Acórdão nº 3328/20.0T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 31-03-2022

Data de Julgamento31 Março 2022
Ano2022
Número Acordão3328/20.0T8GMR.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães no seguinte:

I- RELATÓRIO

X – Indústria de Confeção, Lda., com sede na Rua …, Guimarães, instaurou a presente ação declarativa comum, contra Y APS, com sede em …, Dinamarca, pedindo a condenação desta a pagar-lhe a quantia de 23.202,14 euros, sendo 20.392,14 euros de capital em dívida, e 2.810,00 euros de juros de mora vencidos, acrescida dos vincendos, até efetivo pagamento.
Para tanto alega, em síntese, que no exercício da sua atividade de indústria têxtil de confeções, celebrou com a Ré contratos para execução de encomendas e coleções de peças de vestuário;
A Autora executou e enviou à Ré as peças pedidas (cerca de 2767 t-shirts e 729 tops) no prazo acordado, que as recebeu e de nada reclamou;
A Autora emitiu as faturas que discrimina, no valor global de 25.066,10 euros e, em 13/12/2018 emitiu uma nota de débito no valor de 30,80 euros;
Em 19/12/2018, 08/02/2019, 05/03/2019 e 16/02/2019, a Ré pagou, por conta da fatura S17/89, a quantia de 4.643,16 euros;
Acontece que, dos fornecimentos efetuados, permanece em dívida a quantia de 20.392,14 euros.
Citada, a Ré não contestou.
Em 17/11/2021, a 1ª Instância proferiu despacho concedendo à Autora “a possibilidade de, querendo, em 10 dias, vir aos autos pronunciar-se quanto à hipótese de se julgar verificada a exceção dilatória de incompetência internacional deste tribunal e, em consequência, absolver a ré da presente instância, nos termos dos artigos 99º, n.º 1, 576º, n.º 2 e 577º, al. a), todos do CPC”.
A Autora não se pronunciou.

Por decisão proferida em 09/12/2021, a 1ª Instância julgou procedente a exceção dilatória da incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecerem da relação jurídica material controvertida delineada pela Autora na petição inicial e, em consequência, absolveu a Ré da instância, constando essa decisão da seguinte parte dispositiva:
“Pelo exposto, nesta ação intentada por X Indústria de Confeções, Lda., julgo verificada a exceção dilatória de incompetência internacional deste tribunal e, em consequência, absolvo a R. Y Aps da presente instância, nos termos dos artigos 99º, n.º 1, 576º, n.º 2, e 577º, al. a), todos do CPC”.

Inconformada com o assim decidido, a Autora interpôs o presente recurso de apelação, em que formula as seguintes conclusões:

A) A Recorrente é credora da quantia de € 23.202,14, pelo fornecimento de mercadorias (peças de vestuário) e prestação de serviços (embalagem especial e transporte para transitário) à Recorrida.
B) Para aferição da competência internacional dos Tribunais portugueses, aplica-se o Regulamento (UE) n.º 1215/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12/12/2012, mais concretamente o seu art. 7º, em matéria contratual.
C) Para o caso da venda de bens, é competente o Tribunal onde os bens foram entregues; para o caso da prestação de serviços é competente o Tribunal onde os mesmos foram prestados.
D) Da análise dos documentos juntos com a P.I. resulta claro que as mercadorias foram entregues em Portugal.
E) De igual modo, é também evidente que os serviços inerentes à referida entrega foram prestados em Portugal.
F) Salvo melhor opinião, impunha-se atribuir competência internacional aos Tribunais Portugueses para apreciar o caso sub judice.
G) A douta sentença recorrida violou as normas supracitadas e deve ser revogada, como é de justiça.
*
Não foram apresentadas contra-alegações.
*
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II- FUNDAMENTOS

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do apelante, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam do conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4, e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
No seguimento desta orientação, a única questão que se encontra submetida à apreciação do tribunal ad quem traduz-se em saber se a decisão recorrida, em que se julgou procedente a exceção dilatória da incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecerem da relação jurídica material controvertida delineada pela apelante na petição inicial, padece de erro de direito, impondo-se a sua revogação e ordenar o prosseguimento dos autos, por os tribunais nacionais serem os internacionalmente competentes para dela conhecerem.
*
A- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos que relevam para a decisão a proferir no presente recurso são os que constam do relatório acima elaborado, a que acresce o teor da petição inicial.
*
B- FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

A 1ª Instância julgou procedente a exceção dilatória da incompetência internacional dos tribunais nacionais para conhecerem da relação jurídica material controvertida delineada pela apelante na petição inicial e, em consequência, absolveu a Ré da instância, com fundamento de que, as relações contratuais em cujos incumprimentos pela Ré a apelante funda o seu pedido, se resumem a contratos de compra e venda internacionais, celebrados entre sociedades comerciais de estados membros da União Europeia, às quais é aplicável o Regulamento (EU) n.º 1215/2012, de 12/12, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, de cujo regime jurídico decorre que, “tendo a Ré domicílio na Dinamarca e sendo este Estado-Membro o local do destino final dos bens vendidos pela Autora, dúvidas não restam de que, nos termos do estipulado no Regulamento, são os tribunais dinamarqueses os competentes para apreciarem e decidirem a presente ação”, entendimento este com o qual não se conforma a apelante, imputando erro de direito ao assim decidido.
A apelante fundamenta esse seu inconformismo no facto de ter fornecido mercadorias (peças de vestuário) e prestado serviços (embalagem especial e transporte para transitário) à Ré; na circunstância de, nos termos do Regulamento n.º 1215/2012, de 12/12, “para o caso da venda de bens” ser “competente o tribunal onde os bens foram entregues; para o caso da prestação de serviços” ser “competente o tribunal onde os mesmos foram prestados”; que “da análise dos documentos juntos com a p.i. resulta claro que as mercadorias foram entregues em Portugal” e que “os serviços inerentes à referida entrega foram prestados em Portugal”, pelo que, na sua perspetiva, impunha-se atribuir competência internacional aos tribunais portugueses para apreciar o caso sub judice, e em abono desta sua tese invoca, além do mais, o aresto proferido pela Relação do Porto de 26/04/2007.

Vejamos se assiste razão à apelante.

Como é consabido, é pacífico na doutrina e na jurisprudência que, configurando a competência internacional dos tribunais portugueses para conhecer de uma dada relação jurídica material controvertida que lhes é submetida à sua apreciação e decisão, um pressuposto processual, isto é, uma das condições mínimas consideradas indispensáveis para, à partida, se garantir uma decisão idónea e uma decisão útil da causa, sem as quais não é consentido ao juiz entrar na apreciação do mérito da causa, que a competência internacional (ou a ausência dela) tem de ser aferida atenta a forma como o autor configura subjetiva (quanto aos sujeitos) e objetivamente (pedido e causa de pedir) a relação jurídica material controvertida na petição inicial (1).
De resto, a infração das regras de competência internacional, determinam a incompetência absoluta do tribunal (art. 96º, al. a) do CPC, a que se referem todas as disposições infra indicadas sem menção em contrário), e esta vem expressamente qualificada pela al. a) do art. 577º como exceção dilatória, obstando a que o tribunal internacionalmente incompetente possa conhecer do mérito da causa que lhe é submetida, dando lugar à absolvição do réu da instância ou ao indeferimento em despacho liminar, quando o processo o comportar (arts. 99º, n.º 1 e 576º, n.º 2).
Quando o litígio seja plurilocalizado, como é o caso da relação jurídica delineada pela apelante no articulado inicial, em que esta tem a sua sede em Portugal, enquanto a Ré tem sede na Dinamarca e em que a primeira funda o pedido condenatório que deduz contra a última na circunstância desta ter alegadamente incumprido os contratos que com ela celebrou, mediante os quais se obrigou a executar (e executou) e a enviar (e enviou) à Ré as peças de vestuário por esta pedidas (cf. pontos 2º, 3º e 4º da petição inicial), mediante a contrapartida de lhe pagar o preço convencionado, coloca-se a questão de saber qual o tribunal que, no âmbito das várias ordens jurídicas envolvidas, tem competência para apreciar o presente litígio, questão essa que cabe às regras sobre a competência internacional dar resposta.
Com efeito, é às normas sobre a competência internacional que cabe repartir o poder de julgar entre os tribunais das várias jurisdições com as quais o litígio tem contacto, determinando os fatores de conexão relevantes e, em função deles, determinar se os tribunais de alguma delas são competentes para resolver o conflito.
A competência internacional dos tribunais portugueses é, assim, a fração do poder jurisdicional atribuída aos tribunais nacionais, no seu conjunto, relativamente à fração do poder jurisdicional atribuída por leis nacionais, estrangeiras ou tratados ou convenções internacionais, a tribunais estrangeiros sempre que o litígio seja transfronteiriço, isto é, quando apresente elementos de conexão com ordens jurídicas estrangeiras (2).
Conforme realça Teixeira de Sousa, em sede de regras relativas à competência internacional, a orientação dominante que vigora na ordem jurídica internacional, é que essa competência se afere pela lex fori, isto é, pela lei do estado onde a ação se encontra pendente, cabendo, por conseguinte, ao direito interno de cada estado regular a competência internacional dos seus próprios tribunais, determinando quais os fatores de conexão com o litígio que...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT