Acórdão nº 328/20.3T8ABF.E1 de Tribunal da Relação de Évora, 2023-04-20

Ano2023
Número Acordão328/20.3T8ABF.E1
ÓrgãoTribunal da Relação de Évora
328/20.3T8ABF.E1


Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Évora:

I – Relatório
1. AA e mulher, BB, de nacionalidade ..., residentes em ..., ..., ..., ..., instauraram contra CC, solteira, maior, residente na ..., ..., ..., ação declarativa com processo comum.

Alegaram, em resumo, haver celebrado com a R., em 26/9/2019, um contrato promessa, mediante o qual prometeram comprar e a R. prometeu vender, pelo preço de € 150.000,00, a fração autónoma descrita sob o nº ...79... na Conservatória do Registo Predial ..., tendo pago de sinal € 15.000,00 após o que, sem ter sido acordada data para a marcação da escritura, esta veio a ser marcada pela R., à revelia dos AA., para o dia 18/11/2019 e não comparecendo estes, veio aquela comunicar-lhes a “renuncia ao contrato”, a intenção de fazer sua a quantia recebida a título de sinal e a vender a outrem, em 28/11/2019, a fração autónoma que havia prometido vender aos AA.

Concluíram pelo incumprimento culposo do contrato pela R. e pediram a condenação desta a pagar-lhes a quantia de € 30.000,00, correspondente ao sinal em dobro.

Contestou a R. argumentando, em resumo, que a falta de estipulação de prazo para a celebração do contrato definitivo lhe permitia exigir o cumprimento da obrigação a todo o tempo, como fez, interpelando os AA para comparecerem, na data e hora que agendou para a celebração da escritura pública de compra e venda e que os AA, faltando à escritura, constituíram-se em mora, assim lhe assistindo o direito de fazer sua a quantia recebida a título de sinal.

Concluiu pela improcedência da ação e pediu, em reconvenção, a perda a seu favor do sinal constituído pelos AA.

Os AA responderam por forma a concluir pela improcedência do pedido reconvencional.


2. Foi proferido despacho que admitiu o pedido reconvencional, identificou o objeto do litígio e enunciou os temas da prova.
Teve lugar a audiência de discussão e julgamento e depois foi proferida sentença, em cujo dispositivo designadamente se consignou:
“(…) julgo o pedido formulado pelos autores totalmente procedente e o pedido formulado pela ré totalmente improcedente, e, em consequência, decido:

a) Condenar a ré CC a entregar aos autores AA e BB a quantia de € 30.000,00 (trinta mil euros), correspondente ao sinal em dobro que prestaram no âmbito do contrato-promessa de 26 de setembro de 2019 que fica resolvido por incumprimento definitivo imputável à ré. A tal quantia acrescem os respetivos juros de mora à taxa legal desde o dia seguinte ao da citação (19 de maio de 2021) até efetivo pagamento;

b) Absolver do pedido os autores/reconvindos do pedido formulado pela ré/reconvinte.”



3. O recurso
A R. recorre da sentença e conclui assim a motivação do recurso:
“A. A apelante não pode conformar-se perante a decisão do tribunal a quo que julgou a ação proposta pelos autores procedente, declarando resolvido o contrato-promessa de compra e venda por causa imputável exclusivamente à ré e condenando esta a restituir àqueles o montante de € 30.000,00, correspondentes ao sinal em dobro.

B. Acima de tudo, a decisão recorrida contém erros de apreciação e de enquadramento da matéria de direito.

C. Por outro lado, o presente recurso tem ainda como objeto a reapreciação da matéria de facto provada, mais concretamente os factos dados como provados sob os pontos 6, 7 e 8.

D. O tribunal a quo considerou provado que não foi estipulado entre as partes qualquer prazo para a celebração do contrato definitivo (cfr. pontos 6 e 8 da matéria de facto dado como provada).

E. Tal convicção assentou nas declarações de parte dos autores, no facto de a apelante ter afirmado na sua contestação que não foi estipulado qualquer prazo para a celebração do contrato definitivo, assim como na circunstância meramente formal de não constar do contrato-promessa celebrado entre as partes qualquer prazo.

F. Ao assim ter decidido, o tribunal a quo desconsiderou por completo a prova documental carreada para os autos, assim como toda a prova testemunhal produzida em sede de audiência final.

G. Em face dos documentos carreados para os autos e dos depoimentos prestados pelas testemunhas DD, EE e FF, todas elas com conhecimento direto dos factos, não se compreende como é que o tribunal a quo deu por provado que as partes não celebraram qualquer prazo para a celebração da escritura de compra e venda, pelo que entende a apelante que os pontos 6 e 8 da factualidade provada foram incorretamente julgados.

H. Com efeito, todas as testemunhas inquiridas afirmaram que as partes estipularam um prazo para a celebração do contrato definitivo (de 30 ou 60 dias, conforme afirmado pelas testemunhas DD e EE), prazo esse que inicialmente constava do contrato-promessa e que foi acidentalmente eliminado quando o testemunha EE solicitou que fosse eliminada a parte referente a crédito bancário (parte esta que, conforme referido pelas testemunhas que trabalhavam na imobiliária, já vem incluída na minuta de contrato-promessa utilizada pela imobiliária e que é eliminada quando não existe qualquer recurso a crédito bancário).

I. Por outro lado, todas as testemunhas confirmaram que os autores sabiam que a venda do imóvel era urgente e que, nessa medida, sem a observância do prazo estipulado e entretanto eliminado a ré nunca teria celebrado o contrato-promessa, razão pela qual o prazo estipulado entre as partes era um prazo essencial.

J. Deste modo, quanto a esta questão, deverá ser dado como provado que “Do clausulado do contrato-promessa não consta qualquer prazo para a celebração do contrato definitivo, devido à eliminação acidental da parte da cláusula que previa tal prazo por parte da A..., no entanto tal prazo estava previsto e os autores sabiam que o mesmo era essencial, na medida em que sem a observância do mesmo a ré nunca teria celebrado o contrato-promessa”.

K. Relativamente ao ponto 7 da matéria de facto dada como provada, o tribunal a quo considerou provado que os autores recorreram a um empréstimo bancário em ... para o pagamento da restante parte preço.

L. No entanto, as testemunhas EE e FF foram perentórias em afirmar que os autores apenas informaram que iam recorrer a crédito bancário já após a celebração do contrato-promessa, ou seja, que nem elas nem a ré sabiam que os autores iam recorrer ao mesmo, até porque a ré nunca haveria celebrado o contrato-promessa se soubesse de tal empréstimo, dado a urgência na venda em virtude de estar em fase final de gravidez.

M. Urgência essa que é, aliás, corroborado pelo facto de a ré ter vendido imóvel a terceiros logo após ter resolvido o contrato-promessa e por um preço manifestamente inferior àquele que foi acordado com os autores.

N. Assim, considera a apelante que também o ponto 7 dos factos provados foi incorretamente julgado pelo tribunal a quo, pelo que deverá ser alterado nos seguintes moldes “Os autores recorreram a um empréstimo bancário em ... para o pagamento da restante parte do preço, no entanto apenas informaram a ré de que iam recorrer ao mesmo apenas 1 mês após a celebração do contrato-promessa”.

O. Os autores não lograram provar que o contrato-promessa celebrado com a ré não tinha prazo estipulado, tendo todas as testemunhas inquiridas afirmado precisamente o contrário.

P. Em sentido contrário, a prova produzida nos autos, nomeadamente o depoimento prestado por todas as testemunhas, permitem concluir que houve incumprimento do contrato-promessa por parte dos autores, por inobservância de um prazo que se afigurava essencial, na medida em que o seu decurso sem que a prestação dos autores fosse efetuada determinou a perda de interesse da ré no negócio.

Q. O que nos leva à triste e inevitável conclusão de que os autores, aproveitando-se do facto de ter sido acidentalmente eliminado do contrato-promessa a parte referente ao prazo absoluto de celebração do contrato definitivo, invocaram nos presentes autos não ter sido estipulado entre as partes qualquer prazo, de molde a peticionar o sinal em dobro.

R. Sem prejuízo do supra exposto, ainda que por mera hipótese académica as partes não tivessem estipulado qualquer prazo essencial para a celebração do contrato definitivo, ainda assim se chegaria à conclusão de que foram os autores quem incumpriram o contrato-promessa de compra e venda, senão vejamos.

S. A não indicação num contrato-promessa do dia, hora e local para a celebração do contrato definitivo implica que a obrigação principal das partes contratantes se converte numa obrigação pura.

T. O vencimento das obrigações puras atinente à marcação e celebração da escritura depende de interpelação, que tanto pode ser judicial como extrajudicial.

U. Sendo a obrigação dos autores pura, tinha a ré o direito de exigir a todo o tempo o seu cumprimento.

V. Nessa medida, a ré, confrontada com a inércia dos autores, interpelou-os extrajudicialmente para cumprirem a sua obrigação de celebrar o contrato definitivo, tendo remetido a estes, no dia 30.10.2019, um email a comunicar a data e hora marcadas para a celebração da escritura pública de compra e venda do imóvel prometido.

W. Contudo os autores não compareceram no cartório notarial na data e hora marcadas, não tendo assim celebrado o contrato prometido.

X. Ou seja, no dia 19.11.2019, os autores constituíram-se em mora.

Y. Em consequência dessa mora, a ré perdeu o interesse na prestação, uma vez que a venda era urgente, tendo assim, no dia 27.11.2019, enviado um email aos autores a comunicar a resolução do contrato-promessa e a perda a seu favor do sinal constituído pelos autores.

Z. Contrariamente ao entendimento defendido pelo tribunal a quo (adotado no pressuposto de que a venda não era urgente e de que as partes não estipularam um prazo absoluto de celebração do contrato definitivo), a constituição dos autores em mora não exigia a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 777.º do Código Civil, uma vez que a propositura de uma...

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