Acórdão nº 3360/19.6T8MTS.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 08-02-2024

Data de Julgamento08 Fevereiro 2024
Número Acordão3360/19.6T8MTS.P1
Ano2024
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Processo: 3360/19.6T8MTS.P1



Sumário:
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1. Relatório

AA veio propor a presente acção de condenação com processo comum contra “A... – Companhia de Seguros, S.A.” e contra “B... – Companhia de Seguros, S.A.” pedindo que as RR. sejam condenadas a pagar-lhe a quantia de €17.571,00, acrescida de juros de mora à taxa legal sobre tal quantia, a contar da sua citação até integral pagamento.

Mais peticiona que, a verificar-se que ambas as RR. respondem em igualdade de circunstâncias perante o Autor pelos factos em apreço nos autos, tanto em termos contratuais como em termos processuais, a condenação de cada uma das RR. deve ter em atenção o preceituado no nº 4 do art. 133º do Dec. Lei nº 72/2008 de 16/04, acrescida de juros de mora à taxa legal sobre tal quantia, a contar desde a sua citação até integral pagamento.

Alega, para tanto e em resumo, que em Junho de 2008 celebrou com a 1ª R., ainda sobre a denominação “C... – Companhia de Seguros, S.A.” um seguro multirriscos habitação denominado “C... Habitação”, o qual tinha por objecto – entre outros – o recheio da habitação de que é proprietário sita na Rua ... (fracção H”) que cobria, entre outros, o risco de furto do objecto seguro, e que em Agosto de 2013 celebrou, ao balcão do “Banco 1..., S.A.” e sob proposta desta instituição bancária de forma a obter condições de crédito mais favoráveis àquelas que tinha até então, com a D..., S.A., um contrato de seguro multirriscos habitação denominado “Plano Protecção Lar”, o qual tinha por objecto o recheio da mesma habitação e cobria igualmente, entre outros, o risco de furto do objecto seguro, contrato que foi transferido para a 2ª R. no ano de 2018, no âmbito da transferência de carteira “não vida”.

No dia 27 de Junho de 2014, entre as 14:00h e as 20:00h, desconhecidos penetraram no interior do local de riso estipulado nas sobreditas apólices de seguro, que se encontravam em vigor, recorrendo á utilização de chaves falsas que foram “trabalhando” com auxílio de limas, ou outros instrumentos abrasivos, até que lograram proceder à abertura das duas fechaduras que garantiam o fecho da porta de acesso, que se encontravam devidamente fechadas, e do qual furtaram diversos bens, que descrimina, no valor total de €17.571,00. O A. participou a ambas as RR. os factos descritos, tendo a 1ª R. ordenado a averiguação dos factos participados, que veio a ocorrer em 29/06/2014, tendo o averiguador contratado pela 1ª R. concluído pela ocorrência dos factos participados e acordado com o A. no valor global dos prejuízos decorrentes do furto, fixando os mesmos em € 12.500,00, acordo que o A. aceitou tendo como pressuposto a indemnização extrajudicial dos prejuízos sofridos com o furto, o que não veio a suceder porque as RR. entenderam não indemnizar o A. estribando-se no facto de, segundo elas, inexistirem vestígios do modo de intrusão no local seguro, bem como pelo facto de existirem dois contratos de seguro a incidirem sobre os mesmos bens, pelo mesmo período de tempo, de que o A. não lhes havia dado conhecimento. Contudo, o A. não tinha consciência do dever de comunicar às RR. a existência simultânea dos referidos contratos, nem se lembrou de tal, atento o modo como surgiu o contrato de seguro celebrado com a D..., S.A.. Tanto assim é que o A. se manteve, por muito tempo, erradamente convencido de que esta circunstância invocada pelas RR. lhes conferia o direito de não o ressarcirem dos prejuízos que sofreu com o sinistro dos autos, o que não corresponde à verdade e justifica a presente acção judicial contra ambas as RR..

Citada veio a 1ª R., “A... – Companhia de Seguros, S.A.” apresentar contestação na qual, em resumo, alegou que o valor de €12.500,00 foi aceite pelo A. como correspondendo aos prejuízos tidos com o furto participado, independentemente de se tratar de um acordo alcançado numa fase extrajudicial, já que o A. concordou com o reajustamento dos valores dos bens furtados nos termos do quadro que descrimina e ainda aceitou o facto de a verba relativa a dinheiro furtado (no valor de € 1.180,00) não possuir enquadramento na apólice em referência, na medida em que as condições gerais só prevêm a cobertura de dinheiro nos casos de roubo.

Apesar do exposto, a 1ª R., por carta datada de 22/09/2014, comunicou ao A. que declinava o sinistro atendendo ao disposto no art. 133º, nºs 1 e 2 do Dec. Lei 72/2008. Com efeito, a 1ª R., no seguimento das diligências efectuadas com a participação do sinistro, veio a ter conhecimento de que este mesmo risco estava coberto na sua congénere “D...”, que o A. participou o sinistro à “D...” e em 22/08/2014 chegou a um entendimento, em sede de peritagem, com essa congénere, no sentido de ser ressarcido pelo valor de € 13.383,00 e nunca informou a 1ª R. de tais factos, do que se verifica que o A. se preparava, intencionalmente, para receber duas indemnizações pelo mesmo sinistro e no âmbito do mesmo interesse coberto, bem sabendo que não podia receber duas vezes pelo ressarcimento do mesmo dano.

Citada, a 2ª R. veio apresentar contestação na qual veio alegar que é parte ilegítima nos presentes autos no que respeita à apólice aqui em discussão, com fundamento em que celebrou com a “D..., S.A.” um contrato denominado de “Contrato de Transferência de Carteiras”, sendo que tal contrato transferiu para a 2ª R. a carteiras de apólices de seguro da “D...” com efeitos a partir de 01 de Julho de 2018, pelo que tendo o sinistro ocorrido em 27/07/2014, não é a 2ª R. responsável pela sua gestão, sendo que não se encontrava activa no mercado a essa data.

Foi saneada a causa, julgando-se improcedente a excepção de ilegitimidade. Instruída a causa procedeu-se a julgamento, findo o qual foi proferida sentença que decidiu: “ - Condenam-se as Rés a pagar, solidariamente, ao Autor a quantia de € 12.500,00 (doze mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos contados, à taxa legal anual de 4%, desde a sua citação e até efectivo e integral pagamento. - Condena-se a 2ª Ré, “B... – Companhia de Seguros, S.A.” a pagar ao Autor a quantia de €500,00 (quinhentos euros), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos contados, à taxa legal anual de 4%, desde a sua citação e até efectivo e integral pagamento”.

Inconformada veio a2º ré interpor recurso, o qual foi admitido como: de Apelação (art. 644º, nº 1, al. a), a subir nos próprios autos (art. 645º, nº 1, al. a), e com efeito meramente devolutivo (art. 647º, nº 1, todos do C.P.C.).


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2.1. Conclusões da apelante

1. Em sede de saneador o Tribunal a quo julgou improcedente a exceção de ilegitimidade da Ré B..., o que reiterou em sentença, na qual julgou e condenou a Ré B..., com o que a mesma não se pode conformar.

2. Ora, sem prejuízo desta Ré entender que no despacho saneador o Tribunal a quo abordou a exceção de ilegitimidade numa perspetiva meramente processual, decidindo-a materialmente somente em sede de sentença, por dever de patrocínio e acautelando entendimentos distintos, recorre a ora Ré de ambos (saneador e sentença), sendo certo que só poderia recorrer do despacho saneador a final por via do disposto no artigo 644.º, n.º 3 do CPC.

3. Ora, entende a Ré B... que o Tribunal a quo interpretou de forma incorreta o preceito legal que aplicou (artigo 182º, do DL 147/2015, de 9 de setembro); interpretou ou aplicou erradamente os preceitos do “Certificado de Conclusão relativo ao Acordo de transferência da carteira de seguros” ao presente processo e sinistro; havendo uma clara contradição entre os fundamentos e a decisão – em concreto entre a fundamentação de facto, que deverá ser aperfeiçoada.

4. Defende o Tribunal a quo que nos termos do disposto no artigo 182.º do DL 147/2015, de 9.09, a transferência de carteira é oponível aos tomadores, segurados e quaisquer outras pessoas titulares de direitos ou obrigações emergentes dos correspondentes contratos, pelo que só a R. Seguradora tem interesse em contradizer a presente ação, ainda que o sinistro em causa tenha ocorrido antes da aludida da transferência – o que resulta do despacho saneador e da sentença ora recorridos.

5. As transferências de carteira sendo oponíveis aos tomadores e segurado a partir da sua autorização, momento em que a nova seguradora passa a figurar como titular do contrato de seguro, a garantir o risco, recebendo, a partir de então, o prémio de seguro, preveem a sua produção de efeitos para o futuro.

6. Na medida em que ocorrendo a transferência e passando a cessionária a participar do prémio, terá necessariamente de participar do risco.

7. Contudo, salvo melhor e douto entendimento, coisa distinta da oponibilidade da transferência prevista naquele artigo, é o efeito que tal transferência possa ter (ou não) perante situações passadas, i. é a possibilidade de retroagir a sinistros ocorridos em momento anterior, a qual não se retira (nem pode ser retirada) daquele normativo.

8. Na verdade, essa matéria costuma ser objeto de previsão expressa no acordo de transferência, como, de resto, ocorreu no presente caso: “A execução do presente Certificado de Conclusão pelas Partes deverá consistir na transferência efetiva da Carteira da D... na Data de Conclusão através da subrogação do Cessionário na posição contratual do Cedente em todos os contratos de seguro relacionados com a Carteira da D.... Consequentemente, os lucros ou perdas resultantes da Carteira da D... deverão corresponder ao Cessionário dessa data em diante (inclusive). O Cessionário não deverá adquirir quaisquer Sinistros ocorridos antes da Data de Conclusão, sem prejuízo da data em que estes sejam apresentados (à exceção de Sinistros pelos quais, nos termos do Contrato de Cosseguro ou Contrato de Resseguro, o Cessionário seja responsável).” – cf. ponto “4. Transferência” do certificado de conclusão relativo ao acordo de transferência junto aos autos.

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