Acórdão nº 327/20.5T8CBT.G2 de Tribunal da Relação de Guimarães, 11-04-2024

Data de Julgamento11 Abril 2024
Ano2024
Número Acordão327/20.5T8CBT.G2
ÓrgãoTribunal da Relação de Guimarães

Acordam no Tribunal da Relação de Guimarães

I. Relatório

AA, residente no Lugar ..., ..., ..., veio intentar a presente Ação de Processo Comum contra BB, residente no Lugar ..., ..., ..., pedindo a declaração da inexistência do título executivo que serviu de base ao processo executivo ...8..., ou, subsidiariamente, a declaração de nulidade do mesmo e, em qualquer dos casos, a condenação da Autora no pagamento da quantia de dez mil euros a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos em consequência daquele processo.
Para tanto alega em síntese que o Réu instaurou uma ação executiva contra si, e o seu ex-marido, utilizando como título executivo uma letra no valor de €36.691,90, que a Autora não subscreveu nem assinou, tendo sido surpreendida com o processo de execução em 2009.
Que a assinatura foi falsificada, que não foi assinada pelo seu punho e que, nessa sequência, apresentou queixa crime que deu origem ao processo 210/09.5TACBT, onde foi realizada uma perícia à letra que concluiu como “muitíssimo provável” que a escrita não fosse do punho da Autora.
Mais alega que, com aquele título, foram instauradas execuções contra a Autora e realizadas penhoras, o que causou transtornos à Autora pessoais e profissionais, deixando-a ansiosa, triste, perseguida, privou-a do seu salário, sentiu-se humilhada junto da entidade patronal e deixou de ser uma pessoa alegre.
Regularmente citado, o Réu veio contestar alegando que no processo de execução a Autora não deduziu incidente de embargos de executado nem incidente de falsidade da assinatura pelo que ficou precludido o exercício desse direito, não o podendo fazer agora. Mais alega que foi assinado um acordo de pagamento em prestações, no âmbito do processo de execução pelo qual a Autora reconheceu a validade daquela letra e acordou em pagá-la. Como tal, a conduta da Autora, ao colocar, agora, em causa, a veracidade da assinatura, decorridos 12 anos, excede manifestamente os limites impostos pela boa fé.
Conclui, referindo que a conduta do Réu não preenche os pressupostos de qualquer tipo de responsabilidade.
A Autora respondeu, ao abrigo do princípio do contraditório, e invocou a falta de citação para a ação executiva, alegando que tal não a pode impedir de exercer no presente processo o seu direito, com vista à restituição da quantia injustamente recebida pelo réu e impugnou a falsidade do invocado acordo de pagamento da dívida constante da letra dada à execução.
Foi proferido saneador sentença que absolveu o Réu do pedido por considerar que a falta de oposição à execução com fundamento na inexistência do título executivo precludiu a possibilidade de a Autora vir, agora, instaurar a presente ação para ver reconhecido esse direito.
A Autora recorreu desta decisão, a qual foi confirmada pelo Tribunal da Relação de Guimarães.
Não se conformando com o acórdão proferido por esta Relação, a Autora apresentou recurso de revista excecional, o qual foi admitido, tendo sido proferido acórdão proferido pelo Supremo Tribunal de Justiça que decidiu revogar a decisão proferida e determinar o prosseguimento dos autos.
Foi proferido despacho saneador e despacho a identificar o objeto do litígio e a enunciar os temas da prova.
A Autora requereu a ampliação do pedido, peticionando a condenação do Réu no pagamento dos montantes que a Autora entregou no âmbito do processo executivo, que ascendem a €54.779,58, a qual foi indeferida, por se entender que não estavam em causa factos supervenientes.
Da decisão de indeferimento da ampliação do pedido foi interposto recurso, o qual não foi admitido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, por ter sido considerado que a sua interposição com a sentença que vier a ser proferida não seria inútil.

Veio a efetivar-se a audiência de discussão e julgamento com a prolação de sentença nos seguintes termos, no que concerne à parte dispositiva:

“Considerando toda a argumentação aduzida, julga-se a ação parcialmente procedente, por provada e, consequentemente:
a) Declara-se a nulidade da obrigação da Autora, constante da letra de crédito que serviu de título executivo no processo 397/08....;
b) Condena-se o Réu no pagamento à Autora da quantia de Eur.4.000,00 (quatro mil euros), a título de indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos, acrescido dos juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, desde a data da citação até efetivo e integral pagamento;
c) Absolve-se o Réu do demais peticionado;
d) Condena-se ambas as partes nas custas do processo, na proporção do respetivo decaimento, fixando-se em 60% para o Réu e em 40% para a Autora.
*
Registe e notifique”.

Inconformado, veio o Réu interpor recurso da sentença, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

“i. DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO:
1- O Réu/apelante discorda do tratamento fáctico-jurídico dado pelo Tribunal a quo, pois no seu entender, os pontos 3), 4), 11), 12), 14) e 15) da matéria de facto dada como provada, foram incorretamente julgados, pelo que tal factualidade deveria passar a constar da matéria de facto não provada, assim como a alínea C) da matéria de facto dada como não provada, também não foi corretamente apreciada, pelo que, deveria passar a constar da matéria de facto provada, e consequentemente, devem ser aditados aos factos provados, os pontos 12), 13) e 14) da contestação do Réu.
2- O processo de convicção, com o devido respeito, afigura-se-nos ilógico e irracional, violando as regras da experiência comum na apreciação da prova.
3- No que concerne aos pontos 3) e 4) da matéria de facto dada como provada, conforme reconheceu a sentença recorrida, o ónus da prova da falsidade da assinatura aposta na letra recaía sobre a Autora, uma vez que foi a Autora quem alegou a existência de um documento falsificado.
4- Porém, não existe prova bastante que permitisse ao Tribunal dar como provados os factos acima impugnados.
5- De salientar que, as condições de admissibilidade do “valor extraprocessual da prova”, vêm previstas no art. 421º nºs 1 e 2 do CPC, designadamente, e como o preceito indica, que os depoimentos e perícias produzidos num processo, o tenham sido com audiência contraditória da parte, e que venham a ser invocados noutro processo contra essa mesma parte; que o regime de produção de prova do primeiro processo ofereça às partes garantias não inferiores às do segundo; que o processo em que a prova foi realizada não tenha sido anulado, na parte relativa à produção de prova que se pretende invocar.
6- Sucede que, o relatório de perícia produzido no processo penal, que a Autora fez juntar aos presentes autos, não foi objeto de contraditório por parte do Réu, uma vez que, a queixa-crime foi apresentada contra desconhecidos, e o aqui Réu nunca foi constituído arguido, razão pela qual, nunca foi notificado do exame pericial, não lhe tendo sido dada a oportunidade de o contraditar, mormente, pedir esclarecimentos, ou requerer uma segunda perícia.
7- Desta feita, é ilegal a admissão de tal prova e a sua valoração nos presentes autos, não sendo as provas admitidas ou produzidas sem a audiência contraditória da parte a quem sejam opostas.
8- Quanto ao depoimento da filha da Autora, CC, não se vislumbra razão científica para a valoração do seu depoimento, quando é certo que, a mesma não presenciou o momento da assinatura da letra, pelo que, o seu depoimento afigura-se irrelevante para apurar da veracidade de tal factualidade.
9- Aliás, é a própria testemunha que refere que a mãe nunca assinou nada, ou pelo menos, “Nada que eu tenha visto”, admitindo que nunca viu a letra. (“Diligencia_327-20.5T8CBT_2023-12-11_10-02-58”: [00:06:21 a 00:06:31] e [00:20:43 a 00:20:52]);
10- Ora, a par da prova documental e prova testemunhal (inexistentes como se viu) - uma outra foi, no entanto, produzida no âmbito do presente processo: a prova pericial, requerida pela própria Autora, que se revelou inconclusiva.
11- Pese embora, esta prova esteja sujeita à livre apreciação pelo Tribunal, dada a especificidade que apresenta em relação aos restantes meios de prova valorados livremente pelo Tribunal, por o relatório pericial englobar um juízo técnico assente em conhecimentos que o juiz, por norma não possui, não deixa de ter um valor acrescido obrigando o juiz a rodear-se de especial cautelas na apreciação da prova e na sua fundamentação, caso pretenda afastar-se das suas conclusões.
12- Na caso em apreço, os peritos, utilizando o apontado método da comparação da assinatura que se pretendia reconhecer com outra que se sabia pertencer à sua autora aparente, concluíram não ser possível formular qualquer conclusão relativamente à assinatura da letra, ser ou não do seu punho.
13- Se os peritos não conseguiram sequer chegar a uma conclusão sobre a pertença da assinatura impugnada ao seu autor aparente, então o juiz, na apreciação, por exemplo, da prova testemunhal deve estar de sobreaviso, devendo ser exigente na apreciação do seu valor persuasivo, sob pena de, usando de uma prova particular e consabidamente falível, estabelecer a realidade de um facto que, pessoas dotadas de conhecimentos especiais, em absoluto estranhas às partes e indiferentes aos interesses de que são portadoras, não conseguiram tornar indiscutível.
14- Restava, por isso, o caso de a assinatura ter sido feita na presença de qualquer pessoa que, ouvida na audiência, asseverasse, de forma concludente, ter assistido à subscrição autógrafa na letra, e que soubesse claramente que aquela assinatura não foi aposta pela Autora, mas sim por pessoa diversa.
15- Ora, como se viu a filha da Autora, CC, nunca tinha visto sequer a letra, desconhecendo por isso se a mesma foi ou não assinada pelo punho da sua mãe.
16- Ao constituir uma prova de probabilidades, demasiado falível, facilmente se conclui que a mesma se caracteriza como uma prova potenciadora de erros judiciários e, por isso,...

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