verbalmente, mas não no local.

V) Ainda no dia 6/8/2023 à tarde, EE, esposa do Requerente deslocou-se à herdade da Requerida e interpelou o encarregado CC e o proprietário DD.

W) O propósito da deslocação de EE, foi o de sensibilizar os representantes da Requerida, a facultarem a chave de acesso à captação por forma aos Requerentes resolverem qualquer problema de captação e transporte da água.

X) Encontrando-se a sós com EE, CC entregou-lhe a chave de acesso à captação para verificar o problema, mas alertou-a da urgência em devolvê-la, tendo ainda confessado ter retirado o tubo exterior a mando
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