Acórdão nº 325/21.1T8VNG.C1 de Tribunal da Relação de Coimbra, 28-09-2022

Data de Julgamento28 Setembro 2022
Ano2022
Número Acordão325/21.1T8VNG.C1
ÓrgãoTribunal da Relação de Coimbra - (JUÍZO LOCAL CÍVEL DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA)

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

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1 – RELATÓRIO

F..., S.A.”, c.f. n.º n.º ...44, com sede na Rua ..., Edifício ... ... ..., instaurou a presente ação declarativa em processo comum contra “T..., S.A.”, c.f. n.º ...65, com sede na IC..., Km 120, ..., ... ....

Alegou, em síntese, que celebrou um contrato de compra e venda com a ré, recorrendo, para o efeito, a contrato de locação financeira mobiliária, através do qual adquiriu 25 unidades de semirreboques e que 6 delas revelaram um sistema elevatório com defeito, razão por que foram substituídos pela ré, ao abrigo da garantia contratual convencionada pelas partes, por um sistema elevatório hidráulico; alega ainda que existe um defeito geral de fabrico em todas as unidades compradas à ré porquanto os sistemas elevatórios instalados nos semirreboques não reúnem as qualidades normais deste tipo de mecanismos.

Conclui pedindo que a ré seja condenada a proceder à substituição de todos os sistemas de elevação existentes nos semirreboques que identifica (e que são os seguintes: LE-2653; LE-2654; LE-2655; LE-2656; LE-2657; LE-2658; LE-2659; LE-2660; LE-2661; LE-2662; LE-2663; LE-2664; LE-2665; LE-2666; LE-2667; LE-2668; LE-2669; LE-2670; LE-2671; LE-2672; LE-2673; LE-2674; LE-2675; LE-2676; LE-2677), pelo modelo 771N ou por outro modelo que ofereça garantias de funcionamento equivalentes ou adequadas ao fim a que se destinam, com exceção daqueles que foram já substituídos, a efetivar no prazo de 30 dias nas instalações da autora, bem como a suportar todos os custos inerentes às substituições efetuadas e a efetuar, com peças e mão-de-obra; que caso assim não aconteça no referido prazo, a condenação da ré a ressarci-la de todos os prejuízos causados por via do problema existente nos sistemas de elevação, designadamente o custo da substituição dos mesmos que a autora eventualmente tenha de suportar, a liquidar em execução de sentença.

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Regulamente citada, a ré apresentou contestação, defendendo-se por exceção, sustentando, além do mais, ocorrer caducidade do direito de propositura da acção, para além de se defender por impugnação.

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A autora exerceu o contraditório relativamente à matéria de exceção, sustentando que não ocorreu a caducidade, alegando que os defeitos se manifestaram sucessivamente nos diferentes semirreboques e que, além do mais, caso ocorresse um defeito num dos sistemas de elevação diverso dos 6 cujo mecanismo elevatório já foi anteriormente substituído, a autora estaria sempre em tempo de denunciá-lo.

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No despacho saneador-sentença proferido na audiência prévia que foi convocada, decidiu-se que com base nos elementos documentais juntos aos autos, designadamente o e-mail datado de 08-05-2020 [enviado pela autora à ré], comunicação ou denúncia do “defeito geral” dos restantes sistemas elevatórios dos semirreboques, à data da instauração da presente lide (13-01-2021), o direito de acção já havia caducado, isto à luz do disposto no art. 921º, n.º 4 do Código Civil (segundo o qual a autora tinha ao seu dispor 6 meses para instaurar a competente ação), mesmo considerando a suspensão dos prazos em virtude da legislação especial “Covid” (por força do que o dies a quo desse prazo, o início da sua contagem ocorreu a 03-06-2020) acrescendo que não se podia concluir no sentido de que ocorreu o reconhecimento, pela ré, do direito da autora (cf. art. 331º, nº 2 do C.Civil), nomeadamente consubstanciado no e-mail datado de 13-05-2020 [na medida em que se exige para tanto que o reconhecimento seja “indiscutível, evidente, real e categórico, de tal forma que não suscite quaisquer dubiedades sobre a atitude de quem o reconhece”, o que não resultava face a este dito e-mail], sendo certo que a caducidade constitui uma excepção perentória, que conduz à absolvição da ré do pedido [ficando prejudicado o conhecimento da restante matéria discutida nos autos], termos em que se concluiu nos seguintes termos:

«Atento o exposto, na presente acção instaurada por F..., S.A., decide-se julgar procedente, por provada, a matéria que integra a excepção peremptória de caducidade e, em consequência, absolve-se a ré T..., S.A. do pedido, com as legais consequências.

Custas a cargo da autora.

Notifique e registe.

Oportunamente, arquivem-se os autos.»

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Inconformada com esse despacho saneador-sentença, apresentou a A. recurso de apelação contra o mesmo, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

«1. Vem o presente recurso interposto do douto saneador-sentença proferido pelo Tribunal de Primeira Instância e é o mesmo apresentado na firme convicção de que se impunha uma outra decisão, fosse de considerar controvertida a matéria de facto e submete-la a julgamento, fosse mesmo de julgar a excepção não provada.

2. Salvo o devido respeito, que é muito, a Apelante entende que o Tribunal a quo fez uma incorrecta aplicação do Direito.

3. Desde logo, nos termos do n.º 3 do artigo 595.º CPC, conjugado com a redação do artigo 607.º CPC, o douto saneador-sentença deveria ter enunciado quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, pois que nenhum facto resultou provado.

4. Não está em causa a fundamentação e os pressupostos apresentados – por muito que, também, não se concordem com os mesmos – mas, tão só, a total ausência de enunciação dos factos que o Tribunal a quo entendeu que se encontram dados como provados e não provados.

5. Sem prejuízo, não estavam reunidos os pressupostos para que fosse proferida a decisão em crise, porquanto os pressupostos de facto em que a decisão se baseou estão controvertidos.

6. Impunha-se a produção de prova relativamente aos factos controvertidos.

7. Ademais, a Apelante entende que da prova já junta aos Autos, em especial o e-mail de 13.05.2020, resulta inequívoco o reconhecimento por parte da Apelada da existência dos defeitos.

8. Deste e-mail resulta evidente a existência de um problema no mecanismo de elevar o teto; que esse problema foi reportado à Apelada; na sequência disso, a Apelada encetou diligências com o fabricante dos semirreboques Kassbohrer; que este, por sua vez, procurou uma solução com o fabricante dos mecanismos; e, finalmente, por ambos foi decidido que a melhor solução passava por substituir os mecanismos antigos Hestal 770 pelo mecanismo novo 771N.

9. A Apelada reconhece, assim, a existência de um problema e informa qual a solução encontrada para o problema. De todo o modo, a solução só é apresentada, porque a Apelada reconhece a existência da desconformidade/defeito.

10. Além disso, mal andou o Tribunal a quo ao colocar a tónica relativamente à excepção da caducidade na solução apresentada, a que acresce que a circunstância de ter entendido que a solução tem sempre um custo associado.

11. Na verdade, a apresentação de uma solução de substituição é já o reconhecimento de que o defeito existe. Ademais, a substituição, desde que dentro da garantia, seria sempre gratuita.

12. Deste modo, a Apelada reconheceu inequivocamente a existência da desconformidade e do defeito.

13. Deste modo, deve o douto saneador-sentença proferido ser revogado e substituído por douto acórdão que julgue a excepção da caducidade não provada ou, no limite, de que carece de produção de prova.

14. Ao decidir como decidiu, o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 595.º, 607.º do CPC e 331.º do Código Civil.

Nestes termos, termos e nos que Vossas Excelências mui doutamente suprirão, julgando procedente o presente recurso e julgando de conformidade com as precedentes CONCLUSÕES, será feita uma verdadeira e sã JUSTIÇA!»

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Por sua vez, apresentou a Ré contra-alegações, das quais extraiu as seguintes conclusões:

«a) Vem a Recorrente recorrer do douto despacho saneador-sentença de fls…, onde o Meritíssimo Juiz a quo decidiu: “Tendo a presente acção dado entrada em Juízo em 13-01-2021, é de concluir que o direito de a propor já se encontrava, nessa data, ferido de caducidade, ou seja, a acção foi instaurada extemporaneamente pois o direito de acção já tinha caducado em momento anterior e, como tal, se encontrava precludido. (…) A caducidade constitui uma excepção peremptória, de cariz impeditivo, que conduz à absolvição da ré do pedido, ficando prejudicado o conhecimento da restante matéria discutida nos autos – cf. CC, art. 342º-2; cf. CPC; art. 576º-1-3”;

b) Face à referida decisão, veio a Recorrente insurgir-se, alegando que os factos careciam de produção de prova, encontrando-se controvertidos; que foram violados os requisitos da sentença, nomeadamente, por não terem sido indicados os factos provados e não provados; e, porque se verificou o reconhecimento do direito da Recorrente, pelo que não poderia proceder a exceção perentória de caducidade;

c) Ao tempo do Douto Despacho Saneador-Sentença já se encontravam fixados, pelas partes, os factos dos autos, estando o processo, nessa fase, munido de prova documental destinada à prova essencialmente da denúncia do alegado defeito e das comunicações anterior e posteriormente trocadas entre as Partes;

d) Da prova documental junta, nomeadamente do e-mail junto como doc. n.º 34 da contestação, extrai-se a conclusão e a prova de que a denúncia do defeito geral foi comunicada anteriormente à data de 08.05.2020;

e) Iniciando-se no dia 08.05.2020 o prazo de 6 meses para a interposição da ação nos termos do artigo 921.º, n.º 4 do Código Civil, o último dia do prazo seria o dia 04/12/2020, contando-se os prazos de suspensão em virtude de legislação especial “Covid”, pelo que, a 13/01/2021, data em que a ação deu entrada em Juízo, a mesma já estava ferida de caducidade;

f) Apesar da Recorrente alegar que o Tribunal a quo teve em consideração pressupostos de facto que estão controvertidos, sucede que, os mesmos, se encontram restritos às comunicações de 05.05.2020, 08.05.2020 e 13.05.2020, conforme se verifica nos articulados das partes...

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