Acórdão nº 331/21.6T8VIS.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 19-04-2024

Data de Julgamento19 Abril 2024
Número Acordão331/21.6T8VIS.C1
Ano2024
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO DO TRABALHO DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU)


Apelação n.º 331/21.6T8VIS.C1

Acordam[1] na Secção Social (6.ª secção) do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório

AA, residente em ...

intentou a presente ação especial de acidente de trabalho contra

G... – Companhia de Seguros, SA., com sede em ...

alegando, em síntese que:

O sinistrado, seu marido, exercia as funções de sapador florestal por conta da Associação de Produtores Florestais de ... e ... e, no dia 14/01/2021, depois de ter pegado num bidão com mais de 25 litros de gasolina e carregado outros dois e três motorroçadoras com cerca de 13 kg cada uma para uma carrinha, em resultado do esforço físico despendido, sentiu-se mal e quando os colegas chegaram ao local, encontrava-se agarrado a um pilar de betão e a cair para trás, já não conseguia falar, apenas demonstrando que sentia dor; o sinistrado entrou em paragem cardiorrespiratória e veio a falecer, tendo-se concluído na autópsia que a morte se ficou a dever a hipertrofia do miocárdio; estamos perante um acidente de trabalho pois o referido esforço físico, súbito, de duração curta e limitada, terá gerado a manifestação da doença/lesão cardíaca e respetiva morte imediata do sinistrado.

Termina, formulando o seguinte pedido:

Termos em que, deve a presente ação ser julgada procedente por provada e, em consequência:

I. Ser considerado como acidente de trabalho o sinistro que vitimou o Sinistrado, a 14 de janeiro de 2021, por ocorrido no tempo e local de trabalho e em resultado e no exercício das tarefas profissionais, e bem por se verificar nexo causal entre o esforço físico levado a cabo pelo Sinistrado para execução das suas funções e a morte por hipertrofia do miocárdio;

II. Ser a Ré condenada a pagar à Autoria, na qualidade de beneficiária legal do Sinistrado:

A. O capital de 43.074,36 (quarenta e três mil e setenta e quatro euros e trinta e seis cêntimos) da pensão anual e vitalícia de 3.139,30 (três mil cento e trinta e nove euros e trinta cêntimos) por morte.

B. Subsídio por morte, no montante de 5.792,29 (cinco mil, setecentos e noventa e dois euros e vinte e nove cêntimos);

C. Despesas de funeral no montante de 1.900,00 (mil e novecentos euros).

D. Despesas de transporte com a deslocação obrigatória a este Tribunal, no valor de 20,00 (vinte euros).”

*

A Ré Seguradora contestou alegando, em sinopse, que:

O marido da Autora não foi vítima de qualquer acidente de trabalho; o sinistrado não apresentava sinais externos de lesões traumáticas em qualquer parte do corpo, sofria de HTA e dislipidemia e tinha deixado de tomar o medicamento; e o relatório da autópsia conclui que a morte foi devida a hipertrofia miocárdica e que tal quadro constitui causa de morte natural; o sinistrado foi acometido de doença natural e dela veio a morrer, pelo que, não existiu qualquer acidente de trabalho.

Termina dizendo que a presente ação deve ser julgada não provada e improcedente e a contestante absolvida do pedido, com as legais consequências.

*

Foi proferido o despacho saneador de fls. 96, selecionada a matéria assente e enunciados o objeto do litígio e os temas da prova.

*

Procedeu-se a julgamento, conforme consta das respetivas atas.

*

Foi, depois, proferida sentença (fls. 201 e segs.) e de cujo dispositivo consta:

“Por tudo o exposto e ao abrigo das disposições legais citadas, julga-se a presente acção procedente por provada e em consequência:

I- Considera-se como acidente de trabalho o sinistro que vitimou o Sinistrado BB, a 14 de Janeiro de 2021, por ocorrido no tempo e local de trabalho e em resultado e no exercício das tarefas profissionais, e se verificar nexo causal entre o esforço físico levado a cabo pelo Sinistrado para execução das suas funções e a sua morte.

II- Condena-se a Ré G..., S.A a pagar à Autora AA, na qualidade de beneficiária legal do Sinistrado:

a) O capital de remição no montante de 43.074,34 (quarenta e três mil e setenta e quatro euros e trinta e quatro cêntimos) da pensão anual e vitalícia de € 3.139,30 (três mil cento e trinta e nove euros e trinta cêntimos), devida desde 15-01-2021.

b) O subsídio por morte, no montante de 5.792,29 (cinco mil, setecentos e noventa e dois euros e vinte e nove cêntimos);

c) O subsídio por despesas de funeral no montante de 1.900,00 (mil e novecentos euros).

d) Os juros de mora à taxa legal de 4% sobre tais quantias desde 15-01-2021 até efetivo e integral pagamento.

Absolve-se a Ré do restante pedido contra ela formulado.”

*

A , notificada desta sentença, veio interpor o presente recurso formulando as seguintes conclusões:

(…).

*

A Autora ofereceu resposta, concluindo que:

(…).

*

O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer de fls. 278, no sentido de que “Assim, salvo melhor opinião, terá que se concluir, tal como consta da sentença recorrida, que estamos perante um verdadeiro acidente de trabalho indemnizável, sendo responsável pela reparação do mesmo a Ré, por se encontrar transferida para esta a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho sofridos pela vítima.

*

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

*

II – Questões a decidir

Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (art.º 639.º, n.º 1, do CPC), salvo as que são de conhecimento oficioso.

Assim, cumpre apreciar as seguintes questões:

1ª – Reapreciação da matéria de facto.

2ª – Se não ocorreu um acidente de trabalho indemnizável.

*

*

III – Fundamentação

a) Factos provados e não provados constantes da sentença recorrida:

1- BB faleceu no dia 14 de janeiro de 2021 (cfr. doc. de fls. 39).

2- O referido BB faleceu no estado de casado com a Autora AA, nascida a ../../1963 (cfr. docs de fls. 26 e 39).

3- O referido BB foi admitido ao serviço da Associação de Produtores Florestais de ... e ..., mediante contrato de trabalho sem termo, com início a 12 de maio de 2008, conforme documento nº 2 junto com a petição inicial.

4- Obrigando-se a trabalhar por conta da Empregadora e sob as respetivas ordens, direção e fiscalização, exercendo funções inerentes à categoria profissional de sapador florestal, entre as quais se incluem «a prevenção dos incêndios florestais através da roça de matos e limpeza de povoamentos, realização de fogos controlados, manutenção e beneficiação da rede divisional, abertura de linhas de quebra fogos e outras infra estruturas, serviços de vigilância, apoio ao combate a incêndios florestais e às operações de rescaldo, ações de sensibilização do público para as normas de conduta em matéria de prevenção, do uso do fogo e de limpeza das florestas».

5- No dia 14-01-2021, cerca das 07h45m, o referido BB, encontrava-se a exercer as suas funções ao abrigo do referido contrato de trabalho, sob as ordens, direção e fiscalização da Empregadora, em ....

6- Nesse dia, o referido BB dirigiu-se logo pela manhã, como habitualmente, para a garagem da Empregadora, sita na Avenida ..., em ....

7- Onde iniciou os trabalhos preparatórios para o dia de trabalho, ou seja, para as tarefas inerentes à prevenção dos incêndios florestais através da roça de matos, utilizando os instrumentos de trabalho postos à sua disposição pela Empregadora.

8- Tendo enchido um bidão que se encontrava no armazém com 20 litros de gasolina.

9- Posteriormente carregou tal bidão, que pesava cerca de 20kg, elevando-o cerca de 1 metro, para a carrinha em que o mesmo e os dois colegas que integrariam a sua equipa – CC e DD (trabalhadores da Empregadora) – se deslocariam pelas matas no exercício das suas funções.

10- Em resultado do esforço físico despendido nessas tarefas preparatórias, o referido BB sentiu-se mal.

11- Sendo que, quando os referidos colegas chegaram ao local em que aquele se encontrava, pelas 07h45m, o mesmo encontrava-se agarrado a um pilar de betão, junto do portão e a cair para trás.

12- Os colegas imediatamente correram na sua direção.

13- Que já não conseguia falar, apenas tendo demonstrado que sentia dor.

14- Nessa sequência, os mesmos contactaram, de imediato, o Instituto Nacional de Emergência Médica.

15- Tendo aquele BB entrado em paragem cardiorrespiratória.

16- E sendo as inúmeras tentativas de reanimação do mesmo encetadas pelo médico que se encontrava na Viatura Médica de Emergência e Reanimação (VMER) mal sucedidas.

17- O óbito do referido BB foi declarado às 09h00m.

18- O mesmo foi, posteriormente, submetido a autópsia médico-legal, tendo sido concluído que a morte se devera a hipertrofia do miocárdio.

19- As análises toxicológicas realizadas na autópsia foram negativas para álcool, drogas de abuso e medicamentos.

20- À data do acidente, o Sinistrado auferia a retribuição mensal base de € 665,00 (seiscentos e sessenta e cinco euros) x 14 meses, acrescida de € 104,94 (cento e quatro euros) x 11 meses, a título de subsídio de alimentação.

21- A responsabilidade civil emergente de acidente de trabalho encontrava-se totalmente transferida para a Ré, por contrato de seguro, titulado pela apólice n.º ...12.

22- A Empregadora participou o acidente como de trabalho à Ré, nos termos constantes do documento de fls. 16 dos autos, que aqui se dá por reproduzido, tendo esta, em consequência, participado o mesmo a este Tribunal.

23- A Autora despendeu a quantia de € 1.900,00 em despesas de funeral do seu falecido marido.

24- Do relatório de autópsia resulta que o BB não apresentava lesões externas na cabeça, no pescoço, no tórax (mas com escoriação apergaminhada da face anterior do tórax, sobre o terço distal do esterno com 25 por 10 milímetros), no abdómen, nos membros superiores e nos membros inferiores (mas com escoriações nos joelhos), sendo que em nenhuma parte do corpo o BB apresentava sinais externos de lesões traumáticas.

25- O relatório de autópsia conclui que: “ A morte de BB foi devida a hipertrofia miocárdica; Tal quadro constitui causa de morte natural; Os exames toxicológi...

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