Acórdão nº 3322/22.6T8LRA-A.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 2023-03-28

Ano2023
Número Acordão3322/22.6T8LRA-A.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE LEIRIA)

Proc. Nº 3322/22.6T8LRA.C1 - Apelação

Recorrente: AA

Recorrida: BB

Juiz Desembargador Relator: Cristina Neves

Juízes Desembargadores Adjuntos: Teresa Albuquerque

Falcão de Magalhães


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Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação De COIMBRA:


RELATÓRIO

AA in tentou em 03/09/2022 no tribunal Judicial ..., junto dos Juízes de Família e Menores, a presente ação de regulação do exercício das responsabilidades parentais do menor CC, contra BB, pedindo que a criança seja entregue à guarda e cuidados do pai, e que seja fixada a residência da criança na cidade do Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, junto do pai.

Para tal alegou, em suma, que o menor e a requerida se mudaram para os Emirados Árabes Unidos, em 2019, onde o progenitor requerente se encontrava já a trabalhar, fixando a sua residência nesse país. Mais alega que se separaram em 2021, tendo acordado que a criança passaria uma semana com cada progenitor, o que se verificou desde Abril de 2021, exercendo ambos em conjunto as responsabilidades parentais e que a progenitora em 14/07/2022, viajou para Portugal com o menor para passar as férias escolares, com sua autorização, mas decidiu de forma unilateral não regressar ao Dubai com o menor.

Em 11/10/2022 foi realizada conferência de pais, em que não tendo sido alcançado acordo, foram as partes remetidas para audição técnica especializada, não tendo sido fixado um regime provisório de regulação de responsabilidades parentais.


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Em 16/10/2022, o progenitor veio invocar a incompetência internacional dos tribunais portugueses para conhecer a presente acção, alegando que o menor e os progenitores tinham residência nos Emirados Árabes Unidos, que a criança aí frequentava a escola e que no momento em que este processo foi instaurado a residência da criança se localizava no Dubai, não podendo a retenção ilícita da criança em Portugal, por pouco mais de um par de meses, à revelia do consentimento do pai ou de qualquer ordem judicial que o permitisse, conduzir à alteração da residência da criança para Portugal.

A título subsidiário, declarou desistir da instância, pedindo a sua homologação.


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A progenitora pronunciou-se no sentido de que, aquando da entrada da ação proposta pelo progenitor, a criança se encontrava a residir com a mãe em ..., desde julho de 2022, está matriculada no Colégio ..., onde frequenta o 3.º ano escolar e que residiu com a mãe desde que nasceu, nunca tendo existido qualquer guarda partilhada da criança.

Mais invocou que o progenitor aproveitando uma ocasião em que lhe foi permitido estar com o menor, no dia 16 /10/2022, não o entregou nesse dia conforme fora combinado e saiu do país com este menor, levando-o para os Emirados Árabes Unidos, sem sua autorização.


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O MP pronunciou-se no sentido de ser indeferido o requerido quanto à incompetência do presente tribunal e ainda quanto à desistência da instância tendo sempre em consideração o superior interesse da criança, promovendo ainda que seja solicitada informação ao ISS sobre o resultado da audição técnica especializada.

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Após, pelo tribunal recorrido, foi proferida decisão que julgou este tribunal internacionalmente competente e indeferiu o pedido de desistência da instância pelo requerente, considerando “aplicável, pese embora o Dubai não seja um Estado-Membro, o Regulamento (CE) nº 2201/2003 do Conselho, de 27 de novembro de 2003, relativo à competência, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria matrimonial e em matéria de responsabilidade parental, que vigora em Portugal desde 01.08.2004. Com efeito, Para que o Reg. 2201/2003 seja aplicado, não é necessário que um dos cônjuges seja nacional de um EM (art. 3º, nº1, al. a)), ou que a criança cuja responsabilidade parental é regulada tenha residência habitual num dos EMs (art. 12º, nº4). O Reg. admite, em vários aspetos, uma relação com Estados terceiros (estabelecida, por exemplo, através da nacionalidade ou residência habitual dos cônjuges ou da nacionalidade da criança (art. 3º, nº1, e 8º, nº1). Portanto, o Reg. 2201/2003 não pressupõe necessariamente uma conexão do caso com outro EM. (João de Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Vol. I, AAFDL, 2022, pág. 235). Neste conspecto, reza o considerando nº 12 do Regulamento que As regras de competência em matéria de responsabilidade parental do presente regulamento são definidas em função do superior interesse da criança e, em particular, do critério da proximidade. Por conseguinte, a competência deverá ser, em primeiro lugar, atribuída aos tribunais do Estado-Membro de residência habitual da criança, excepto em determinados casos de mudança da sua residência habitual ou na sequência de um acordo entre os titulares da responsabilidade parental. Deflui do exposto que a aferição da residência habitual da criança reporta-se ao momento da propositura da ação, ou seja, no caso a 03.09.2022, e na sua fixação deve atender-se ao critério do superior interesse da criança e ao critério da proximidade. Ora, no caso vertente, extrai-se do quadro factual apurado que, à data da entrada da ação, a criança encontrava-se a residir em Portugal há quase 2 meses, sendo certo que esta nascera em Portugal, tem nacionalidade portuguesa e aqui viveu a maior parte da sua vida, regressando a Portugal, passados cerca de 2 anos e meio de vivência no Dubai. Tal regresso deveu-se à circunstância de a sua progenitora, aos cuidados de quem sempre esteve entregue de facto desde que nasceu, ter decidido regressar ao seu país, dada a separação dos progenitores e a inexistência de qualquer familiar ou trabalho no Dubai, sendo que ambos os progenitores têm nacionalidade portuguesa, encontrando-se em Portugal os membros da família alargada da criança. Acresce ainda que, atualmente, a criança está matriculada numa escola no nosso país, tendo já iniciado a frequência do ano letivo em curso. De acordo com o descrito, ponderando o superior interesse da criança e o critério da proximidade, impõe-se concluir que, na data da entrada da ação, a criança tinha em Portugal o centro da sua vida, situando-se aqui a sua residência habitual, donde se constata a competência internacional dos tribunais portugueses. Não se olvida, acrescente-se, que a criança se deslocou para Portugal com a anuência do progenitor para apenas passar férias, mas o certo é que, ponderada a factualidade especificamente apurada e os critérios que devem presidir à interpretação do conceito de residência habitual da criança, impõe-se fixar em Portugal a sua residência. É ainda de salientar, a propósito da extensão da competência prevista no artigo 12º, nº 3 do citado Regulamento que Os tribunais de um Estado-Membro são igualmente competentes em matéria de responsabilidade parental em processos que não os referidos no n.º 1, quando: a) A criança tenha uma ligação particular com esse Estado-Membro, em especial devido ao facto de um dos titulares da responsabilidade parental ter a sua residência habitual nesse Estado-Membro ou de a criança ser nacional desse Estado-Membro; e b) A sua competência tenha sido aceite explicitamente ou de qualquer outra forma inequívoca por todas as partes no processo à data em que o processo é instaurado em tribunal e seja exercida no superior interesse da criança. Tal significa que, à luz deste normativo e tendo presente a factualidade demonstrada, a competência dos tribunais portugueses para a presente ação sempre defluiria da evidente ligação particular da criança com Portugal, atenta a residência da sua progenitora e a própria nacionalidade da criança, e ainda em face da aceitação explícita e inequívoca da competência deste Tribunal por todas as partes no processo – mormente pelo progenitor que aqui instaurou a presente ação –, sendo esta, como já exarado, exercida no superior interesse da criança. Acresce dizer que, ainda que se entendesse não ser aplicável ao caso dos autos o citado Regulamento, restando a aplicação das regras internas que regem quanto à competência internacional, a decisão da presente questão sempre seria no mesmo sentido. Na verdade, estabelece o artigo 62º do CPC, com acuidade no caso vertente, que, Os tribunais portugueses são internacionalmente competentes: a) Quando a ação possa ser proposta em tribunal português segundo as regras da competência territorial estabelecidas na lei portuguesa.

Neste conspecto, é aplicável o artigo 9º do RGPTC que prevê, no seu nº 1, que Para decretar as providências tutelares cíveis é competente o tribunal da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado, sendo, aliás, irrelevantes as modificações de facto que ocorram após a instauração do processo (nº 9 do citado normativo e no mesmo sentido artigo 38º, nº 1 da LOSJ).

Donde se conclui, de igual modo, que residindo a criança em Portugal no momento em que a ação foi instaurada, mais concretamente em ..., são os tribunais portugueses internacionalmente competentes, sendo certo que tal residência não é a residência formal, indicada no documento de identificação civil ou indicada para efeitos fiscais, mas antes o domicílio efetivo, de facto, que a criança tem.”

Mais ordenou a notificação do progenitor para informar do paradeiro do menor.


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A esta notificação respondeu o progenitor nos seguintes termos:

“1. O AA encontra-se no Dubai, Emirados Árabes Unidos, na companhia do Requerente, tendo já renovado o seu visto de residência (cf. cópia que se junta como Doc. 1, que ora se junta e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os legais efeitos).

2. Encontra-se, ademais, a frequentar a escola ..., que frequentou nos 1.º e 2.º anos de escolaridade e onde já se encontra matriculado para frequentar o 3.o ano desde 10 de maio de 2022, p.p. (cf. cópia que se junta como Doc. 2, que ora se junta e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os legais efeitos).

3....

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