Acórdão nº 3311/20.5T8VNG-B.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 08-02-2024
Data de Julgamento | 08 Fevereiro 2024 |
Ano | 2024 |
Número Acordão | 3311/20.5T8VNG-B.P1 |
Órgão | Tribunal da Relação do Porto |
RECURSO DE APELAÇÃOECLI:PT:TRP:2024:3311.20.5T8VNG.B.P1
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I. Relatório:
No processo especial de prestação de contas (apenso B) que corre termos por apenso ao processo especial de inventário para partilha dos bens comuns do casal (apenso A), o qual, por sua vez, corre termos por apenso à acção de divórcio n.º 3311/20.5T8VNG, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Família e Menores de Vila Nova de Gaia, Juiz 3, foi por este, com data de 18-10-2023, proferida a seguinte decisão:
«[…] Um dos critérios para determinar o tribunal competente para a apreciação de um diferendo é o material, uma vez que, no seio dos tribunais judiciais foi implementada a especialização em função da natureza das questões em litígio.
A competência material dos tribunais de família e menores é aferida por um critério de atribuição positiva e taxativa, resultante do disposto nos artigos 122.º a 124.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário (aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, e doravante LOSJ). É neste diploma são determinadas as causas da competência de tribunais de competência especializada, conforme prevê o artigo 65.º do CPC.
Pertencem, assim, à competência dos juízos de família e menores as causas especificamente descritas nos mencionados artigos 122.º a 124.º da LOSJ.
Ora, tendo em conta essas normas, em particular o disposto no artigo 122.º, n.º 2, suscita-se ao tribunal a questão da sua competência em razão da matéria para conhecer desta causa de prestação de contas.
Tal normativo fixa aos tribunais de família e menores competências nos processos de inventário, instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, bem como nos casos especiais de separação de bens a que se aplica o regime desses processos.
Ou seja, a lei não atribui aos juízos de família e menores competência material para conhecer de outras acções que não as expressamente referidas, mormente das acções de prestação de contas entre ex-cônjuges.
Embora se verifique existir norma processual civil a definir que as contas da administração do cabeça de casal devem ser prestadas por dependência do processo em que a nomeação foi feita (cf. artigo 947.º do CPC), não há norma atribuir o seu conhecimento aos tribunais de família e menores, o que significa que, em princípio, deverá caber à jurisdição cível. Acresce que consideramos que a especificidade, a especial tramitação e a natureza da matéria em discussão nesse processo não se coadunam de modo algum com a função da jurisdição de família e menores (também neste sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19/12/2018, relatado por José Rainho, e de 08/10/2020, relatado por Ferreira Lopes, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
A ser assim, somos do entendimento de que o presente Juízo de Família e Menores não é materialmente competente para apreciar a prestação de contas.
A incompetência absoluta em razão da matéria consiste numa excepção dilatória de conhecimento oficioso que implica que o juiz não conheça do pedido e absolva o réu da instância (cf. conjugadamente os artigos. 96.º, al. a), 97.º, n.º 1, 2.ª parte, e n.º 2, 98.º, e 577.º, al. a), 578.º e 278.º, n.º 1, al. a) todos do CPC).
Face ao exposto, declaro a incompetência absoluta em razão da matéria deste Juízo de Família e Menores, com a consequente absolvição do réu da instância.»
Do assim decidido, a requerente interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
1. […]. 2. A Recorrente considera, com o devido respeito, que o Tribunal a quo errou: − Ao considerar taxativa a competência atribuída aos juízos de família e menores, pelo do art.122º da LOSJ; − Ao considerar não terem os Juízos de família e menores competência material para conhecerem das acções de prestação de contas entre ex- cônjuges, porque não expressamente referidas na citada disposição legal; − Ao afastar a competência, por conexão para tais acções, decorrente da conjugação do art.947º do CPC com o nº2 do citado art.122º da LOSJ; − E ao declarar a incompetência absoluta em razão da matéria do Juízo de Família e Menores de Vila Nova de Gaia – Juiz 3, absolvendo o Réu da Instância.
2. […] a 9. […]. 10. O Tribunal a quo considerou que, nos termos do disposto no art.122º, da LOSJ, não é atribuída competência material dos juízos de família e menores para tramitar e julgar acções de prestação de contas entre ex-cônjuges.
11. E que, não obstante o disposto no art.947º do CPC, continua a inexistir norma a atribuir o seu conhecimento a estes juízos.
12. Consequentemente, declarou o Juízo de Família e Menores de Vila Nova de Gaia – Juiz 3, absolutamente incompetente em razão da matéria e absolveu o Réu da Instância.
13. A Lei nº117/2019, de13 de Setembro, revogou o regime jurídico do processo de inventário, instituído pela Lei 23/2013, de 5 de Março, aprovando o novo regime do inventário notarial e reintroduzindo no Código de Processo Civil (arts.1082º a 1135) o inventário judicial.
14. O processo de inventário passou, assim, a ser da competência dos tribunais judiciais “sempre que o inventário constitua dependência de outro processo judicial” (art.1083º, nº1, alínea b), do CPC).
15. Por sua vez, estabelece o art.1133º, nº1, do CPC que: “Decretada a separação judicial de pessoas e bens ou o divórcio, ou declarado nulo ou anulado o casamento, qualquer dos cônjuges pode requerer inventário para partilha dos bens comuns”.
16. Ainda, nos termos do nº2 do mesmo dispositivo legal: “As funções de cabeça de casal incumbem ao cônjuge mais velho”.
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*
SUMÁRIO:
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ACORDAM OS JUÍZES DA 3.ª SECÇÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:
I. Relatório:
No processo especial de prestação de contas (apenso B) que corre termos por apenso ao processo especial de inventário para partilha dos bens comuns do casal (apenso A), o qual, por sua vez, corre termos por apenso à acção de divórcio n.º 3311/20.5T8VNG, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Família e Menores de Vila Nova de Gaia, Juiz 3, foi por este, com data de 18-10-2023, proferida a seguinte decisão:
«[…] Um dos critérios para determinar o tribunal competente para a apreciação de um diferendo é o material, uma vez que, no seio dos tribunais judiciais foi implementada a especialização em função da natureza das questões em litígio.
A competência material dos tribunais de família e menores é aferida por um critério de atribuição positiva e taxativa, resultante do disposto nos artigos 122.º a 124.º da Lei de Organização do Sistema Judiciário (aprovada pela Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto, e doravante LOSJ). É neste diploma são determinadas as causas da competência de tribunais de competência especializada, conforme prevê o artigo 65.º do CPC.
Pertencem, assim, à competência dos juízos de família e menores as causas especificamente descritas nos mencionados artigos 122.º a 124.º da LOSJ.
Ora, tendo em conta essas normas, em particular o disposto no artigo 122.º, n.º 2, suscita-se ao tribunal a questão da sua competência em razão da matéria para conhecer desta causa de prestação de contas.
Tal normativo fixa aos tribunais de família e menores competências nos processos de inventário, instaurados em consequência de separação de pessoas e bens, divórcio, declaração de inexistência ou anulação de casamento civil, bem como nos casos especiais de separação de bens a que se aplica o regime desses processos.
Ou seja, a lei não atribui aos juízos de família e menores competência material para conhecer de outras acções que não as expressamente referidas, mormente das acções de prestação de contas entre ex-cônjuges.
Embora se verifique existir norma processual civil a definir que as contas da administração do cabeça de casal devem ser prestadas por dependência do processo em que a nomeação foi feita (cf. artigo 947.º do CPC), não há norma atribuir o seu conhecimento aos tribunais de família e menores, o que significa que, em princípio, deverá caber à jurisdição cível. Acresce que consideramos que a especificidade, a especial tramitação e a natureza da matéria em discussão nesse processo não se coadunam de modo algum com a função da jurisdição de família e menores (também neste sentido, cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19/12/2018, relatado por José Rainho, e de 08/10/2020, relatado por Ferreira Lopes, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
A ser assim, somos do entendimento de que o presente Juízo de Família e Menores não é materialmente competente para apreciar a prestação de contas.
A incompetência absoluta em razão da matéria consiste numa excepção dilatória de conhecimento oficioso que implica que o juiz não conheça do pedido e absolva o réu da instância (cf. conjugadamente os artigos. 96.º, al. a), 97.º, n.º 1, 2.ª parte, e n.º 2, 98.º, e 577.º, al. a), 578.º e 278.º, n.º 1, al. a) todos do CPC).
Face ao exposto, declaro a incompetência absoluta em razão da matéria deste Juízo de Família e Menores, com a consequente absolvição do réu da instância.»
Do assim decidido, a requerente interpôs recurso de apelação, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
1. […]. 2. A Recorrente considera, com o devido respeito, que o Tribunal a quo errou: − Ao considerar taxativa a competência atribuída aos juízos de família e menores, pelo do art.122º da LOSJ; − Ao considerar não terem os Juízos de família e menores competência material para conhecerem das acções de prestação de contas entre ex- cônjuges, porque não expressamente referidas na citada disposição legal; − Ao afastar a competência, por conexão para tais acções, decorrente da conjugação do art.947º do CPC com o nº2 do citado art.122º da LOSJ; − E ao declarar a incompetência absoluta em razão da matéria do Juízo de Família e Menores de Vila Nova de Gaia – Juiz 3, absolvendo o Réu da Instância.
2. […] a 9. […]. 10. O Tribunal a quo considerou que, nos termos do disposto no art.122º, da LOSJ, não é atribuída competência material dos juízos de família e menores para tramitar e julgar acções de prestação de contas entre ex-cônjuges.
11. E que, não obstante o disposto no art.947º do CPC, continua a inexistir norma a atribuir o seu conhecimento a estes juízos.
12. Consequentemente, declarou o Juízo de Família e Menores de Vila Nova de Gaia – Juiz 3, absolutamente incompetente em razão da matéria e absolveu o Réu da Instância.
13. A Lei nº117/2019, de13 de Setembro, revogou o regime jurídico do processo de inventário, instituído pela Lei 23/2013, de 5 de Março, aprovando o novo regime do inventário notarial e reintroduzindo no Código de Processo Civil (arts.1082º a 1135) o inventário judicial.
14. O processo de inventário passou, assim, a ser da competência dos tribunais judiciais “sempre que o inventário constitua dependência de outro processo judicial” (art.1083º, nº1, alínea b), do CPC).
15. Por sua vez, estabelece o art.1133º, nº1, do CPC que: “Decretada a separação judicial de pessoas e bens ou o divórcio, ou declarado nulo ou anulado o casamento, qualquer dos cônjuges pode requerer inventário para partilha dos bens comuns”.
16. Ainda, nos termos do nº2 do mesmo dispositivo legal: “As funções de cabeça de casal incumbem ao cônjuge mais velho”.
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