Acórdão nº 3358/20.1T8BRG.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 27-10-2022

Data de Julgamento27 Outubro 2022
Ano2022
Número Acordão3358/20.1T8BRG.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

ACORDAM EM CONFERÊNCIA NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE GUIMARÃES

I- Relatório

L. L. e J. O., entretanto falecido e substituído na acção pelos seus herdeiros L. L., M. D. e F. C., intentaram acção declarativa comum contra A. F., P. F. e N. F., sendo estes dois últimos na qualidade de herdeiros de M. G., pedindo que, pela procedência da acção, os réus fossem solidariamente condenados:

a) a reconhecer a compropriedade do muro;
b) a efectuar a reconstrução do muro, esteios e ramada, identificados na petição inicial, no estado em que se encontravam
anteriormente às obras efetuadas pelos réus, em 1999
c) a manter a linha de continuidade do muro divisório no sentido norte – sul, usando para o efeito os mesmos materiais, em granito e mantendo a estética inicial, do lado do prédio dos autores.

Para tanto, alegaram, em conformidade com o que consta da decisão proferida, que são donos de um prédio urbano que confronta com um prédio rústico dos réus, sendo que, nessa confrontação, existe um muro, do qual os autores são comproprietários e sobre o qual os réus intervieram sem autorização dos mesmos.
Referiram que, entretanto, foram instauradas acções judiciais que, com excepção da primeiramente instaurada, apontaram no sentido de que o muro em causa era comum, não obstante o que, tendo tentado executar a sentença proferida no processo 3448/08.9TBBRG, que condenou os réus nos mesmos termos aqui peticionados em b), não veio a mesma a ser executada, por os aqui réus terem deduzido oposição à execução e ter sido considerada verificada a excepção da autoridade do caso julgado mercê do anteriormente decidido no processo n.º 956/2002, não podendo os autores “abdicar do seu direito de propriedade que lhes foi judicialmente negado quanto à propriedade do muro” (cfr. art. 46.º da petição inicial), tendo a decisão proferida na oposição à execução “desapossado e esbulhado” (cfr. art. 58.º da petição inicial) os autores do seu direito de propriedade sobre o muro divisório, sendo que, a considerar-se como caso julgado o decidido no processo n.º 956/2002, o muro reverterá à posse dos réus, “quando é público e notório que tal não corresponde à realidade” (cfr. art. 68.º da petição inicial), pretendendo os autores carrear para os autos elementos probatórios “que visam pôr em crise a decisão judicial” (cfr. art. 69.º da petição inicial).
*

Tendo sido citados, os réus vieram deduzir contestação onde, em suma, excepcionaram a sua ilegitimidade passiva para a acção, para o que aduziram que não são donos nem legítimos possuidores do prédio que os autores identificam no art. 8.º da petição inicial, que foi doado ao réu P. F., tendo ainda invocado a autoridade do caso julgado, atento o anteriormente decidido nos processos n.ºs 956/2002 e 7634/07.0TBBRG, tendo pugnado, em face da mesma, pela sua absolvição da instância.
*
Os autores responderam às excepções invocadas pelos réus, tendo pugnado pela sua improcedência por, em suma, entenderem que o interesse directo dos réus na acção se mantém, tendo ainda alegado, quanto à acusada autoridade do caso julgado, que nem os réus acreditaram na mesma pois que intentaram nova acção (a n.º 3448/08.9TBBRG) onde se concluiu que o muro em causa era comum, sendo certo que sempre deveria prevalecer a verdade material ao invés da primeira decisão, que, em erro, fez claudicar o seu direito de propriedade, não havendo, ademais, a tríplice identidade prevista no art. 581.º, n.º 1, do CPC, sendo que o facto jurídico que constitui a causa de pedir é precisamente a alteração que está subjacente à propriedade do muro e cuja documentação é junta com a petição inicial como docs. 10 e 11.
*
Realizou-se, entretanto, a audiência prévia, no decurso da qual as partes tiverem a oportunidade de se pronunciar quanto às excepções invocadas, após o que foi proferida decisão que julgou improcedente a excepção de ilegitimidade processual passiva suscitada pelos réus e, consequentemente, julgou as partes processualmente legítimas, mais julgando procedente a excepção do caso julgado, absolvendo, em consequência, os réus de todos os pedidos que contra si foram deduzidos pelos autores.

Foi, ainda, proferida decisão que condenou os autores como litigantes de má-fé e, em consequência:
a) condenou a autora L. L. e a herança do falecido autor J. O., representada pelos seus herdeiros, numa multa no valor de 4 UC`s cada;
b) condenou ambos os autores a, solidariamente, procederem ao pagamento aos réus, a título de indemnização, da quantia de 1.500,00€.
*
II- Objecto do recurso

Não se conformando com essa decisão, vieram os AA. interpor o presente recurso, formulando as seguintes conclusões:
1.º o presente recurso tem por objeto a impugnação da decisão proferida em despacho saneador que culminou com a procedência da exceção do caso julgado, suscitada pelos rr que teve como consequência a absolvição dos rr da totalidade dos pedidos deduzidos pelos aa, bem como a condenação dos aa, em litigância de má-fé, em multa no valor de 4 uc´s, e em indemnização, a pagar aos rr, no montante de 1.500,00€.
2.º a decisão em apreço, cujas condenações resultam da verificação da exceção de caso julgado, e da exceção de autoridade de caso julgado, em sede de audiência prévia, no despacho saneador sentença, com fundamento nas disposições dos artigos 580.º, 581.º e 619º, nº1, do cpc, para além de constituir error in judicando, é violadora de princípios estruturantes do processo civil.
3.º. os aa, ora recorrentes, no seu petitório, explanaram ab initio, sem subtilezas, nem subterfúgios toda a factualidade, quer em termos adjetivos (decisões anteriores) quer em termos substantivos (factualidade e causa de pedir).
4.º o presente dissídio que opõe aa e rr e teve origem no ano de 1999, tem sido objeto de várias decisões contraditórias relacionadas com obras realizadas pelos rr, no muro divisório, das respetivas propriedades, que a primeira decisão considerou ser propriedade exclusiva dos rr.
5.º a motivação do presente recurso é que, não obstante as decisões anteriormente proferidas, as circunstâncias alteraram-se tendo sido tácita e declaradamente assumido pelas partes que o muro, contrariamente à 1.º decisão, é propriedade de ambos, (aa e rr) estando-lhes inerentes os respetivos direitos e obrigações, na qualidade de proprietários, tendo sido apresentados documentos comprovativos, segundo os quais aa e rr encetavam diligências para reparar o muro em compropriedade.
6.º por via da intenção de despacho, a meritíssima juíza fez soçobrar as possibilidades de conciliação que vinham sendo intentadas pelas partes, verificando-se a absoluta inutilidade de um dos objetivos primordiais da audiência prévia, nos termos do artigo 591º, nº 1, alínea a) e artigo 594.º, ambos do cpc, que é a tentativa de conciliação.
7.º o tribunal a quo influenciou a decisão, violando o princípio do dispositivo e boa gestão processual, não se limitando a comunicar a tendência do tribunal para julgar procedente a exceção de caso julgado na vertente de autoridade de caso julgado, julgando procedente a exceção dilatória suscitada, pelos rr, pondo termo aos autos, mas manifestando concomitantemente a intenção prévia de condenar os aa como litigantes de má-fé, com as devidas consequências.
8.º a decisão em apreço viola o princípio do dispositivo e do contraditório ao absolver os rr da totalidade dos pedidos em face da exceção dilatória suscitada pelos rr, não tendo fundamentado nem permitido que os aa exercessem o contraditório, em relação à exceção perentória.
9.º estando as decisões vinculadas ao princípio rebus sic stantibus, atentos às disposições legais dos artigos 580.º, 581.º e 619.º do cpc, as mesmas apenas deverão vincular até ao momento em que surgem alterações, mormente aos direitos declarados na sentença, objetivas ou subjetivas ou à situação processual, como se depreende no caso em apreço, quanto à alteração conhecida e aceite pelas partes, in illo tempore, quanto à compropriedade do muro meeiro.
10.º a decisão em apreço revela-se violadora dos princípios do dispositivo, condenando ultra petitium, e sob o efeito surpresa em violação do princípio da boa gestão processual, sendo que in limine, atenta a factualidade de não ter conhecido o mérito da causa, incorre em erro de julgamento.
11º não corresponde à realidade o entendimento do tribunal a quo de que no caso julgado, na vertente de autoridade de caso julgado, se verifica a mesma questão de facto, sobre a mesma questão de direito e com a mesma identidade de sujeitos, com três decisões consonantes, já proferidas.
12.º a verificação, no caso em apreço, da autoridade de caso julgado, nos moldes em que a situação se desenvolve, factualmente, ao invés de pacificar as partes e contribuir para a certeza e segurança jurídica vai provocar maior animosidade, em virtude de consistir num erro que as partes não desconhecem e que impede a consolidação da certeza e segurança jurídica, invocada pelo tribunal a quo.
13.ºpor outro lado, é convicção dos aa, aqui recorrentes, que tanto não se verifica a exceção dilatória, com força de caso julgado, com absolvição da instância, nem se evidenciam razões de facto e de direito para que o tribunal considere verificada a exceção perentória de caso julgado e conclua pela absolvição dos rr dos pedidos.
14.º na verdade, o tribunal a quo não fundamenta, nem explicita como introduz nos autos uma exceção perentória nunca antes “ouvida” nos processos anteriores, sem que os rr tivessem alegado quaisquer factos nesse sentido.
15.º nesta conformidade, o tribunal a quo, ao decidir pela procedência da exceção do caso julgado e, consequentemente, absolvendo os rr de todos os pedidos contra eles eduzidos pelos aa, violou as disposições dos artigos 576.º, n.º 2, 577.º no que concerne às exceções dilatórias e artigos 571.º, n.º 2, in fine e 576.º, n.º 3, no que se refere às exceções perentórias.
17.º nestes moldes,...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT