Acórdão nº 3283/19.9T8PNF-B.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2023-07-12

Data de Julgamento12 Julho 2023
Ano2023
Número Acordão3283/19.9T8PNF-B.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. n.º 3283/19.9T8PNF-B.P1


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

AA, residente na Rua ..., ..., Paredes, com patrocínio por mandatária judicial e tendo solicitado o apoio judiciário na modalidade de isenção do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo, após infrutífera tentativa de conciliação, veio intentar a presente acção especial emergente de acidente de trabalho contra a A..., S.A., com sede no Largo ..., Lisboa.
Pede que a ré seja “condenada a pagar ao A.:
A. A título de diferenças de indemnização pelos períodos de incapacidade temporária a quantia de euro 28,98
B. A título de indemnização por IPATH, a partir da data da alta (20/11/2019), a pensão anual e vitalícia de euro 6.506,78
C. A título de subsídio de elevada incapacidade a quantia de euro 5.792,29
D. A título de reembolso de despesas com deslocações a consultas ao gabinete médio legal e ao tribunal a quantia de euro 80,00
E. Todas as demais prestações que, nos termos da lei, sejam devidas ao sinistrado em virtude do acidente de trabalho dos autos
F. Os juros moratórios à taxa legal, vencidos sobre cada um das supra vertidas prestações, e desde a data da alta até efectivo e integral pagamento.
Alega, em síntese: Em Abril de 2019, e ao serviço da sua entidade empregadora, o A. auferia a retribuição base ilíquida de 600,00, acrescida de subsídio de alimentação diário de Euro 3,70 perfazendo, assim, a retribuição anual de Euro 9.295,40, e que se encontrava integralmente transferida para a Seguradora R.; No dia 30/04/2019, o A., cerca das 9.30 horas, sofreu um acidente de trabalho; o A. trabalhava/operava uma máquina de tingir, usando auscultadores de protecção de ruído; De repente, ao virar a cabeça, embateu com a parte auricular dos auscultadores do lado esquerdo numa parede junto à máquina, atingindo a orelha e o ouvido esquerdos, e com o impacto sentiu de imediato dor na orelha e ouvido e tonturas, tendo sofrido traumatismo auditivo à esquerda; em consequência sofre: ITA de 10/05/2019 a 31/10/2019, ITP com redução de 45% de 01/11/2019 até 19/11/2019; IPP, que o INML entendeu ser de fixar em 28% a partir de 19/11/2019 (data da alta), e encontra-se o mesmo incapaz para o exercício da sua profissão habitual. Solicitou a realização de exame por junta médica, apresentando os respectivos quesitos.
A ré veio contestar alegando: aceita a descrição feita na petição inicial: aceitando que o A. teve traumatismo do ouvido esquerdo, o mesmo esteve em situação de ITA, conforme descrito; aceita que, após a alta, o A. apresenta hipoacusia que pode decorrer de agravamento traumático da patologia anterior adiante descrita quantificável em IPP até ao máximo 23% pelo Cap.IV, 8 da TNI; não aceita que o A. tenha ficado com qualquer outra sequela do acidente pelo que não aceita o relatório do INML. Requereu igualmente a realização de exame pericial por Junta Médica, formulando os respectivos quesitos.
Foi proferido despacho saneador, que transitou em julgado, fixada a matéria de facto provada, o objecto do litígio e os temas de prova.
Foi determinado o desdobramento do processo para apurar das lesões/sequelas resultantes do acidente.
A 22 de Outubro de 2021, a seguradora veio apresentar articulado superveniente, concluindo a final dever “c) serem declaradas anuladas as declarações proferidas na tentativa conciliação, anulando-se o auto da respectiva diligência e todo o processado ulterior e determinando-se a repetição da tentativa, com as legais consequências.”
A 26 de Outubro de 2021, foi proferido despacho com o seguinte teor: “Fls. 136 a 139 verso: Ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 1º, nºs 1 e 2, alínea a), do C.P.T., e 588º, nºs 1 a 4, do C.P.C., rejeito o articulado superveniente apresentado pela R., o qual, por culpa da R., foi apresentado fora de tempo, dado que, não se tendo realizado a audiência prévia, ainda nem sequer foi designada data para a realização da audiência final. Notifique.”
A 13 de Julho de 2022, foi proferido despacho designando dia para a audiência de julgamento.
A 25 de Julho de 2022, veio de novo a seguradora apresentar articulado superveniente, com o mesmo teor do primeiro, concluindo a final dever “c) serem declaradas anuladas as declarações proferidas na tentativa conciliação, anulando-se o auto da respectiva diligência e todo o processado ulterior e determinando-se a repetição da tentativa, com as legais consequências.”
O sinistrado respondeu, pugnando pela inadmissibilidade do articulado.
Sobre este novo articulado incidiu despacho, proferido a 24 de Outubro de 2022, no qual se decidiu a final: “Ante todo o exposto, ao abrigo das disposições conjugadas dos arts. 1º, nºs 1 e 2, alínea a), do C.P.T., e 588º, nºs 1 a 4, do C.P.C., rejeito o articulado superveniente de fls. 144 verso a 148, por o mesmo, por culpa da R., ter sido apresentado fora de tempo. Notifique.”
Inconformada interpôs a seguradora o presente recurso de apelação, concluindo:
1. Os factos de conhecimento superveniente que a Recorrente alegou são os que resultaram do referido registo clínico da médica de família que, clara e comprovadamente, permite concluir, quer que o A. não apresentava queixas por qualquer traumatismo em acidente de trabalho na data indicada, como apresentava queixas compatíveis com doença profissional;
2. A Recorrente alegou e demonstrou que só teve conhecimento de tais factos com a notificação do ofício que continha esses registos;
3. Esses registos, sendo dados pessoais de natureza clínica, não estavam acessíveis à recorrente extrajudicialmente, pelo que, por mais diligente que fosse o seu trabalho de averiguação jamais poderia antes ter acesso a esses registos do médico de família e, consequentemente, conhecimento dos factos que constituem o conteúdo de tais registos;
4. Sendo evidente, o conhecimento superveniente dos factos, estando documentado o ofício que trouxe o conhecimento dos mesmos;
5. Violou por isso, a decisão recorrida, ao rejeitar o articulado superveniente em causa, o disposto nos artigos 5º, nº 1, 410º, 411º, 571º, nº 2, 2ª parte, 588º, nº 1, nº 2, nº 3 alínea b), nº 6, 611º, nº 1 do CPC, artigo 60º do CPT, artigos 341º e 342º do Código Civil, e artigo 10º da LAT.
Nestes termos e mais fundamentos de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso de apelação e, consequentemente, ser o despacho proferido revogado e substituído por outro que, admitindo o articulado superveniente e os meios de prova requeridos, determine o prosseguimento dos autos com a consideração dos factos alegados, por ser de inteira justiça!
O recorrido sinistrado alegou, concluindo:
I. Os factos que serviram para suportar a legitimidade do Articulado Superveniente já eram há muito tempo conhecidos pela Recorrente.
II. Por seu turno, caso a Recorrente apenas tivesse tomado conhecimento dos factos descritos no Articulado Superveniente no momento mencionado, sempre se diga que o alegado conhecimento tardio de tais factos sempre seria imputável à Recorrente, por não ter diligenciado, nessa hipótese, como é pratica comum das Entidades Seguradoras, em averiguar corretamente o historial médico, respetivos exames e condição clínica do Trabalhador/Recorrido antes da tomada de posição final na Tentativa de Conciliação e na Contestação.
III. Assim, em ambas as hipóteses, o Articulado Superveniente nunca poderia ser admissível, nos termos a contrario dos artigos 60º do CPT e alínea b) do nº 3 do art. 588º do CPC, tal como considerou o Tribunal a quo, no despacho de 24/10/2022, que não merece qualquer reparo.
IV. Por último, os temas que a Recorrente se pronuncia no Articulado Superveniente encontram-se assentes por confissão na Tentativa de Conciliação.
Fixou-se à acção o valor de € 21.407,72.
O Ilustre Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal teve vista nos autos, tendo emitido parecer no sentido da improcedência do recurso, referindo: “foi a seguradora Recorrente que participou o acidente a 27.11.2019, onde informou que iria realizar diligências com vista a tomar posição definitiva. E, desde essa data até apresentar o articulado, decorreram quase dois anos. Não há dúvidas de que houve relaxamento da Recorrente no início e desenvolvimento das diligências com vista a apurar os factos que agora trouxe ao processo, que logo informou com a participação. Depois esteve presente na tentativa de conciliação tomando posição contrária. Ora o articulado superveniente, está sujeito a despacho liminar, podendo ser rejeitado pelo juiz quando for extemporâneo por culpa da parte ou quando for manifesto que os factos alegados não interessam à boa decisão da causa – 588º, 4, do CPC. A culpa da Recorrente neste caso, parece evidente não merecendo, assim, censura o Despacho recorrido, que deve ser confirmado.”
As partes não responderam ao parecer.
Admitido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Como se sabe, o âmbito objectivo dos recursos é definido pelas conclusões do recorrente (artigos 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do CPC, por remissão do art. 87º, nº 1, do CPT), importando assim decidir quais as questões naquelas colocadas.
Questão a resolver: a admissibilidade do articulado superveniente.

II. Fundamentação de facto:
Importa considerar o que consta do relatório e o seguinte:
1. No auto de tentativa de conciliação, na fase conciliatória do processo, consignou-se o seguinte:
“Iniciada a diligência resulta dos autos que:
O SINISTRADO - No dia 30 de Abril de 2019, cerca das 09:30 horas, em Paredes foi vítima de um acidente de trabalho quando exercia as funções de operador de máquinas, sob as ordens, direção e fiscalização da entidade empregadora B..., Lda., NIF - ..., Endereço: Rua ..., ..., ... Paredes, mediante a retribuição anual de €600,00 x 14 + €3,70 x 242 (total anual €9.295,40), cuja responsabilidade se encontrava integralmente transferida para a
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