Acórdão nº 3391/08.1TVLSB.L1-8 de Tribunal da Relação de Lisboa, 10-03-2022

Data de Julgamento10 Março 2022
Ano2022
Número Acordão3391/08.1TVLSB.L1-8
ÓrgãoTribunal da Relação de Lisboa
Acordam na 8ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa.


A [Ângelo .....] demandou B [Maria .....] e marido C [Daniel .....], D [Eugénia .....], E [ João .....] e mulher F [Maria Manuela .....], pedindo que seja reconhecido ao autor o direito a haver para si o prédio alienado – 2º andar, lado esquerdo, do prédio sito na Rua da ....., freguesia da ....., concelho e cidade de L____, descrito sob o nº ..... da ...ª Conservatória do Registo Predial de L____ e inscrito na respectiva matriz sob o art. ..., actual ... da referida freguesia da P_____, por virtude do seu direito real de preferência e, bem assim, ser declarada a transacção efectuada a favor do autor, substituindo-se este aos 1ºs réus na compra e venda formalizada pela escritura pública e que teve por objecto o prédio referido e a condenação dos réus a entregar ao autor o valor das rendas vencidas e pagas no prédio, desde a data da aquisição até ao trânsito em julgado da sentença.

Alegou, para tanto, que tomou de arrendamento o 2º andar do prédio descrito supra, em 1976.

Em 2008, verificou que, em 1984, o prédio havia sido vendido pelos réus, 2ª e 3º varão, à 1ª ré mulher, livre de quaisquer ónus e encargos, sem que lhe tivesse sido comunicada a intenção de se proceder à compra e venda em questão.

É o único arrendatário do prédio, mantendo essa qualidade desde o tempo da alienação.

Os réus B e marido C, aceitando a alienação do imóvel, em 1984, excepcionaram a prescrição e caducidade do direito do autor, impugnaram o alegado e deduziram reconvenção, concluindo pela condenação do autor como litigante de má-fé e, na eventualidade da procedência da acção, a condenação do autor no pagamento de €464.595, relativas a diversas obras de conservação e beneficiação do imóvel e com benfeitorias nele executadas.

No respeitante à prescrição (obrigação de preferência) sustentaram o decurso do prazo de mais de 20 anos, desde a celebração da escritura até à data da citação e no que concerne à caducidade alegaram que os réus, há mais de 20 anos que são detentores da posse – aquisição originária do direito de propriedade por usucapião, sendo que, em 1983, o autor assinou um documento no qual declarou não estar interessado na compra.

Invocaram também a preterição de formalidades legais - no prédio existem outros andares arrendados pelo que, ex vi art. 1465 CPC -“Se já tiver sido efectuada a alienação a que respeita o direito de preferência e esse direito couber simultaneamente a várias pessoas, o processo para determinação do preferente segue os termos do art. 1460, com as alterações seguintes… - o que acarreta a improcedência da causa – fls. 51 e sgs.

Replicou o autor, concluindo pela improcedência das excepções e reconvenção e pela absolvição do pedido como litigante de má-fé – fls. 143 e sgs.

Na tréplica deduzida pelos réus, estes responderam às excepções opostas à reconvenção deduzidas na réplica – fls. 182 e sgs.
Face ao falecimento da ré D, em 2005, foram habilitados como sucessores, sua irmã – Alice ..... – os sucessores da irmã Maria Hermínia ..... – Tiago ..... e António ..... – e os sucessores da irmã Rosa ..... – Fernando ..... e Maria ..... (apenso A e decisão de fls. 299 a 300).
Face ao falecimento do réu E, em 16/2/2004, foram habilitados como sucessores – Maria ..... e João ..... (apenso B).
Na pendência da acção faleceu o réu C, tendo sido habilitados como seus sucessores Maria ..... (cônjuge sobrevivo) e os filhos – Maria ....., Pedro ....., Maria ....., Mário ....., Margarida ....., Ana ....., Maria Luísa ....., Francisco ..... e António Manuel ..... (Apenso C).
Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador e elencados os temas de prova – fls. 396 e sgs. II vol.

Após julgamento foi prolatada sentença que, julgando a acção improcedente, bem como o pedido de condenação do autor como litigante de má-fé, absolveu os réus e o autor dos pedidos.
No que tange à reconvenção, a sua apreciação ficou prejudicada, porquanto no que à usucapião concerne os reconvintes não pediram o reconhecimento da aquisição originária da propriedade e o pedido formulado apenas se destinava, caso a acção fosse julgada procedente – fls. 618 e sgs. III vol.

Inconformado, apelou o autor formulando as conclusões que se transcrevem:

Impugnação da Matéria de Facto
1ª–O Facto 2 dos Factos Provados, considera-se incorrectamente julgado.
Concretos meios probatórios que impunham decisão diversa.
2ª–O facto é dado como provado com base na falta de convencimento nas declarações de parte do A. e dos documentos de fls. 563 a 571.
3ª–A M.ª Juiz a quo adquiriu a sua convicção com base, não em elementos de prova, mas sim, na sua percepção da ocorrência de factos sociais, que, no caso dos autos, foi inadequada e resulta de uma análise enviesada do conjunto da prova produzida
4ª–A M.ª Juiz recorrida conferiu maior credibilidade às declarações dos RR, em detrimento do do A.
5ª–Há uma nítida diferença entre estes depoentes quanto à capacidade de expressão, atendendo às nítidas diferenças culturais entre todos, sendo que os RR., sendo engenheiros, detêm maior capacidade de expressão que o A., como é nítido e evidente na audição da gravação dos respectivos depoimentos.
6ª–Assim, não deveria a Mª Juiz a quo depreciar o depoimento do A. em confronto com aqueles RR, que, também, depuseram, sendo certo que as declarações do A. foram seguras, coerentes e sem contradições ao longo de todo o seu depoimento.
7ª–Atendendo, até que quer o A. quer estes RR. têm, em abstracto, igual interesse no desfecho da causa. Cada um, de forma a compreendê-las em contexto e sopesá-las equitativamente.
8ª–Competia à M.ª Juiz recorrida apreciar os depoimentos de acordo com as condições culturais e capacidades de
9ª–Apesar da “pouca credibilidade” que ao depoimento do A. atribui, a M.ª Juiz acabou por utilizá-lo contra ele, para considerar que “sabia” que o prédio ia ser vendido em 1983 e que tinha sido vendido em 1984.
10ª–Mesmo concedendo alguma imprecisão, quando confrontado com os depoimentos dos RR., engenheiros Maria ..... e Francisco ....., não é possível retirar a conclusão, como vai no facto provado, de que o A. sabia em 10/3/1983 (facto provado B) que o prédio ia ser vendido, com reflexo directo na fundamentação da decisão de, com tal conhecimento, a “demora” de 24 anos em propor a presente acção representa um abuso do direito.
11ª–Se bem forem analisados os autos dessa acção de despejo (Proc. nº 3798/05.6TVLSB) se verifica que a mulher do A., Maria 000000, só é adicionada ao Rol de Testemunhas da sociedade R. representada pela testemunha Rosalina 00000, “V..... P..... Sant’....., Lda.”, em 17/11/2008, logo em momento próximo ao da instauração da presente acção (4/12/2008) na sequência da realização da Audiência Preliminar que ocorre em 26/5/2008, na qual é concedido o prazo de 10 dias para apresentar os meios de prova. O que os AA. fazem, em 5/6/2008 e a R. na mesma data.

12ª–As provas que impõem decisão diversa da constante da decisão sobre este ponto da matéria de facto, são:
- As declarações do A. gravadas de minutos 01:44 a 03:10; de 03:30 a 03:42; de 23:45 a 24:30; de 32:40 a 34:00; 06:39 a 06:54; 06:55 a 07:37; 08:00 a 09:05; 09:15 a 09:50 e 09:50 a 10:40.
- O depoimento de José 00000 gravadas de minuto 16:30 a 17:30.
-O depoimento de Rosalina 00000, gravado de minuto 24:40 a 28:15; de minuto 28:40 a 30:40; de minuto 43:37 a 44:35; bem como minutos 07:00 a 12:10; 21:00 a 22:51; 23:00 a 24:33; 30:43 a 32:25 e 37:32 a 38:02;
-Conjugadas com as informações a retirar do proc. 3798/05.6TVLSB que correu termos pela 1ª Secção da 9ª Vara Cível de Lisboa, apensa aos autos).

13ª–Donde resultam os seguintes factos:
- O A. afirma só ter tido conhecimento da venda do prédio e de mudança de proprietários, pela conversa que teve com a testemunha Rosalina ..... .
- O filho nunca ouviu falar em casa terem os pais sabido de qualquer venda do prédio ou que os proprietários eram C e B.
- Rosalina ..... afirma ter tido a conversa com o A., que o elucida sobre a venda e identidade dos proprietários 1 ano antes da mulher do A. ter ido depor como sua testemunha na acção de despejo que lhe tinha sido movida.
- Esse depoimento ocorreu, em 29/6/2009; Logo, a conversa ocorreu em 2008.
- Afirmando a testemunha Rosalina ..... que nessa conversa aconselhou o A. a procurar um advogado para esclarecer a situação, a procuração passada ao Sr. Dr. Tavares ..... tem a data, de 14/7/2008.
- Em 17/11/2008, ocorre o aditamento da mulher do A. ao Rol de Testemunhas da acção de Rosalina ....., o que confirma o propósito de Rosalina ..... em falar com a mulher do A. para a ter como testemunha.
- A presente acção é instaurada, em 4/12/2008.
14ª-Haveria a Mª Juiz “a quo” de ter considerado que é, apenas, em conversa tida entre a testemunha Rosalina ....., o A. e sua mulher, em Julho de 2008 que estes vêm a saber da mudança de proprietário, e que os RR. C e B o eram, então.
15ª-Os vários recibos emitidos ao longo dos anos por diferentes pessoas, não só não são aptos a demonstrarem quem é o proprietário, como reforçam o alegado pelo A. de que os proprietários C e B sempre escamotearam ao longo dos anos, aos inquilinos, que eram os verdadeiros proprietários do prédio, o que se retira da análise dos recibos juntos com o requerimento do A., de 7/4/20 (fls. 536 a 571?), do depoimento da testemunha Rosalina ..... de minuto 07:00 a 21:10.
16ª-Devendo, ainda, levar-se em consideração que as rendas, ao longo dos anos sempre foram pagas no mesmo local desde o tempo da propriedade inquestionável da ”Família R.....”, no R/C do nº 4, primeiramente ao ”Sr. A.....”, como declarado pelo A. minuto 03:50 a 04:29; 11:25 a 11:44; 11:45 a 11:57; 16:46 a 17:23 e seu filho José ..... de minuto 08:00 a 09:32.
17ª-Relembre-se, uma vez mais, que o grau de instrução do A. não era consentâneo com uma
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