Acórdão nº 328/20.3T8CMN.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 2023-09-28

Data de Julgamento28 Setembro 2023
Ano2023
Número Acordão328/20.3T8CMN.G1
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Os Juízes da 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam no seguinte
ACÓRDÃO

I. Relatório:

Na presente ação declarativa condenatória, sob a forma de processo comum, instaurada por AA e mulher BB, CC, DD e marido EE, e FF, contra GG e mulher HH, II e mulher JJ, KK e mulher HH, LL e MM:
1. Os autores:
1.1. Pediram:
«- deve a presente acção ser julgada provada e procedente e, em consequência:
a) declarar-se que os AA. são (co) titulares dos Direitos Reais Administrativos de concessão de ocupação da parcela de terreno a que foi atribuído os n.ºs 34 e 35 do Cemitério Municipal de ..., deste Concelho e Comarca, melhor identificado no artigo 1.º desta petição;
b) declarar-se que os AA são (co-) proprietários e legítimos (co-) possuidores do jazigo edificado, incorporado pelas sepulturas n.ºs 34 e 35, sobre a parcela identificada na alínea antecedente;
c) Condenar-se os RR. a reconhecerem que os AA. são (co-) titulares dos direitos a que se referem as alíneas a) e b) supra;
d) Condenar-se os RR. a absterem-se de perturbar o gozo, fruição e posse desses direitos por parte dos AA.;
Caso não se sufrague o entendimento vertido nas antecedentes alíneas c) e d), quanto à legitimidade passiva dos 2.º, 3.º, 4.º e 5.º RR.,
e) Condenar-se os 1.º RR. a reconhecerem que os AA. são (co-) titulares dos direitos a que se referem as alíneas a) e b) supra;
f) Condenar-se os 1.º RR. a absterem-se de perturbar o gozo, fruição e posse desses direitos por parte dos AA.;
g) Declara-se nula a eventual concessão de uso privado, atribuída em exclusivo e de forma perpétua, pela Câmara Municipal ..., aos 1.º RR. ou ao 1.º Réu marido, a que se reporta o identificado Jazigo; h) Em qualquer dos casos, condenar-se os RR. ou os 1.º RR., nas custas e legais acréscimos.».
1.2. Afirmaram e alegaram, como fundamento:
1.2.1. Que no Cemitério Municipal de ... existe um jazigo térreo em pedra, integrado pelas sepulturas com os números 34 e 35, do piso A, talhão 6, no qual estão sepultados os restos mortais de grande parte dos familiares dos autores (arts.1º e 15º da petição inicial).
1.2.2. Que os autores e réus são co- proprietários e legítimos co- possuidores do Jazigo referido em ....2.1., e são co- titulares da concessão (ou da utilização ou uso privativo) a que se reporta o mesmo jazigo (arts.1º e 2º da petição inicial), sendo que esta “propriedade/concessão do jazigo” lhes adveio derivadamente: da aquisição feita no ano de 1911 pelas bisavós de autores e réus- NN, casada com OO, e PP, casada com QQ (art.3º da petição inicial); da sucessão destes, pela via sucessória indicada, de que todos são herdeiros, sendo a linha sucessória dos autores indicada a partir de NN e OO (arts.4º a 12º da petição inicial).
1.2.3. Que esta titularidade referida em 1.2.1. supra, todavia, não está documentada formalmente, uma vez: que os autores e os réus não dispõem de título formal comprovativo das suas titularidades sobre o jazigo; que a entidade administrativa Câmara Municipal ... (onde se encontram os Livros de Registos de Venda de Sepulturas e Jazigos) não possui arquivo organizado que permita realizar o trato sucessivo e emitir o título de transmissão, não estando escrita nem declarada em qualquer averbamento a co- titularidade de autores e réus e seus antepassados, expressa ou tacitamente (arts.13º e 14º da petição inicial).
1.2.4. Que os autores, para além da aquisição de derivada, invocam a aquisição originária dos direitos, alegando:
a) Que desde 1911 sempre foram praticados atos de posse pelos iniciais bisavós de autores e réus, depois pelos avós e pais das partes até chegar à posse de autores e réus (arts.16º e 17º da petição inicial), atos comuns depois referidos apenas como sendo praticados pelos autores e antecessores com exclusão dos réus (arts.29º a 31º da petição inicial).
b) Que, apesar da inicial invocada comunhão, sempre foram os autores que, pelo menos desde 1993, zelaram pelo Jazigo, com as sepulturas que o integram, com os n.ºs 34 e 35, e antes destes os seus antecessores, através dos atos materiais de manutenção e limpeza, de cumprimento de regulamentos do Cemitério Municipal, com convicção de exercício de um direito próprio, há mais de 10, 15, 20, 50, 69 e 70 anos, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, de forma correspondente ao direito de ocupação da parcela pertencente ao domínio público sobre a qual foram construídas as sepulturas em causa e ao direito de propriedade dessas sepulturas, atos que lhes permitem invocar, para além da aquisição derivada, a aquisição originária desses direitos por usucapião (arts.18º a 25º, 54º a 59º da petição inicial).
1.2.5. Que os direitos e posse dos autores foi perturbada, tendo em conta:
a) Que filha dos 3ºs réus deslocou-se ao jazigo para cuidar do mesmo, altura em que aí encontrou uma cuidadora, que se encontrava a colocar flores na sepultura nº... do referido jazigo, a mando do 1º réu, por o mesmo se considerar seu dono (arts.32º a 36º da petição inicial).
b) Que os autores, depois de saber de a) supra, realizaram diligências junto das entidades que indicam (Câmara, Finanças, Tribunal, Cartórios Notariais), na sequência do que conheceram o processo de inventário e a adjudicação feita ao 1º réu; escreveram ao 1º réu (art.26º, 28º, 37º a 49º da petição inicial);
c) Que, pelas diligências que fizeram:
c1) Souberam que os réus, no processo de Inventário Judicial n.º 512/12...., por óbito do pai, relacionaram e, após, partilharam o Jazigo no seu todo, como se de bem exclusivo fosse da herança dos pais, que foi adjudicado ao 1º réu a 10.07.2015, facto que apenas tiveram conhecimento a 13.03.2020 (arts.25º e 26º da petição inicial).
c2) Foram informados por um funcionário da Câmara que o 1º réu pediu o averbamento do jazigo; que, apesar de uma técnica lhes ter dito depois que não poderia ser feito o averbamento (uma vez que não havia informação da titularidade no arquivo da Câmara) se o 1º réu tiver obtido da Edilidade Camarária «registo de propriedade/concessão/averbamento do jazigo a seu favor» para seu uso exclusivo, à revelia dos autores (que nunca permitirão), isso configura um ato nulo (arts.37º e 45º, arts.50º a 53º da petição inicial).
1.3. Defenderam nas razões de direito:
1.3.1. Que o cemitério é um bem do domínio público, sem prejuízo da constituição de direitos dos particulares sobre parcelas de terreno cemiterial; que, quanto aos terrenos objeto da concessão de ocupação para jazigos, sepulturas ou monumentos, a título perpétuo ou no longo prazo, a Câmara ou a Junta de Freguesia têm direitos reais administrativos e os particulares são titulares também de direitos reais de natureza administrativa (devendo considerar-se como tal, de acordo com os autores citam, os direitos dos seus titulares se fazerem sepultar nos jazigos e sepulturas, a si e aos membros da sua família, segundo a fórmula ou regime correspondente à respetiva espécie constituída, de realizarem as construções e obras apropriadas em honra ou como manifestação do seu culto pelos mortos desde que previamente licenciadas pela Câmara ou pela Junta, de estabelecerem ornamentações de expressão artística ou sentimental, de colocarem flores e outros objetos visando o mesmo efeito, de visitarem em certos dias e horários, de neles praticarem a oração, de os transmitirem em certas circunstâncias, de os transformarem com prévia licença, de os defenderem, de beneficiarem de servidão para acesso e trânsito, etc.).
1.3.2. Que nessas circunstâncias:
a) Os autores e réus (ou o 1º réu por força da adjudicação em processo de inventário), por efeito das sucessões hereditárias, adquiriram o “direito real administrativo” da concessão de ocupação da parcela de terreno no Cemitério Municipal de ... e o direito de propriedade sobre o jazigo, integrado pelas duas indicadas sepulturas, edificadas nessa parcela, tendo legitimidade conjunta para exercer todos os direitos reais administrativos sobre o referido Jazigo, designadamente averbando a seu favor a utilização e uso privativo do Jazigo; que, não possuindo o título administrativo- Alvará- que comprova aquela concessão, caberá aos mesmos, enquanto co- interessados no averbamento, facultar à Autarquia os elementos documentais e/ou testemunhais, que lhes permitam inferir que a concessão foi dada aos seus ascendentes- pais, avós, bisavós, o que não ocorreu.
b) Os autores receberam o “direito real administrativo” da concessão de ocupação da referida parcela de terreno, assim como o direito de propriedade sobre o jazigo (construção), por herança dos seus antepassados, bisavós, avós e pais, aquisição que vem da usucapião, e os quais lhes foram transmitidos por sucessão legítima, assiste-lhes legitimidade para fazer averbar o jazigo, em seus nomes, em (co-) concessão e (co) propriedade, na Câmara Municipal ....
c) Que pretendem que os réus lhes reconheçam a co- titularidade e co- concessão de utilização ou uso privativo e, também, que lhes restituam o identificado Jazigo.
2. Citados os réus:
2.1. O 1º réu GG apresentou contestação, na qual:
a) Defendeu-se: por exceção, arguindo a ineptidão da petição inicial por falta de causa de pedir e/ou contradição da petição nos seus próprios termos, determinante da absolvição da instância; por impugnação de factos, na qual, apesar de reconhecer que «no Cemitério Municipal de ..., existe um jazigo subterrâneo com os seguintes elementos de identificação: talhão n.º ..., campas n.ºs 34 e 35, piso A, com a inscrição, na pedra da coberta, “Jazigo da Família – RR – Ano de 1912”», defendeu que os atos de posse sobre os mesmos foram praticados apenas e exclusivamente desde então pelos herdeiros de SS, correspondentes aos réus e seus antecessores (sendo que as sepulturas dos autores correspondem às que são contíguas e se encontram à esquerda, com os nº32 e nº33).
b) Considerou, de acordo com a jurisprudência que indica...

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