Acórdão nº 327/22.0T8OBR.P1 de Tribunal da Relação do Porto, 2022-12-14

Ano2022
Número Acordão327/22.0T8OBR.P1
ÓrgãoTribunal da Relação do Porto
Proc. 327/22.0T8OBR.P1


Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Relatório
O Ministério Público instaurou processo de promoção e proteção, em benefício e na defesa do interesse de AA, nascida a .../.../2019, filha de BB e de CC, residente no ... - ..., ... de ... - Rua ..., ... ....
No mesmo dia, foi proferido despacho a aplicar à criança uma medida provisória de promoção e proteção de acolhimento residencial pelo período de seis meses.
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Após terem sido ouvidos os progenitores da criança e a Sra. Técnica da Segurança Social nos termos do disposto no art.º 107.º n.º 1 e 2 da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, foi declarada encerrada a instrução e realizada conferência com vista à obtenção de acordo de promoção e proteção nos termos do disposto no art.º 112.º do mesmo diploma legal.
Perante a impossibilidade de obtenção de acordo de promoção e proteção, por discordância com a medida proposta pela Segurança Social e pelo Ministério Público - a medida de confiança a instituição com vista a futura adoção - foi dado cumprimento ao disposto no art.º 114.º n.º 1 da LPCJP, sendo que apenas a progenitora da criança apresentou, tempestivamente, alegações e prova.
Teve lugar debate judicial, com intervenção de juízes sociais.
Por acórdão proferido em 28 de Setembro de 2022 decidiu-se:
- aplicar à criança AA a medida de promoção e protecção de confiança a instituição com vista a futura adopção, prevista nos artigos 35.º, n.º 1, alínea g) e 38.º-A, da LPCJP e, em consequência, confiá-la à guarda do Centro de Acolhimento ... da ...” e nomear, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 62.º-A, n.º 3, da LPCJP, como curadora provisória da criança a Sra. Directora Técnica de tal instituição;
- declarar cessadas as visitas à criança por parte da sua família biológica (artigo 62.º-A, n.º 6, da LPCJP);
- declarar CC e BB inibidos do exercício das responsabilidades parentais da filha (artigo 1978.º-A, do Código Civil);
- determinar que o presente processo tenha, a partir de agora, natureza secreta por forma a salvaguardar a identidade da pessoa a quem a criança venha a ser confiada.
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Inconformada, BB interpôs o presente recurso.
Formulou as conclusões que se seguem.
1 - O processo de promoção e protecção no seguimento das prioridades estabelecidas pela convenção Europeia dos direitos e liberdades fundamentais, visa a protecção e a manutenção da família biológica, devendo a intervenção ser orientada de modo a que os pais assumam os seus deveres para com a criança devendo-se sempre em primeira linha dar prevalência à família biológica através de medidas que integrem as crianças e jovens na sua família biológica.
2 - A adopção só pode surgir depois de esgotadas as possibilidades de integração na família biológica.
3 – No caso concreto, não se mostram esgotadas as possibilidades de integração da criança AA na família biológica.
3 - A Recorrente reúne todas as condições para que a sua filha lhe seja entregue/confiada, considerando não ter sido provada a factualidade em que o tribunal assenta a aplicação do disposto no artigo 1978º nº 1 d) e e) do Cód. Civil, relativamente à Recorrente.
4 - Quando foi aplicada à AA a medida de acolhimento residencial, pelo período de seis meses, a Recorrente mostrou-se emprenhada e preocupada com o bem-estar da sua filha.
5 - Decisão que foi tomada porque a Recorrente entendeu que não estavam reunidas as condições para que fosse, também ela, acolhida numa casa abrigo.
6 - Durante o período de internamento da filha, a Recorrente mostrou-se sempre preocupada com o estado de saúde da mesma e com a sua recuperação, contudo, à margem daquilo que foram os tratamentos dados, a Recorrente teve que lidar com a “discriminação” sofrida pelo facto de ter sido rotulada, ainda que de forma sub-reptícia, por uma profissional de saúde, como alcoólatra, o que não corresponde à verdade.
7 - Com efeito, revelaram pouca empatia com o estado psicológico e emocional da Recorrente, confrontada com os graves problemas da sua bebé, associando essa perturbação a problemas relacionados com o consumo de bebidas alcoólicas.
8 - A Recorrente, a pedido dos profissionais de saúde, não visitou a sua filha na fase mais crítica dos tratamentos porque a mesma precisava de calma e tranquilidade.
9 - Nesse período, a menor facilmente se destabilizava, sendo que o tribunal a quo atribuiu à Recorrente o rótulo de elemento perturbador quando, afinal, até o até o simples barulho de uma televisão (cfr. ponto 35 dos factos provados) tinha esse efeito nocivo na menor.
10 - Acreditando que o seu estado emocional era prejudicial à recuperação da sua filha, a Recorrente tomou a decisão mais difícil, enquanto mãe, anuiu ao pedido dos médicos e abdicou de uma presença mais permanente junto da sua filha, para benefício da mesma.
11 - O tribunal a quo não foi sensível ao contexto em que esta decisão foi tomada, não valorizou a explicação dada pela Recorrente e seguiu o caminho mais fácil, interpretando estes factos como mais um sinal de abandono quando, na realidade, eles são demonstrativos do amor que a mesma sente pela sua filha.
12 - A partir do momento em que a AA teve alta médica e ainda preocupada com a recuperação plena da mesma, a Recorrente retomou, paulatinamente, os contactos/visitas, mantendo e revigorando a vinculação que as unia.
13 – Simultaneamente, procurou reunir as condições de vida necessárias e ideais que lhe permitissem recuperar a guarda da criança.
14 - Desejo que nunca ocultou e que transparece, em vários momentos, nas comunicações mantidas com a CPCJ (cfr, a título de exemplo, ponto 78 dos factos provados).
15 - Desde logo, o facto de a Recorrente ter terminado a relação que mantinha com o pai da criança, relação essa algo conflituosa e pautada por alguns episódios de violência doméstica por parte do progenitor, bem como ter alterado a sua residência, em ..., em busca de melhores condições de vida.
16 - É certo que a Recorrente alterou a sua residência para a ..., cidade algo distante do local onde a criança permaneceu institucionalizada (...). 17 - Todavia, esta sua escolha não foi em vão.
18 - O propósito da Recorrente, para si e para as suas filhas, era reorganizar a sua vida, alcançar a paz e a tranquilidade que não tinha quando estava próxima do progenitor e a decisão foi precipitada pelo episódio de violência doméstica que culminou com uma agressão, por parte do progenitor, que causou ferimentos à mesma.
19 - Na cidade ..., residia (e reside) o casal de amigos DD e EE que foi escolhido para serem padrinhos das AA.
20 - Pessoas bastante próximas da Recorrente que sempre proporcionaram e continuam a proporcionar, bastante apoio à mesma e à sua filha FF, sempre que necessário, suprindo a falta de apoio familiar que a mesma tem, porquanto é emigrante e a sua família se encontra no ....
21 - Quando tomou a decisão de rumar à ..., a Recorrente e a filha FF foram acolhidas pelo referido casal até que a primeira reunisse condições para arrendar a sua própria casa.
22 - Sublinhe-se que, em ..., a Recorrente não tinha relações de amizade ou familiares que pudessem servir de apoio, caso assim necessitasse.
23 - Permanecendo a residir em ..., a Recorrente iria sentir-se completamente “abandonada”, juntamente com a sua filha, num lugar onde conheciam poucas pessoas e não possuíam amizades próximas.
24 - Para além disso, a Recorrente sabia que permanecendo a residir em local próximo do progenitor da AA, o mesmo iria continuar a atormentar a sua vida, tal como fez durante muito tempo, das mais variadas formas, não obstante a distância que passou a separá-los.
25 - Não obstante a mudança do local de residência, a Recorrente manteve as visitas frequentes à AA, na instituição, ainda que condicionada pela distância entre localidades, pelas dificuldades económicas e logísticas (ausência de viatura própria, limitação de horários dos transportes públicos – comboio, custo das deslocações, tempo despendido nas viagens) nas deslocações e pelo cumprimento das suas obrigações laborais.
26 - Mantendo, sempre que possível, contactos telefónicos e por videochamada.
27 - A opção da Recorrente por uma localidade mais distante da instituição onde a criança se encontra, não pode, de forma alguma, ser interpretado como sinal de abandono ou indiferença, mas sim um esforço, premeditado, de reunir todas as condições para prover ao seu sustento e estabilidade.
28 – Não pode igualmente ser considerado como sinal de abandono ou indiferença, o facto da Recorrente, ao longo destes anos, ter aceitado as propostas de acordo que lhe foram apresentadas pela CPCJ, no sentido da criança se ir mantendo institucionalizada. 29 - O que não significa que a Recorrente não quisesse ter a sua filha consigo ou que a quisesse deixar ao abandono, mas sim, apenas e tão só, o receio da Recorrente do que pudesse vir a acontecer caso não cooperasse com a CPCJ e se recusasse a celebrar os acordos que foram sendo propostos.
30 - A recorrente, de modo próprio, efectuou exames médicos/laboratoriais na ânsia de demonstrar à CPCJ, ao Ministério Público e ao Tribunal a quo que, contrariamente ao referido nos presentes autos, não padece que qualquer tipo de adição.
31 - Quer no seu requerimento instrutório/prova, quer nas suas alegações, a Recorrente requereu ao Tribunal a quo que ordenasse a realização de exames médicos (físicos e psicológicos) e laboratoriais à mesma, a realizar pelo INML, de modo a apurar se a mesma tinha, ou não, alguma dependência relacionada com o consumo de bebidas alcoólicas.
32 - Tal pedido foi ignorado pelo Tribunal a quo, não obstante às várias referências nos autos a esta temática que tanto a estigmatizou, desde a noite de 08 de dezembro de 2019.
33 - A Recorrente tudo fez na esperança e na expectativa de que, com o passar do tempo e com a
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